Discografias Comentadas: System of a Down
Por Ulisses Macedo
Às vezes, certas histórias nos passam a impressão que as pessoas que as protagonizam foram pura e simplesmente destinadas a se conhecer. Um desses casos é o do grupo norte-americano System of a Down, em que todos os quatro integrantes dispõem, além de uma química impressionante no palco e no estúdio, de descendência armênia. O encontro do que viria a ser o “S.O.A.D” teve início com Serj Tankian (vocais) e Daron Malakian (guitarra/backing vocais) quando o grupo ainda se chamava Soil e as posições de baixista e baterista ainda não eram ocupadas, respectivamente, por Shavo Odadjian e John Dolmayan.
Estes só entraram depois que o Soil se reformou e mudou o nome, definitivamente, para System of a Down. Com a gravação de fitas demos e a realização de shows em locais de pequeno porte, conseguiram a atenção do renomeado produtor Rick Rubin – e de fato acabaram indo para a American Recordings, selo de propriedade do próprio Rubin. O que se seguiu adiante foi o lançamento de umas das mais renomadas bandas da atualidade, misturando Heavy Metal com Punk, Industrial e música popular armênia em riffs intensos, mudanças de tempo bruscas e letras um tanto ácidas.
Definir a sonoridade do System é sempre um caso complicado. É sempre uma mistura de estranheza, sátira e crítica – e algumas vezes, melancolia e reflexão – além do contraste entre peso/velocidade e leveza/lentidão – que em certos momentos acontece numa única composição. As pesadíssimas “Suite-Pee” e “Know” nos lembram que o disco foi feito numa época de crescente popularidade do chamado Nu Metal. Mas logo deslizam para a criativa “Sugar“: note as mudanças na voz de Tankian e perceberá sua versatilidade, que logo se tornaria um ícone da banda. “Sugar” também é um dos singles responsáveis pelo enorme sucesso da estréia, junto com a lenta e arrepiante “Spiders“. Espremida entre elas está “Suggestions”, que também se destaca junto com “War?”, uma das mais diretas. A guitarra e o baixo pesados em parceria com a bateria precisa, mais os gritos de Serj, formam a maior parte do disco. Entretanto, a canção de maior importância aqui é “P.L.U.C.K”, que fala sobre o genocídio armênio propagado pelo governo turco na época da Primeira Guerra Mundial. Esta é a primeira de muitas que procura esfregar na cara das pessoas para que reconheçam de uma vez por todas que uma nação foi simplesmente assassinada – até hoje o massacre costuma ser empurrado para debaixo do tapete. Claro, isso traria enormes consequências para a Turquia. Há um documentário chamado Screamers, da jornalista armênia Carla Garapedian, que fala bem sobre isso. O interessante é que o System of a Down é parte importante da película, tanto na trilha sonora como na parte visual, inclusive contanto com depoimentos do avô de Serj, sobrevivente da tragédia. Mais interessante ainda: a ideia é que o documentário, inicialmente, seria APENAS sobre a banda, mas depois descambou para o assunto do genocídio justamente devido à descendência do quarteto.
Após uma ascenção considerável na estréia (que conseguiu alcançar o status de Disco de Platina em 2000), o pico de popularidade é alcançado em Toxicity: três vezes Disco de Platina e primeiro lugar no Top 200 da Billboard em terras norte-americanas, além de resultados semelhantes em outros países. Musicalmente falando, há algumas diferenças entre Toxicity eSystem of a Down: na maior parte do tempo, Serj canta de forma mais contida, preocupando-se mais em encaixar bem sua voz à música, mas resquícios do passado ainda são vistos em canções como “Prison Song”, “Jet Pilot” ou “X”, ditadas pela bateria e guitarra com peso acima do normal e andamento acelerado. Em faixas mais diretas como “Science” e “Shimmy” é Daron quem lidera o andamento, exibindo riffs de extremo bom gosto. Responsáveis pelo sucesso do disco, elementos mais harmônicos encontram seu espaço na baladinha “A.T.W.A” e no single arrasa-quarteirão “Chop Suey!“, a mais conhecida composição do quarteto. E polêmica, pois o disco foi lançado pouco tempo antes dos ataques terroristas de 11 de Setembro e a música tocava num ponto desconfortável: suicídio – como se as críticas ao governo americano já não fossem suficientes. Mesmo banida das rádios, o vídeoclipe liderou o álbum no mundo todo junto com os outros dois singles: “Toxicity” (a bateria no início continua sublime após todos esses anos) e a fantástica “Aerials“, digna de vários adjetivos maravilhosos e cuja interpretação de Serj prende toda a atenção do ouvinte através da ótima letra e dos refrões bem encaixados. Em Toxicity eles se estabeleceram seu lugar na cena musical, refinando as composições sem perder a essência sonora, e a recompensa veio na forma de um milhão de discos vendidos em apenas seis semanas – a estréia auto-intitulada demorou mais de dois anos para isso – e nas turnês bem sucedidas com nomes do quilate de Slipknot e Rammstein, também em alta na época. Um clássico.
Ainda nas sessões de gravação de Toxicity muitas composições ficaram de fora. De um jeito ou de outro elas acabaram caindo na Internet, na forma de mp3′s de baixa qualidade, e a junção delas ficou conhecida popularmente como “Toxicity II”. Decididos a fazer o melhor da situação, o quarteto resolveu que rapidamente dariam uma cara nova às composições e não deixariam os fãs com material inacabado. Assim surgiuSteal This Album!. Os músicos não quiseram deixar a situação do vazamento passar batido e, por isso, a arte do CD é simples e idêntica à de um bootleg, com marcações de caneta permanente e sem encarte, remetendo de fato a um produto pirata. Haviam instruções para acessar uma parte especial do website da banda com o CD para ter acesso aos créditos e às letras. Existem também quatro edições limitadas, uma desenhada por cada membro, limitadas a 50.000 cópias cada uma e que hoje são disputadas a tapa por colecionadores. Dessa forma, muito do álbum ainda soa como Toxicity, enquanto outra parte se esforça para mostrar uma proposta musical ligeiramente diferente, se desligando da alcunha de meros B-Sides: “Innervision” e “Bubbles”, embora inegavelmente ótimas, poderiam estar em qualquer um dos discos anteriores, enquanto “Boom!” constitui-se com uma poderosa simplicidade, onde Serj praticamente fala, ao invés de cantar, uma boa parte da música e o refrão é literalmente “Boom!” repetido várias vezes, mas de uma maneira espetacular. “I-E-A-I-A-I-O” é outra de andamento sem precedentes, com uma estrutura que lembra o Rap, mas com o refrão totalmente diferente – e pegajoso. A segunda metade do álbum é dotado de algumas da melhores músicas que a banda já compôs, como “Highway Song“, “Ego Brain” ou a ótima “Roulette”, dotada de violão e até violino. “Streamline” fecha o álbum com uma forte presença do baixo de Shavo transitando entre o calmo e o agitado.
3 anos depois, o System anuncia um álbum duplo com uma característica inusitada: a primeira parte seria lançada em maio e a segunda em novembro daquele ano. Rumores davam conta de que Daron passaria a imprimir sua voz nas canções, casando-a com a de Serj para apimentarem as composições. O single “B.Y.O.B.” (acrônimo de Bring Your Own Beers – Traga Suas Próprias Cervejas – modificado para Bring Your Own Bombs) dava uma amostra do que estava por vir, mantendo as fortes críticas de teor político e trazendo um refrão dançante, e viria ainda a ganhar um Grammy no ano seguinte. “Question!” foi o segundo single e é, simplesmente, uma das melhores músicas do grupo, cuja introdução com violão esconde uma posterior mistura de pancadaria e emoção. “This Cocaine Make Me Feel Like I’m On This Song” e “Violent Pornography”, embora divertidas e inesperadas numa primeira audição, estão ali apenas para cumprir a quota de canções esquisitas do System e, sinceramente, não merecem audições posteriores. Mas em termos de composições fracas, paramos por aí. “Radio/Video” é divertidíssima e um dos estandartes do duo vocal Serj/Daron e tem um jeitão ska que a torna diferenciada no disco. Similarmente, a dobradinha “Old School Holywood” / “Lost in Hollywood” é um ode à criatividade do grupo; aquela tem forte presença de sintetizadores e esta é outra com forte presença de Daron, fechando o álbum com dedilhados suaves.
Hypnotize [2005]
Seis meses depois, Hypnotize chega às prateleiras para completar o que Mesmerize havia começado mas, ao mesmo tempo, traz uma vibe própria. “Attack” começa com uma pancadaria absurda que lembra o S.O.A.D lá dos primeiros registros, com momentos quase grindcore. Mesmo “Viscinity of Obscenity” não chega perto. “Dreaming” também é excelente, mas sinto que se tirássemos as partes rápidas e desenvolvêssemos as partes calmas, teríamos uma das melhores composições de toda a história do grupo. “Kill Rock ‘N’ Roll” e “Hypnotize“, uma em cima da outra, são os singles da vez: esta é bem cadenciada e traz uma perfeita junção das vozes de Serj e Daron, junto com a cozinha fazendo um ótimo trabalho no último refrão, fazendo-nos imaginar como teria sido o protesto na Praça da Paz Celestial, a “Tiananmen Square” da qual a música se refere. Temos mais uma ótima composição nesse nível, a fantástica “Holy Mountains”. A canção definitiva sobre o genocídio armênio começa de um forma meio Alice in Chains de ser, destacando a interpretação de Tankian tanto nas (arrepiantes) partes calmas quanto em seus gritos acusadores. Infelizmente, também temos pontos baixos, como nas fracas “She’s Like Heroin” e “U-Fig”. “Stealing Society” mantém o nível do álbum lá no alto, e o também single “Lonely Day“, uma baladinha que soa muito bem apesar da letra fraca, sinaliza que estamos chegando ao fim. “Soldier Side” fecha o ciclo que Mesmerize iniciou com “Soldier Side Intro”, terminando em suaves dedilhados. Terminaram também as turnês e os registros de estúdio, já que no ano seguinte a banda entraria em hiato que só acabou em 2011, e que aqui no Brasil culminou com uma excelente apresentação no Rock in Rio daquele ano. Entretanto, até agora, nada sabemos sobre um possível novo disco.
Sem dúvida, uma banda interessante, e a matéria me fez ouvir novamente o catálogo da banda, coisa que não fazia há tempos. Pena que não gravam mais.
Fez parte da minha adolescência e sem dúvida é uma das grandes do Rock!
Parabéns pelo texto!