Savatage – Dead Winter Dead [1995]
Por Daniel Benedetti
Once Brothers é um documentário da série 30 for 30, da ESPN norte-americana, que conta a história de dois jogadores da seleção iugoslava de basquete, Vlade Divac e Drazen Petrovic, os quais serviram, juntos, ao time nacional de 1986 a 1990 e também jogariam na liga norte-americana, a NBA.
Divac e Petrovic acabariam por se tornarem muito amigos, e, como atletas, pela seleção nacional, disputaram (e perderam) a final olímpica da modalidade, em 1988, na Coreia do Sul, e foram campeões mundiais em 1990, no Mundial disputado na Argentina.
Além disso, o documentário percorre o momento em que Vlade Divac chega à NBA, em 1989, para jogar no Los Angeles Lakers, time que contava com várias estrelas, entre elas, o lendário Magic Johnson. Ao mesmo tempo, Drazen Petrovic chegava ao Portland Trail Blazers, mas sem o mesmo impacto inicial de Divac. O documentário narra como Divac auxiliou Petrovic na adaptação a nova vida nos Estados Unidos.
Mas havia um “pequeno” detalhe que separava Divac e Petrovic. Eram, sim, ambos nascidos na Iugoslávia, mas Divac era sérvio e Petrovic, croata. Quando a Guerra Civil Iugoslava floresceu, em março de 1991, a amizade se desfez.
Entre 1991 e 2001, a antiga Iugoslávia foi palco de uma sangrenta Guerra Civil, a qual não apenas desmantelou o país em vários outros menores, mas deixou uma carnificina de mais de 140 mil mortos. Croatas, eslovenos, bósnios, albaneses e sérvios, por razões étnicas, políticas e religiosas, entraram em um conflito que marcaria a história por vários casos de genocídio e limpeza étnica. Um horror.
Mas o que isto tem a ver com um site de Rock?
Dead Winter Dead, nono álbum de estúdio da banda norte-americana Savatage, é um álbum conceitual que conta a história do encontro de um garoto sérvio com uma menina muçulmana e que tem como pano de fundo os eventos da guerra na Bósnia. O disco foi lançado em outubro de 1995, durante o auge dos eventos da Guerra Civil Iugoslava.
Para as gravações, o grupo continuava com seu líder, o tecladista e membro fundador, Jon Oliva, e o vocalista Zachary Stevens, ambos remanescentes do trabalho anterior, Handful of Rain, lançado um ano antes.
Em Dead Winter Dead, o baixista Johnny Lee Middleton retorna ao grupo, assim como o guitarrista Chris Caffery (este, ausente desde Gutter Ballet, de 1989). Na bateria, Jeff Plate substitui Steve Wacholz.
O guitarrista do grupo em Handful of Rain [1994] foi o ótimo Alex Skolnick, mais conhecido pelo seu trabalho com o Testament, mas que optou por não continuar com o Savatage. Desta forma, a gravadora decidiu que a banda precisava de um segundo guitarrista (e mais conhecido) e, assim, Al Pitrelli, o qual havia sido guitarrista de Alice Cooper na turnê Trashes The World, foi adicionado à formação. O produtor Paul O’Neill continuava auxiliando Jon Oliva com as letras e nas composições.
“Overture” prepara o clima para “Sarajevo”, uma faixa curta e melancólica. “This is the Time (1990)” é uma boa balada, a qual parece retirada de um musical, e que conta com um refrão bem forte. Liricamente, é o início da história, quando o protagonista, o sérvio Srdjan Aleskovic, vê a queda do Muro de Berlim, o fim do comunismo que dominava a Iugoslávia e a possibilidade de um futuro altamente promissor para a nação.
A quarta música é “I Am”, a qual apresenta vocais bem agressivos de Jon Oliva e é a mais pesada do trabalho até então. Ela narra como Srdjan Aleskovic se une a uma milícia sérvia que se encontra nos arredores de Sarajevo, a capital da Bósnia, atacando-a. “Starlight” é pesada e intensa, com as guitarras muito proeminentes enquanto “Doesn’t Matter Anyway” desponta com vocais de Jon Oliva, o qual a canta de um ‘modo rap’ ao mesmo tempo em que o instrumental oferece um peso considerável. As duas canções contam como a personagem Katrina Brasic, uma jovem bósnia muçulmana, compra armas de um grupo de mercadores e se junta a seus companheiros, nas colinas ao redor da cidade, para um combate.
“This Isn’t What We Meant” alterna momentos de calmaria e de peso, com ótimos vocais de Zachary Stevens, contando o retorno de um senhor que havia deixado a Iugoslávia há várias décadas. Já é o fim de 1994 e ele encontra sua cidade natal em ruínas, inconformado com o fato de que não era esta mudança pela qual os iugoslavos rezavam.
A instrumental “Mozart and Madness” se constitui pesada e mais intricada, com uma sensível influência progressiva. Ela representa o senhor ancião que, à noite, em vez de se abrigar dos bombardeios que atacavam Sarajevo, ia para as ruínas da principal praça da cidade, onde antes havia uma fonte, com seu violoncelo, tocar Mozart. Srdjan e Katrina encontram-se perdidos e envoltos em pensamentos ao ouvir a música do ancião, representada em outra faixa instrumental, a pequenina “Memory”.
“Dead Winter Dead” retorna com o Heavy Metal e riffs pesados (possivelmente a melhor composição do disco), representando que nem mesmo o rigoroso inverno consegue amenizar a brutal violência desta guerra. “One Child”, novamente, opta por oscilar entre leveza e peso, tristeza e raiva, que oferecem precisamente a reação de Srdjan ao patrulhar uma escola atacada por um bombardeio e encontrar cadáveres de crianças. Inconformado com a estupidez da guerra ele decide desertar-se.
A belíssima instrumental “Christmas Eve (Sarajevo 12/24)” constitui o momento em que Srdjan e Katrina, em lados opostos da guerra, estão ambos ouvindo o velho ancião tocando canções natalinas na noite de natal. Os dois vão, instintivamente, até a praça da cidade. Chegando exatamente no mesmo momento, eles se veem. Percebendo que ambos estão lá pelo mesmo motivo, eles não começam a lutar, mas caminham juntos vagarosamente até a fonte. Lá eles encontram o ancião deitado, morto na neve, seu rosto coberto de sangue, seu violoncelo deitado e esmagado ao seu lado.
A derradeira música do álbum é “Not What You See”, uma balada com boa carga emocional, demonstrando Srdjan, estarrecido pelo que viu naquela noite, decidindo que deve abandonar a guerra imediatamente. Virando-se para a garota muçulmana, ele pede que ela vá com ele, mas agora tudo o que ela observa é o seu uniforme sérvio. Expondo seus sentimentos, ele explica que ele não é o que ela vê. Eventualmente, ganhando-a para o seu lado, eles deixam a noite.
Comercialmente, o trabalho não causou tanto impacto. O disco atingiu as modestas 68ª e 80ª posições nas principais paradas de sucesso do Japão e Alemanha, respectivamente.
A sonoridade do álbum tem como base o Heavy Metal (Doesn’t Matter Anyway”), com influência consistente de Progressivo (“Mozart and Madness” e “One Child”) e, claramente, dos musicais norte-americanos como se ouve em “This Is the Time (1990)” e “Not What You See”.
O maior mérito de Dead Winter Dead está na ótima coesão da mensagem, ou seja, as canções representam de maneira precisa a história que se está contando. Particularmente, mesmo considerando um álbum de grandes virtudes, pensa-se que Dead Winter Dead está abaixo de outros trabalhos do Savatage como Hall of the Mountain King, de 1987, e The Wake of Magellan, de 1997, verdadeiras referências da alta qualidade do grupo.
Como foi afirmado, a Guerra Civil Iugoslava deixou mais de 140 mil mortos e alguns milhões de refugiados. Oficialmente, ela terminou em 12 de novembro de 2001, mas alguns de seus desdobramentos se prolongariam ao longo das décadas seguintes, como a independência do Kosovo, declarada apenas em 2008 e ainda com reconhecimento limitado. Além disso, o país se fragmentou em várias repúblicas diferentes, como se vê abaixo:
O líder sérvio da época, Slobodan Milošević, foi indiciado pelo Tribunal Penal Internacional por crimes como genocídio, cumplicidade em genocídio, deportação; assassinatos, perseguições por motivos políticos, raciais ou religiosos, entre diversos outros. Milošević morreu em 11 de março de 2006, enquanto estava preso, antes de sua sentença.
De volta ao basquete, Vlade Divac terminou sua carreira na NBA em 2005, com uma média de 13,39 pontos por jogo e 9,33 rebotes por partida, tendo passado pelas equipes do Los Angeles Lakers, do Charlotte Hornets e do Sacramento Kings. Quanto a Drazen Petrovic, recomenda-se que se assista ao excelente Once Brothers e descubra o final da história!
Tracklist
1. Overture (instrumental)
2. Sarajevo
3. This Is the Time (1990)
4. I Am
5. Starlight
6. Doesn’t Matter Anyway
7. This Isn’t What We Meant
8. Mozart and Madness (instrumental)
9. Memory (instrumental)
10. Dead Winter Dead
11. One Child
12. Christmas Eve (Sarajevo 12/24)
13. Not What You See
Gosto desse disco e nunca soube dessa ruptura entre o Divac e o Petrovic por razões político-étnicas. Também não sabia que o disco tinha como temática principal este conflito. Vou acompanhar as letras com mais atenção após ler o seu texto.
Grande estréia, Daniel! Fico feliz que esteja conosco!
É uma atividade, no mínimo, divertida, André. Muito obrigado pelas palavras, estou muito honrado com convite. Abraço!
Savatage não tem disco ruim. No máximo podemos separá-los como clássicos , ótimos e bons discos. Esse faz parte dos bons. Seja bem vindo Daniel.
Obrigado, Fernando. Concordo, Savatage é muito bom!
Só de curioso, quais seriam apenas o “bons” em sua opinião?
Vamos lá:
Clássicos: Hall on the Mountain King, Gutter Ballet, Edge of Thons e Handfull of Rain
Ótimos: Streets, The Wake of Magellan,
Bons: Sirens, Dead Winter Dead e Poets and Madmen
Lembrei que tem dois que são médios: Power of the Night e Fight for the Rock
Ótimo texto, Daniel!
Muito obrigado, Ronaldo!