A discografia de Alice Cooper é recheada de altos e baixos. Depois de uma estreia tímida com Pretties for You, Alice e sua banda marcaram o início da década de 70 com álbuns essenciais na discoteca metálica de um admirador do estilo, com destaque para Killers (1971), Billion Dollar Babies (1972) e School’s Out (1972). O último disco como banda Alice Cooper, Muscle of Love (1974), mostrava que o grupo já não caminhava por caminhos sólidos, e assim, tia Alice partiu para sua carreira solo.
Logo na estreia, dois petardos certeiros: Welcome to My Nightmare (1975) e Alice Cooper Goes to Hell (1976), que consagraram o artista como o principal nome do rock de horror, com suas histórias repletas de contos capazes de assustar até Stephen King. Porém, o final da década de 70 foi marcado pelos excessos de drogas e bebidas, até que depois de From the Inside (1978), Alice mergulhou no mar da obscuridade, compartilhando com diversos colegas lançamentos de gosto duvidoso por boa parte dos anos 80.
Foi com Raise Your Fist and Yell (1987) que Alice conseguiu voltar ao mercado da música, graças a um álbum bastante pesado, que teve sequência com o aclamado Trash (1989), álbum de incrível sucesso, puxado pelo hit “Poison”. Dois anos depois, Hey Stoopid contou com a participação de gigantes do metal, como Slash, Mick Mars, Steve Vai, Vinnie Moore e Joe Satriani nas guitarras, e ainda Ozzy Osbourne nos vocais, e o disco vendeu muito, mas um lado da crítica especializada, e principalmente dos fãs, faziam sempre que possível a citação de que Alice conseguiu o sucesso fugindo daquilo que o consagrou, o rock de horror.
Pois foi com essa crítica enfadonha em mente que Alice concebeu seu álbum mais ousado na década de 90, praticamente esquecido em sua discografia, e que considero um dos melhores trabalhos feito pelo artista americano em sua carreira solo. The Last Temptation chegou às lojas em 1994, trazendo junto com o vinil uma história em quadrinhos, escrito por Neil Gaiman e com ilustrações de Michael Zulli, em artes advindas da produtora Marvel Comics. Tudo isso para elucidar uma história de suspense envolvendo Steven, um jovem garoto cercado de problemas e questionamentos pessoais, que já havia sido o personagem principal de Welcome to My Nightmare, e também tema de uma canção de Hey Stoopid!, no caso “Wind-Up Toy”, e um diretor de teatro que, através de jogos psicológicos, tenta levar Steven para o mundo sobrenatural.
A história foi lançada em história em quadrinhos em três volumes, e vamos tratar da história em quadrinhos antes das canções do LP. Apenas o primeiro volume acompanhava a versão original do LP, com os demais sendo possíveis de ser adquiridos pouco depois do lançamento do álbum. Tudo começa com Steven e um grupo de amigos andando pelas ruas de uma determinada cidade na véspera do Halloween, parando diante de um Teatro que é novo na cidade, o The Theater of the Real – The Grandest Guignol (Teatro do Real – O Grandioso Guignol), sendo o Guignol um teatro que realmente existiu nos anos 20, na França. Um recepcionista – o próprio Alice Cooper – faz as honras da casa e convida um dos cavalheiros para entrar. Por pressão dos amigos, o escolhido é Steven. Descobrimos então que o recepcionista é o diretor do teatro, e também o apresentador.
No teatro, Steven é apresentado à uma moça chamada Mercy, que recebe seu ingresso ao mesmo tempo que o diretor diz que tudo no teatro é livre. Mercy desaparece diante dos olhos de Steven, que penetra no teatro para assistir o que o diretor disse ser uma peça inesquecível.
O personagem principal da peça é, por incrível que pareça, o próprio Steven, que passa a dialogar com zumbis e outros seres assustadores. Porém, o garoto não percebe que tudo é uma história armada para conquistar a confiança dele com o administrador do Teatro, que tem outras intenções junto à pessoa de Steven. No final do primeiro livro, ele acaba saindo do teatro sendo zombado pelos amigos, mas carregando na face uma imagem sinistra de que algo mudou em sua vida.
O início do segundo livro traz Steven correndo, voltando para casa, e encontrando sua mãe. Após levar uma breve “regada” do pai e da mãe, Steven vai para o quarto, e assustado, percebe mudanças na voz e na personalidade da mãe, que remetem ao diretor do teatro. Assustado, Steven acaba adormecendo, tendo um estranho pesadelo no qual necessita salvar Mercy das garras do diretor.
No outro dia, Steven acorda para ir a escola, buscando mais informações sobre o teatro, que não existe. Ninguém conhece o teatro, os amigos que “pareciam” estar com ele na frente do teatro dizem que não estavam lá, e Steven fica mais perturbado do que quando saiu do mesmo.
Na escola, ele enxerga o diretor Alice Cooper em vários personagens – a professora, o técnico do time de beisebol, a merendeira, dois colegas, o zelador, e por fim, encontra o próprio Alice diante do espelho. É véspera de Halloween, e nesse momento acaba o livro II, com Steven fazendo a clássica maquiagem de Tia Alice para ir “assustar” as pessoas no tradicional “Gostosuras ou travessuras”.
O livro III começa já no Halloween, com Steven e amigos fantasiados saindo pela escola. Steven foge da turma, e vai buscar informações sobre o teatro em uma biblioteca. Lá ele pesquisa em diversas fontes, e acaba frustrando-se. Saindo da biblioteca, Steven encontra na rua zumbis parecidos com o que viu no teatro, e retorna ao mesmo em um passe de mágica. No Teatro, ele é confrontado com o diretor, e finalmente, Steven descobre tudo o que aconteceu.
O diretor havia mostrado para o garoto os problemas e dramas da fase adulta, tentando levar Steven para um pensamento de que a vida adulta é feita somente de coisas ruins, que a fase adolescente pela qual ele passava era a vida ideal e a melhor etapa que tinha que ele passava.
Dessa forma, o Diretor faz uma oferta estranha para Steven: ele nunca mais iria envelhecer, e para isso, bastava entrar para o teatro. O garoto pensa sério sobre o assunto, mas então, ao ver Mercy novamente, agora como uma zumbi, acaba refutando da ideia. Depois de muita discussão e ameças do diretor, em uma batalha psicológica muito forte, Steven consegue sair do teatro, salvando Mercy, a qual ele acaba descobrindo ser uma fantasma.
A história encerra-se com o Diretor ainda presente na mente de Steven, mesmo com toda a discussão e briga, sugerindo que, apesar de ter se livrado da questão “dúvidas adolescentes”, o medo ainda continuará diante dele.
Acompanharam Alice na gravação de The Last Tempation Stef Burns (guitarra, vocais), Greg Smith (baixo, vocais), Derek Sherinian (teclados, vocais) e David Uosikkinen (bateria), além dos vocais de apoio Lou Merlino, Mark Hudson, Craig Copeland e Brett Hudson.
O que muitos reclamam é que o acabamento final de The Last Tempation não representa um álbum fiel ao som de Alice Cooper. Realmente, ouvindo o disco na sua integridade, encontramos elementos de diversas bandas em voga naquela época, como The Cult, Guns N’ Roses, Soundgarden e Mötley Crüe, por exemplo, o que por outro lado, é o que torna o álbum mais atraente.
The Last Temptation surge com o violão puxando o riff da oitentista “Sideshow”, com seu andamento característico de canções da década de 80, na linha de Mötley Crüe e Poison por exemplo, cuja a letra apresenta-nos Steven, um garoto frustrado que procura por coisas legais e aterrorizantes para fazer. Apesar de o nome Steven não ser citado, sabemos que ele é o personagem por conta da história em quadrinhos, já que o volume 1 acompanhava a versão original do LP. Musicalmente, destaca-se o trecho do solo final, com a participação de metais que lembram bastante algumas viagens musicais feitas pelos Rolling Stones na década de 70.
Barulhos de circo e a voz de Cooper fazendo o personagem do diretor do teatro levam-nos para “Nothing’s Free”, a qual surge com um forte andamento percussivo, em uma canção que parece ter saído dos álbuns do The Cult. A voz de Cooper modifica-se, para encarar o personagem do diretor, que nesta canção, surge para conversar com Steven, com destaque para o belo solo de Burns.
Na sequência, uma das canções mais hards da carreira de Cooper, “Lost in America”, contando com a participação de Don Wexler nas guitarras, coloca Steven dentro do Teatro, com os problemas da fase adulta/adolescente sendo apresentados para ele (sem mulher, sem carro, sem emprego, problemas familiares) e com uma hilária citação para “Estou tentando tocar guitarra, aprendendo ‘Stairway to Heaven’ …), e cujo refrão, assim como toda a canção, resgata faces do Guns N’ Roses dos álbuns Use Your Illusion, além de novamente apresentar uma tímida participação dos metais, e encerrar com uma breve citação a “Star Spangled Banner”, mais conhecido como o hino nacional americano.
“Bad Place Alone” mostra a face raivosa de Steven, uma criatura das ruas dura como a pedra, sobre um andamento arrastado e pesado. A presença de Steven no Teatro conclui-se com “You’re My Temptation”, canção que já entra rasgando com o riff de wah-wah estourando as caixas de som, mantendo o clima arrastado de “Bad Place Alone”, e é o momento em que Steven cai em tentação por Mercy. John Purdell participa nos teclados de “You’re My Temptation”, que safadamente, o diretor do teatro canta sussurra uma canção, e com uma risada sádica, conclui o Lado A de The Last Temptation.
A balada “Stolen Prayer” abre o lado B com Steven voltando para a casa e refletindo sobre o que viu no Teatro, Chris Cornell participa co-assinando essa faixa e fazendo vocais de apoio, e ele é o único responsável pela composição da próxima faixa, “Unholy War”, com um ritmo agressivo, um show de guitarras e Steven cada vez mais perturbado em seu mundo.
“Lullaby” surge com vozes que sugerem o desespero vivencial de Steven, e deixa mais claro os medos do menino, que confronta seus medos, principalmente dos monstros que vivem sob a cama de Steven ou preso no armário do mesmo. Musicalmente, as guitarras de Burns são o principal destaque de uma ótima faixa, onde Steven revela seu desejo de não querer ser uma criança assustada, e assim, o diretor entra novamente em ação, agora na leve “It’s Me”, com o diretor falando para Steven das coisas que ele viveu no Teatro, como viagens para Paris, Espanha, Rio de Janeiro e Londres, mas que independente disso, ele sempre viverá com medo, e esse medo é o próprio diretor que o persegue. O grande destaque para essa balada vai para a presença do mandolin, um instrumento que marcou a música que acabou tornando-se o principal sucesso do álbum, atingindo a trigésima quarta posição nos charts britânicos. Em ambas as canções está a participação de John Purdell nos teclados.
O melhor do disco fica para o encerramento. “Cleansed By Fire” é uma faixa pesada, na qual Steven e o Diretor duelam com rispidez, trocando farpas entre riffs pesados e um dos refrões mais grudentos da carreira de Tia Alice. No fim das contas, o Teatro é queimado, ficando a sensação de que Steven conseguiu livrar-se de seus medos, mas ao final da faixa, sons induzem o ouvinte ao fato de que a história ainda não foi encerrada.
Entendo que a torcida de nariz para o álbum seja por conta do som ser muito diferente do que Alice Cooper já havia gravado, e a história não ser das mais fortes, mas acredito que esse preconceito dos ouvidos é culpa de quem apenas vê cara e não vê coração. Por outro lado, o desprezo e rejeição foi tamanha que Alice demorou seis anos para voltar ao batente, com o ótimo e barulhento Brutal Planet (2000).
Como não sou um xiita, afirmo com convicção que ouvir The Last Temptation sem conhecer ou lembrar do passado de Alice com certeza irá mudar o pensamento de muitos sobre ele, e quem sabe, venham me acompanhar e desmentir que esse seja um Disco que Parece que Só Eu Gosto.
7 comentários sobre “Discos Que Parece Que Só Eu Gosto: Alice Cooper – The Last Temptation [1994]”
Na minha opinião, o melhor álbum da “Tia Alice” é o Raise Your Fist And Yell. Aquele álbum é simplesmente o melhor álbum do Alice Cooper. Outro álbum forte e potente dele é o Brutal Planet de 2000, muito porrada. Ali o Alice Cooper estava flertando meio que com groove e metal industrial, a afinação da guitarra é bem baixa.
Estamos iniciando, ainda somos pequenos. Estou pensando em fazer um episódio dedicado somente ao Last Temptation,que é um disco que sempre gostei muito ao longo dos anos, e durante minha busca por referências e demais materiais para embasar o episódio, encontrei esta sua resenha. A ideia é fazer um faixa a faixa, contar curiosidades, etc. Naturalmente, deveria creditar o seu texto como fonte caso usasse algo dele, mas fiquei bem inclinado a convidá-lo a participar de um episódio conosco, se você topar. O que acha da ideia?
Aguardo o seu contato. Por hora, muito obrigado. Obs. Posso te passar o whats de contato caso entre em contato pelo e-mail que irei deixar aqui no formulário.
Ola Willian, obrigado pelo contato. Mande um e-mail por favor, para ledyesmutqueen@gmail.com, que daí vamos conversando. Abraços e obrigado pelo convite, topo sim
Na minha opinião, o melhor álbum da “Tia Alice” é o Raise Your Fist And Yell. Aquele álbum é simplesmente o melhor álbum do Alice Cooper. Outro álbum forte e potente dele é o Brutal Planet de 2000, muito porrada. Ali o Alice Cooper estava flertando meio que com groove e metal industrial, a afinação da guitarra é bem baixa.
King Diamond com certeza é um grande fã do Alice Cooper, já que ele sempre gravou discos conceituais de histórias de terror.
Valeu meu caro. E da fase “Banda”, quais os seus preferidos?
Killer e Love it to Death são os melhores álbuns de Alice Cooper. Ambos são de 1971.
Também considero The Last Temptation um baita álbum!
Bom dia Mairon
Tenho um podcast chamado Rock na Mesa:
https://open.spotify.com/show/3SxHAAxEN26BwHkJOhTBRp?si=e94d885652b94dd5
Estamos iniciando, ainda somos pequenos. Estou pensando em fazer um episódio dedicado somente ao Last Temptation,que é um disco que sempre gostei muito ao longo dos anos, e durante minha busca por referências e demais materiais para embasar o episódio, encontrei esta sua resenha. A ideia é fazer um faixa a faixa, contar curiosidades, etc. Naturalmente, deveria creditar o seu texto como fonte caso usasse algo dele, mas fiquei bem inclinado a convidá-lo a participar de um episódio conosco, se você topar. O que acha da ideia?
Aguardo o seu contato.
Por hora, muito obrigado.
Obs. Posso te passar o whats de contato caso entre em contato pelo e-mail que irei deixar aqui no formulário.
Ola Willian, obrigado pelo contato. Mande um e-mail por favor, para ledyesmutqueen@gmail.com, que daí vamos conversando. Abraços e obrigado pelo convite, topo sim