Bob Dylan – No Direction Home (A Vida E A Música De Bob Dylan) [2010]
Por Mairon Machado
Há algum tempo, escrevi sobre o belíssimo DVD duplo No Direction Home, que trata sobre a carreira do músico americano Bob Dylan no período entre seu nascimento em 1941, e o final da década de 60. Esse DVD tem como parente próximo o igualmente belíssimo livro No Direction Home (A Vida E A Música de Bob Dylan). Lançado primeiramente em 1986 pelo escritor Robert Shelton, em 2010 o livro recebeu uma nova edição revisada, que irei tratar hoje sobre ela.
Shelton foi o responsável, digamos assim, por apresentar Dylan ao mundo. Escrevendo para o New York Times, com o título Bob Dylan: Um Cantor de Folk com Estilo Distinto (29 de setembro de 1961), o jornalista foi o primeiro a traçar um perfil positivo para o jovem Dylan, exatamente um ano após o mesmo ter chegado em Nova Iorque. Desde então, acompanhou fielmente a carreira de Dylan, e teve autorização para publicar o livro ainda na década de 60. Porém, No Direction Home demorou quase 20 anos para ficar pronto, e quando estava, Shelton recebeu uma dura missão: ou ele cortava 180 mil palavras da edição apresentada a editora, ou reduzia 35 mil dólares de seu orçamento.
Isso foi em outubro de 1983, e Shelton preferiu reduzir 35 mil dólares de direitos autorais. Com 210 mil cópias vendidas de imediato, em setembro de 1986 foi lançada a primeira edição, de grandioso sucesso. A edição de 2010 foi atualizada por Elizabeth Thomson e Patrick Humphries. Nela, foram adicionados novos textos, assim como um Prelúdio e uma atualização da Discografia, Bibliografia e Cronologia da carreira de Dylan até 2010.
A edição de 2010 apresenta então o Prelúdio, totalmente inédito, uma Introdução de 10 páginas, Notas da primeira edição, Discografia Selecionada, incluindo participações especiais em discos de alguns autores, mais de 60 fotos distribuídas ao longo de 48 páginas, além da Bibliografia Selecionada e da Cronologia de Dylan a partir de 1979 (ano que Shelton encerrou a escrita de No Direction Home) a 2010 (ano da edição), bem como treze capítulos. A nova edição totaliza 736 páginas.
A introdução deixa clara que na edição de 2010 há uma melhor organização cronológica, adicionando cerca de 20 mil palavras e anedotas advindas dos manuscritos originais de Shelton de 1977. Além disso, são feitas adições aos capítulos Um, Quatro e Dez, além da celebrada entrevista do voo entre Lincoln e Denver, na qual Dylan afirma que era viciado em heroína, estar na íntegra. Por outro lado, em relação ao original, as partes das gravações piratas e Os Novos Dylans foram removidas.
Os capítulos são divididos por nomes relacionados à frases que aparecem em canções de Dylan, e assim temos:
I – Não Levante A Voz Aqui
II – O Extremo Errado Do Mississippi
III – Talking Greenwich Village Blues
IV – Positivamente 161 West Fourth Street
V – Não Sou Um Fantoche Laureado
VI – Rola, Gutenberg
VII – Diversas Temporadas No Inferno
VIII – O Orfeu Elétrico
IX – No Coliseu
X – Um Pé Na Estrada
XI – Escutando O Silêncio
XII – Correndo Livre
XIII – Trovão, Furacão E Chuva Forte
Depois do prelúdio e da introdução, Não Levante A Voz Aqui traz ao leitor a vida do pequeno Bob na pacata cidade de Hibbing, Minnesota. A dura vida no interior, bem como o relacionamento com a primeira namorada, Echo Helstom Shivers, são os únicos momentos de atração inicial. É a partir de O Extremo Errado Do Mississippi que o Dylan que conhecemos passa a sair das páginas de No Direction Home. Percebe-se a inteligência e, por que não, arrogância do adolescente Dylan quando ele rouba cerca de 20 discos do amigo John Pancake, colega de faculdade em Dinky Town, apenas por que considerava que o amigo não era um apreciador de música como ele. Esse capítulo traz também informações sobre raras gravações de Dylan em 61, além de algo que chama a atenção durante todo o livro, que é um resumo biográfico da vida / obra de algum artista ou pessoa citada no texto. Nesse capítulo em especial, surgem breves resumos da vida de Woody Guthrie e Chuck Berry, dois nomes fundamentais e influentes na carreira de Dylan.
Talking Greenwich Village Blues traça a vida de Dylan pegando carona para chegar em Nova Iorque, e seus desaforos com imprensa e pessoas em geral. Destaca também uma importante amizade com o músico Dave Van Ronk, um dos responsáveis por incentivar Dylan a gravar, e o encontro com Guthrie, que deixou Dylan muito emocionado, já que seu ídolo estava vivendo os últimos dias de vida. Por fim, surge o contrato de 5 anos com a Columbia e uma opinião faixa a faixa de Shelton sobre Bob Dylan. Positivamente 161 West Fourth Street relata a parceria calorosa de Dylan com o empresário Albert Groosman. Temos também um faixa a faixa de Freewhellin’ (1963) e destaque para o boletim de protesto mimeografado, que divulgou muitas canções de Dylan no início de sua carreira, bem como o raro álbum Broadside Ballads Vol. 1, com faixas de Dylan e diversos outros artistas.
Não Sou Um Fantoche Laureado passa a comentar sobre o período do auge da carreira de Dylan no Folk Rock. Aqui aparecem comentários sobre a participação do músico no Newport Folk Festival de 1963, a profunda amizade com Joan Baez, algumas entrevistas, sempre com humor mordaz, e um discurso fracassado no Tom Paine Award de 1963, apresentado na íntegra, e que deixou muita gente indignada com o comportamento agressivo e arrogante do músico, principalmente quando ele alegou ter empatia por alguns sentimentos de Lee Harvey Oswald, isso dias depois do assassinato de John Kennedy.
Rola, Gutenberg traz um faixa a faixa de The Times They Are A-Changing (1964), uma profunda análise das 11 Outlined Epitaphs (textos que aparecem na contra-capa do mesmo disco), um faixa a faixa de Another Side of Bob Dylan (1964) e detalhes sobre a escrita do livro Tarantula, lançado por Dylan somente em 1971. Diversas Temporadas No Inferno tenta mostrar um outro lado de Dylan, ligado as causas sociais e com alguma roda de amigos. Aqui são relatados a participação do artista junto ao comitê de emergência pelas liberdades civis, um longo passeio atravessando os EUA com amigos, a ida para Londres (documentada no já citado DVD No Direction Home) bem como a polêmica apresentação no Newport Folk Festival de 1965, onde realizou seu primeiro shows com uma banda elétrica.
Essa fase elétrica tem mais detalhes (e desgastes) em O Orfeu Elétrico. Dylan passa a ser considerado o pai do folk rock, e recebe muitas vaias dos fãs mais antigos, por onde passa. O ápice das vaias ocorre no show de 10 de maio, no Albert Hall, onde é chamado de Judas por um dos fãs (conforme registrado no belíssimo CD da Bootleg Series – Bob Dylan Live 1966, The “Royal Albert Hall” Concert, que apesar do nome errado, registra o show supracitado. Entrevistas problemáticas para o New York Post e KQTP TV, a complicada turnê inglesa, a filmagem de Don’t Look Back e um faixa a faixa de Bringing It All Back Home (1965) e Highway 61 Revisited (1965) também estão presentes nesse que é um dos melhores capítulos do livro para quem gosta de saber podres de seu ídolo.
No Coliseu destaca o grupo canadense The Band, como eles influenciaram na sonoridade de Dylan na segunda metade dos anos 60, inclusive acompanhando o mesmo em shows e gravações de discos, e faz um faixa a faixa detalhado de Blonde On Blonde (1966), considerado por Shelton um dos melhores discos de Dylan. No capítulo Um Pé Na Estrada está a entrevista completa dada por Dylan à Shelton no vôo entre Lincoln e Denver (1965), bem como detalhes da primeira visita de Dylan à Austrália, e uma turnê europeia ainda sob muitas vaias.
O acidente de moto que Dylan sofreu em 29 de julho de 1966 aparece em Escutando O Silêncio. Aqui, Shelton descreve com detalhes a cidade de Woodstock, e como foi a recuperação de Dylan pós-acidente. É interessante que ele não se envolve em melodramas ou heroísmos para contar o que aconteceu, passando pelo acidente como se aquilo fosse uma situação corriqueira. Shelton se prende na musicalidade e na recuperação de Dylan, gravado com a The Band o ótimo The Basement Tapes e fazendo uma inesquecível participação de retorno aos palcos no Isle of Wight Festival de 1969. Ainda há um faixa a faixa de John Wesley Harding (1967) e uma pequena parte dedicada a parceria de Dylan com Johnny Cash, outro que tem uma breve biografia apresentada ao leitor. Também há breves comentários sobre Nashville Skyline (1969).
Na reta final do livro, Shelton começa a apressar o passo. Correndo Livre abrange a primeira metade da década de 70, e cinco álbuns: Self Portait (1970, esculachado pelo autor como um dos piores discos de Dylan), breves comentários sobre New Morning (1970), Dylan (1973) e Planet Waves (1974) e um faixa a faixa de Blood on the Tracks (1975), ressaltando que esse último não é um disco em homenagem à Joan Baez como muitos atestam. Também há a brilhante participação de Dylan no Concerto para Bangladesh, que levantou e muito os fundos adquiridos em auxílio ao país, e como Dylan desenvolveu seu lado de ator no filme Pat Garret and Billy the Kid, interpretando o personagem Alias. Ainda há espaço para um breve comentário sobre a grande turnê americana de 1974, e assim, chegamos ao último capítulo de No Direction Home.
Trovão, Furacão E Chuva Forte resume a segunda metade da década de 70, narrando com precisão diversos momentos da gigantesca turnê Rolling Thunder Revue, que iniciou no final de 1975 e atravessou o EUA ao longo de 1976, totalizando 57 shows e tendo nomes como Joan Baez, Jack Elliott, Roger McGuinn, Mick Ronson, entre outros, um pouco sobre a história do boxeador Rubin “Hurricane” Cartes, e de como Dylan ficou bastante indignado ao ponto de compor uma canção para o mesmo, e comentários sobre Desire (1976). Ou seja, se em dez capítulos Shelton traça a vida de Dylan durante a década de 60, dois capítulos para uma década tão importante quanto a dos anos 70 acaba sendo pouco, e essa é uma falha importante no livro, já que muitos dos detalhes expressos na década de 60 poderiam ter sido tirados, e fatos como as gravações ao vivo da década de 70, ou até mesmo a conversão cristã de Dylan já no final da década de 70, início dos anos 80, poderia aparecer.
O Poslúdio até tenta fazer isso, principalmente quando comenta sobre a gravação de Live at Budokan, originalmente pensando somente para o Japão, mas que devido ao grande número de lançamentos piratas, acabou sendo lançado no ocidente, tudo em 1978, e breves comentários sobre Street Legal (1978), o último álbum analisado por Shelton na época do lançamento do livro. A fase cristã ficou totalmente de fora, sem se quer um comentário sobre o mesmo, o que considero uma pena, pois é um fato muito relevante na carreira do americano.
Claro, essa resenha é apenas um resumo de um livro com muitas histórias. Há os relacionamentos de Dylan, passagens interessantes de gravações dos álbuns, diversos e diversos trechos de entrevistas, enfim, muito material. Caso decida adquiri-lo, tenha certeza que você terá em mão um livro grandioso tanto em tamanho quanto em informações, mas essencialmente, um livro crucial e fundamental para quem quiser conhecer detalhadamente a carreira de um dos maiores gênios da arte do século passado.