Spock’s Beard – Beware of Darkness [1996]
Por Fernando Bueno
Em 2011, um dos meus primeiros textos aqui para a Consultoria do Rock foi o qual eu tento descrever todas a grandiosidade do álbum Snow do Spock’s Beard (leia aqui). Se Snow não é o melhor, as opiniões aqui são subjetivas – é certamente o principal disco da banda e aquele que cimentou sua importância o rock progressivo feito atualmente. A saída de Neal Morse foi um baque que atrapalhou até mesmo a divulgação do álbum. Imagine uma banda lançando seu principal disco e não podendo excursionar por conta da saída de seu componente mais fundamental. Tanto que em 2017 a banda se reuniu com todos os componentes que já passaram por ela para celebrar o aniversário de 15 anos de lançamento do disco o que resultou em um ótimo DVD com o álbum na integra. O Spock’s Beard apareceu na Consultoria do Rock novamente em 2012 quando Diego Camargo abordou o álbum V, lançado no ano de 2000, que também se tornou um clássico do grupo. Porém acho que tem outro álbum dessa fase com Neal Morse que merece uma lembrança aqui no site. Na minha opinião melhor até que o V; estou falando de Beware of Darkness.
Acredito que foi em Beware of Darkness que o Spock’s Beard conseguiu estabelecer qual seria a sua proposta musical. A influência das bandas clássicas é evidente ao longo de toda sua carreira. Gentle Giant, Yes, King Crimson e principalmente Genesis são os pilares do som do grupo, porém a banda conseguiu pela primeira vez, ao meu ver, trazer em Beware of Darkness todos esses elementos sem que o resultado pareça mera cópia, algo que não aconteceu no seu primeiro disco, The Light (1995). Foi nesse disco que Ryo Okumoto fez sua estreia trazendo o mellotron e o hammond para o som do grupo. Assim a formação clássica da banda estava formada com Neal Morse, Alan Morse, Dave Meros e Nick Virgíllio. Veja a foto ao lado com os créditos de cada instrumento que cada músico toca. É certo que além de compor todo material para o grupo até o encarte seja escrito por Neal Morse. Na edição que tenho ele ainda faz um comentário para cada uma das faixas.
A maior curiosidade do álbum vem junto com seu título. Convenhamos, não é normal uma banda usar o nome de um cover como o título de um álbum próprio. A faixa pertence ao fantástico disco All Things Must Pass (1970) de George Harrison, gravado logo depois da separação dos Beatles. A qualidade do álbum mostra o quanto o ex-beatle era de certa forma boicotado em sua ex-banda, mesmo sabendo que o material produzido por ela era de um nível que poucas vezes se repetiu na história da música. Não sei nem se podemos chamar essa faixa de um cover pois o Spock’s Beard transforma a música em algo totalmente diferente, apesar de manter a estrutura, os tempos e a cadência das partes cantadas, mas abusando nos arranjos das outras partes da canção.
As influencias de Gentle Giant que eram claras no primeiro disco aqui ficam até mais evidentes. Basta ouvir “Thoughts” em que é usada na introdução uma sequência de notas com cada uma tendo um timbre diferente causando uma estranheza na primeira audição, mas que faz falta no andamento da música quando os ouvidos já se acostumaram e ela não é mais utilizada. Neal Morse diz que o grupo inglês foi sim a influencia para a música, mas não cita faixas. Acredito que a introdução de “The Runaway” do álbum In A Glass House do Gentle Giant tenha sido uma inspiração para isso. Mas a referência ao Gentle Giant não para por aí. O jogo de vozes diferentes, muito comum na banda britânica, também aparece aqui numa clara alusão à “Knots”.
Em “The Doorway” outra característica marcante da banda aparece. Os caras são mestres em criar melodias que pertencem ao rock progressivo, mas que fariam qualquer músico pop ficar com inveja. Mesmo em uma primeira vez que você as ouça, as harmonias são tão agradáveis que parecem que você as conhece desde sempre. E isso é algo que se repete ao longo da já longa carreira dos americanos e também nas bandas que Neal Morse formou após sua saída, como o Transatlantic, o Flying Colours e a Neal Morse Band, todas com seu inseparável companheiro Mike Portnoy.
Uma coisa que sempre se manteve forte no som do Spock’s Beard é a presença cristalina do som do baixo. Sei que muita gente tem dificuldades de ouvir o instrumento em alguns estilos musicais. Porém a nitidez dos instrumentos e o excelente trabalho de Dave Meros dará uma nova perspectiva para essas pessoas. Nesse ponto em específico nota-se que Chris Squire fez escola no estilo. Para ficar com as comparações com o Yes, “Chatauqua” é um belo tema apenas no violão no melhor estilo “A Mood for a Day”.
“Walking On The Wind” é outra mostra de como Neal Morse e o Spock’s Beard conseguem imprimir uma abordagem pop à músicas complexas e longas. O clímax da música se dá no ótimo refrão. Com essa ótima sequencia de faixas as duas que fecham o disco “Waste Away” e a mais longa “Time Has Come” ficam um pouco deslocadas, mesmo sendo músicas muito boas. Eu já até me acostumei a começar a ouvir o disco por elas para ver se a dinâmica do disco fica melhor.
A saída de Neal Morse abalou um pouco a criatividade da banda. Feel Euphoria (2003) e Octane (2005) são álbuns bacanas, mas não são páreos para qualquer desses discos já citados nesse texto. Entretanto nos cincos discos lançados depois desses posso destacar dois – X (2010) e Brief Nocturnes and Dreamless Sleep (2013) – que fazem jus à carreira da banda mantendo seu posto de uma das principais bandas do estilo da atualidade.