Melhores de 2018: por Ronaldo Rodrigues
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Por Ronaldo Rodrigues
2018 foi um ano em que não tive oportunidade de ouvir tantos lançamentos quanto gostaria, contudo, houve uma quantia bem significativa de bons novos sons. A lista final ficou acirrada, com discos roubando a posição de outros na reta final das audições; também foi difícil de escolher a ordem de preferência, pois cada um dos álbuns citados teve seu mérito e seu barato próprio, com doses equivalentes de qualidade.
Assim como em anos anteriores, não me dediquei a ouvir discos novos de medalhões e artistas já muito consagrados. O foco das audições foram bandas que praticam os estilos que aprecio, independentemente do fato se rememoravam ou não o som das décadas de 60-70 (o chamado retro-rock). Os leitores assíduos daqui site sabem que essa é a praia onde tomo sol e bebo água de coco. Mas este já é o terceiro ano em que participo da seleção dos melhores e muita coisa de 2018 é pra lá de empolgante.
Earthless – Black Heaven
Uma verdadeira coleção de solos de guitarra alucinantes, bons riffs e um rock quente! O entrosamento dessa banda norte-americana é notável e já conhecido de seus álbuns anteriores. Black Heaven sucede From the Ages, de 2013, o último álbum completo da banda. Um grande diferencial da banda é ter um bom vocalista (o guitarrista Isaiah Mitchell) e composições pensadas para que a voz tenha protagonismo. Depois que Mitchell canta os versos de cada música, você pode se preparar para ser socado nas paredes com solos e mais solos de guitarra, um ótimo trabalho de bateria e um baixo preciso. A fórmula de um rock poderoso que devia ocupar o palco de todos os grandes “festivais” que levam “rock” no nome.
Rikard Sjoblom’s Gungfly – Friendship
Meu amigo e mago progressivo Mairon Machado foi quem me indicou essa banda em 2017 e desde lá venho acompanhando o projeto desse talentossísimo músico sueco, egresso da banda Beardfish. Depois do ótimo On Her Journey to the Sun, que fez parte da minha lista de melhores do ano passado, o novo trabalho do Gungfly volta a figurar aqui. Dentro do universo prog nada me chamou mais atenção do que as intrépidas linhas melódicas e a polirritmia deste trabalho, que pela natureza do estilo é eclético e ricamente variado nos climas. Os teclados tem destaque e as composições não tem receio de também soar simples e despretensiosas em alguns momentos, ou seja, o disco não sofre de complexo de virtuosismo demasiado.
Friendship – Ain’t No Shame
Grupos do norte da Europa andam se destacando naturalmente em meu gosto particular nos anos recentes. Em comum entre eles, percebo um rigoroso apreço na sonoridade e na qualidade da gravação dos discos, as boas composições e um instrumental vigoroso. Esses três pilares estão presentes em todos os segundos deste álbum, que é o segundo da banda, formada em 2011 na gelada Noruega. Os garotos são cheios de vigor, o baixo e a guitarra são repletos de saturação e os vocais caem perfeitamente no blues-rock possante do trio. “Gypsy” é um petardo e a balada “Moments” é de uma delicadeza ímpar.
Howlin’ Sun – Howlin’ Sun
Com uma boa dose de psicodelia, vocais saturados, guitarras cruas e um punhado de rocks dos mais eficazes encontrados na praça, essa banda cativa pela simplicidade. Aparentemente tudo é um clichê dos mais descarados e pouco convincentes. Mas ouvir a malandragem da banda em uma canção como “Westbound”, ou o cinismo que brota das caixas de som nos acordes de “Strange Night” só funciona quando feitos por caras que realmente vivem o que cantam. “Yellow Lit Road” parece uma canção perdida do Free e “Nothing Like a Shelter” nada mais é do que uma trilha sonora para ver válvula de amplificador fritando. Diversão garantida para rockeiros de raíz.
Malady – Toinen Toista
O segundo álbum dos finlandeses do Malady faz jus a tradição do rock psicodélico do início dos anos 70 pela fluidez com que a música se desenrola. Longas passagens instrumentais vão pululando os alto falantes com muita naturalidade; o vocabulário da banda é farto e a sonoridade agradável das guitarras e dos teclados trazem um clima refestelante para o ouvinte. A despeito do idioma local soar um pouco indigesto para os latinos e os vocais um pouco frios, as composições remetem à lindas paisagens. A suíte “Nurja Puoli” traz uma certa influência de post-rock dentro de uma abordagem progressiva, com belos solos de guitarra.
Naxatras – III
Outra recomendação do meu amigo Mairon Machado, que pautou o trabalho dessa banda grega aqui no site há alguns anos atrás. Este já é o terceiro álbum do Naxatras e mostra um grupo bem maduro e mais pesado do que nos trabalhos anteriores. Os riffs são instigantes e a sonoridade bastante orgânica, fortalecendo os longos e poderosos solos de guitarra. Há momentos em que as frases melódicas se repetem num ato contínuo, fortalecendo o transe na audição. O disco também tem seus momentos psicodélicos e experimentais e finaliza com uma suave canção folk elétrica.
Spock’s Beard – Noise Floor
Já com uma longa discografia e mais de duas décadas de atividade, o Spock’s Beard retornou aos estúdios para trazer seu 13º lançamento. O disco abre com a empolgante “To Breathe Another Day”, uma faixa para nenhum fã de rock progressivo colocar defeito, com seu instrumental rebuscado, muitas mudanças de andamento e passagens instrumentais surpreendentes. Esses adjetivos aparecem ao longo de todas as faixas em maior ou menor grau. Há faixas em que uma estrutura mais convencional é privilegiada e uma forte veia melódica é demonstrada pela banda e que se alterna muito bem com toda a profusão de notas musicais exibidas pelos instrumentistas. Apesar das qualidades, o disco é duplo e sua longa extensão poderia ser evitada sem prejuízos para a obra.
DeWolff – Thrust
Os holandeses do DeWolff mostra que querem morder um filão maior do que o dos entusiastas do retro-rock. É clara a escolha da banda por sonoridades da neo-psicodelia e músicas dançantes. Ainda que não acerte o alvo o tempo todo e nem nos brinde com um trabalho tão bacana quanto o álbum anterior (que figurou em minha lista de melhores de 2016), é um deleite ouvir o órgão Hammond voltando a ser bem executado fora do ambiente do rock progressivo. As influências do soul e do blues na música dos caras são fortíssimas e eles as usam a favor de produzir ótimas canções de veio pop, com um instrumental caprichado e um trabalho vocal de primeira.”Tombstone Child” foi trabalho de conclusão de curso na escola dos Rolling Stones e “Swain” é algo que raramente se ouve sem ser com o Booker T and MG’s.
Riverside – Wasteland
O Riverside faz uma leitura bastante particular e contemporânea do rock progressivo. Seus temas cinzentos conduzidos pela guitarra emprestam do metal progressivo o que ele tem de melhor a oferecer em termos de construção harmônica e sonoridade, deixando de lado as firulas desnecessárias (afinações graves, distorção em demasia, bumbos duplos, etc.). Os vocais tem bom encaixe nas composições, que trazem uma carga de dramaticidade e suspense, e toda a banda faz um trabalho de altíssimo nível. A parte instrumental é bem equilibrada na execução e na mixagem, tornando o conjunto das músicas e das performances muito coeso.
Logan Richardson – Blues People
Um trabalho bem instigante do saxofonista norte-americano Logan Richardson, de quem até então nunca tinha ouvido falar. Não é um trabalho simples; a combinação de uma música bem climática com um trabalho instrumental repleto de camadas mas extremamente rico em improvisação deixa o ouvinte um bocado atoardado. Os instrumentos trabalham cada um em um território próprio sobrevoando bases repetitivas na mesma linha conceitual de Miles Davis da fase Bitches Brew, ainda que o resultado sonoro não tenha associação com esta referência pois há uma dose bem mais marcantes de rock nas composições. As guitarras abusam do delay, o que traz uma reminiscência de post-rock, mas a bateria assume um protagonismo que arrebenta com qualquer possibilidade de entendiamento do ouvinte. A base criada pela baixo e pelas notas ressoadas da guitarra preparam a cena para que os outros instrumentos entrem e saiam eventualmente do panorama sonoro. E o disco passa por momentos totalmente distintos dessa descrição toda, ao incluir faixas com influências folk e country. Além disso Logan Richardson traz um pouco do conceito do hip hop mais moderno, com batidas fracionadas e decompostas em andamentos estranhos, mas tudo feito organicamente, com instrumentos eletrificados.
Muita novidade, um disco que entrou na minha lista, e um que quase entrou. Bastante coisa para conhecer. Valeu Ronaldo!!
Da lista, escutei Spock’s Beard e Riverside. Há uma probabilidade de que ambos também entrem na minha.
Não sabia que tinha saído álbum do Spocks Beard. Adoro essa banda!