Na Caverna da Consultoria: Leandro Amaral
Por Mairon Machado
Uma coleção de discos certamente é feita por mídias como LPs, DVDs, CDs, K7s, VHS ou outras fontes de músicas, tais como as virtuais. Porém, para aqueles aficcionados por sua coleção, que desejam vasculhar cada centímetro e informação dos álbuns constituintes de suas prateleiras, a coleção não fica apenas no simples fato de ouvir música. Catalogar e limpar talvez sejam as principais “tarefas adicionais” de um colecionador, e para elucidar, instruir e motivar jovens (e por que não velhos) colecionadores a manter sua coleção em mídia, o paulista Leandro Amaral, um dos colaboradores brasileiros mais atuantes no famoso site de catalogação Discogs, apresenta sua história.
Responsável também por uma das únicas oficinas de limpeza de discos da América Latina, a Dr. Vinyl, Leandro traz nas linhas abaixo um pouco de sua paixão pelos discos, e dicas para colecionadores manterem sua amada coleção sempre em forma.
Olá Leandro, tudo certo? Bem-vindo ao nosso site. Por favor, apresente-se aos nossos leitores
Olá, obrigado pelo convite! Meu nome é Leandro Amaral, sou arquiteto e vivo em São Paulo.
Quais as suas primeiras lembranças relacionadas com sua paixão por música?
Era criança ainda nos anos 60, e minhas primeiras memórias musicais são de ouvir discos dos meus pais, coisas como Ray Conniff e Mantovani, eles gostavam de discos de orquestras… E quando eles compraram o primeiro TD estéreo eu pirei com o efeito… Era um Grundig, depois veio um Garrard, coisas bem legais para a época…
O que você acredita ter sido a causa que o levou a se tornar um colecionador?
Não sei dizer… você compra um, quer logo outro, ouve falar daquele e quer ter também… e assim vai…
Quais as principais características em uma música que lhe fazem gostar de imediato. Ao mesmo tempo, o que você escuta e refuta na lata?
Dificilmente julgo uma obra por um fragmento dela, me lembro de muitos exemplos de artistas ou grupos fracos com uma música ou outra boa, então geralmente só ‘desencanto’ de alguma coisa quando vejo que acidentalmente foram bons em um momento só.
Qual foi por que você comprou seu primeiro disco? Que idade você tinha ao adquiri-lo? Você ainda o tem?
Meu primeiro disco comprado foi o The Song Remains The Same, a trilha do filme / show do Led Zeppelin. Ainda o tenho, muito bem conservado. Isso foi em 1977, com 14/15 anos de idade.
Apresente os números da sua coleção aos nossos leitores, e como você armazena a mesma.
Não é muita coisa, uns 400 títulos em vinil e uns 200 CDs. Tenho um rack colmeia comum pra armazenar, e guardo todos com capas plásticas novas, limpos e longe da luz, calor e umidade.
Quais os álbuns mais raros que você tem?
Não ligo muito pra esse fator, já me desfiz de discos caros e raros que eu não gostava… Tenho edições importantes, como Dylans dos anos 60, e ainda alguma coisa dessas ‘brasilidades’ dos anos 70, hoje muito valorizadas, mas nada excepcional.
Quais são os principais artistas que você tem em sua coleção.
Os que eu mais tenho discos são, por ordem alfabética, The Beatles, Bob Dylan, The Clash, The Doors, Eric Clapton e seus relativos, Genesis, Jeff Beck, Jethro Tull, King Crimson, Led Zeppelin, Pink Floyd, Talking Heads, The Who, Yes… De artistas brasileiros, acho que o que eu mais tenho discos é o Milton Nascimento e sua turma da esquina…
Há algum disco que você busca há tempos, mas ainda não achou por um preço justo?
Sempre há, agora estou mais seletivo e só compro peças que procuro há anos. Recentemente comprei o Music From Big Pink, do The Band, o Blue, da Joni Mitchell e o Lô Borges do tênis, todos na mesma faixa de preço, de R$100-150. Hoje pagamos numa cópia usada boa os mesmos US$30 que eu pagava em 1980 por um importado lacrado.
Qual a maior pechincha que você já conseguiu arrecadar em saldos, e qual o disco que custou seus rins?
Só passei a comprar usados recentemente, esse mercado quase não existia nos anos 70 e 80… Hoje ainda se compra coisa boa por R$20, R$30. O disco mais caro que comprei recentemente foi uma reedição alemã incrível do All Things Must Pass, do George Harrison. Ainda assim, nada excepcional como vejo tanto nas lojas e feiras por aí.
Qual a maior loucura que você já fez para assistir a um show ou comprar um álbum?
Fui ao primeiro grande show no Brasil, o do Queen no Morumbi de 1981, assisti o Pink Floyd nos USA, os Stones, U2 e Page+Plant tocando Led Zeppelin no Pacaembu, acho que vi o que deu pra ver de bom. Deixei de ver alguns bons que me arrependo, como o David Bowie no Palmeiras ou o Miles Davis no Municipal de SP, enfim, bobeei na ocasião e perdi.
Como a sua família lida com relação a sua coleção e aos seus discos, e como você se divide para conseguir dar conta de audições, catalogações e garimpo?
Vivo a maior parte do tempo só com os discos, eles são minha companhia. Quando estou em interação social (fins de semana, trabalho ou amigos) eles não estão comigo, a não ser os CDs no carro.
Quais as principais lojas/sites que você utiliza para ampliar sua coleção? Como você faz para atualizar-se sobre música nos dias de hoje?
Compro pouco por impulso. Enfio na cabeça que quero ‘aquele’ e busco. Prefiro loja física, quero até sentir o cheiro antes de comprar…
Você é um dos principais responsáveis brasileiros na parte de administração do site de catalogação Discogs. Poderia resumir como funciona o site, e como você se tornou tão importante para colecionadores do mundo inteiro?
O Discogs é um banco de dados colaborativo, como a Wikipedia, e é alimentado pelos users como eu e você que cadastram seus discos lá. Mas não teria a o sucesso e a confiabilidade que tem se não fossem os revisores (peer reviewers), que voluntariamente conferem, editam e atualizam as entradas dos releases, selos e artistas cadastrados. É enfim uma biblioteca bem organizada, e eu sou só mais um desses peer-reviewers, não tenho nenhuma ligação com a administração do Discogs, nunca ganhei nem uma camiseta ou um adesivo com minha atividade lá, muito pelo contrário, tenho é uma coleção de desafetos que me odeiam porque faço correções ou cobro melhorias nas submissões deles. Não percebem que quando entram em uma casa limpa e organizada (e acham isso ótimo) alguém teve que trabalhar pra deixar a casa daquele jeito. Paciência…
Uma das principais características da sua página no Discogs, além do grande número de colaborações, é o texto onde você apresenta todas as fábricas e selos de lançamentos de discos no Brasil desde 1913. Como você conseguiu levantar esse fabuloso trabalho arqueológico?
Conheci o Discogs em 2016, há 3 anos, então sou bem novo lá, já que o site está no ar desde 2001, 2002. Quem me ‘apresentou’ o site foi um colega de trabalho, quando viu que eu tinha meus discos catalogados numa planilha Excell mas estava tendo dificuldade em identificar qual era a exata edição de cada um, já que muitos eram reedições dos originais dos anos 60 e 70. Fiquei surpreso e encantado em ver como no Discogs podiam ser cadastradas todas as edições e reedições de um disco, em qualquer formato que tenha sido lançado. Essa minha obsessão por identificar corretamente cada disco meu me fez pesquisar sobre a indústria fonográfica brasileira e conhecer um pouco da história de cada gravadora e cada fábrica de discos no Brasil, quando elas foram abertas, quais os selos que cada uma usava para seus lançamentos, quando cada uma fechou as portas ou foi encampada / associada por outra, de forma a ter uma ‘janela de tempo’ de cada uma e poder com mais precisão jogar os releases nas gavetas corretas. Quando eu comecei fiz uma lista das 15-20 principais fábricas de discos no Brasil e percebi que mais de 500 releases estavam em gavetas erradas, cadastrados por exemplo com data de lançamento anterior à da inauguração da fábrica. Foi um trabalho enorme editar todos esses releases, aprendi muito com isso e por causa disso hoje tenho um certo prestígio entre os colegas revisores do Brasil e do mundo, muita gente me procura ou consulta pra saber como ‘encaixar’ um release. Minha lista de companhias fonográficas hoje tem mais de 150 nomes, só de fabricantes de discos de vinil funcionaram no Brasil 43 empresas em 100 anos de história.
Qual a vantagem do Discogs perante outros sites de catalogação de discos?
A precisão, ou ‘accuracy’, como eles gostam. Lá é permitida e estimulada a catalogação de cada variante e reedição de um disco. Pra se ter uma ideia da precisão do site, que hoje tem mais de 10 milhões de discos cadastrados, só TDSOTM, o grande campeão de edições tem mais de 850 versões cadastradas, sendo 26 brasileiras em todos os formatos de 1973 até hoje, o que dá a impressionante média de uma reedição a cada 2 anos. Então se você procura uma versão do Led Zeppelin III de 1970 fabricada na Monarch – que dizem que teria sido supervisionada pelo Peter Grant em pessoa – você vai achar quem tem uma cópia pra vender.
Além disso, você também realiza outra tarefa fundamental nas coleções de discos, que é a limpeza. Para tal, é dono da única (talvez) oficina de limpeza de discos de nosso país, a Dr.Vinyl. Como surgiu essa ideia?
Sempre lavei e cuidei muito bem deles, mas alguns mesmo limpos e com ótima aparência ainda chiavam, nas passagens mais silenciosas. Passei a pesquisar na internet quais as opções que existiam de técnicas e produtos para limpeza. Conheci o processo de lavagem por cavitação ultrassônica e me interessei. Vi então que havia prestadores do serviço, porque o equipamento e os insumos de trabalho são caros demais para um colecionador comum ter em casa. Como ninguém fazia isso por aqui, resolvi fazer eu. Montei meu próprio equipamento, desenvolvi técnicas, procedimentos e produtos especiais, formulações próprias, e desde novembro passado venho prestando e divulgando o serviço.
Explique aos leitores como funciona a Dr.Vinyl, e como eles podem contatá-lo para dúvidas ou realização de limpeza de mídias.
Basicamente eu retiro os discos com o cliente, faço um protocolo em 2 vias descrevendo como eu encontrei e retirei as peças e levo pra lavar. Dependendo da quantidade, devolvo no dia seguinte, embalados em plásticos PEAD novos. Atuo em São Paulo, mas posso estudar propostas de levar o equipamento para outra praça, se o lote valer a pena. E tem também a possibilidade de envio pelos correios, dá pra colocar até 10 discos sem as capas numa caixa e mandar, acho que por menos de R$ 60. Tenho um cliente aqui que mandava discos pra lavar na Inglaterra e achava que valia a pena…
Quais as principais recomendações que você dá para quem está começando uma coleção agora, tanto no sentido de armazenamento como de limpeza das mídias? E quanto a capas?
Disco de vinil se for bem cuidado dura pra sempre. É resistente, mas delicado. Marca, risca e empena fácil, como todo termoplástico. Deve ser armazenado sempre ‘em pé’, com relativa folga pra não criar os anéis “ringwears” nas capas e – minha recomendação – sempre dentro de envelopes plásticos de PEAD (o esbranquiçado). Os envelopes de papel ou cartão marcam o vinil com o atrito de entrada e saída, evite-os. Vire pra cima a abertura do plástico interno quando guardar, isso evita que a poeira se deposite e também evita o ‘dedão’ no vinil quando manuseado. As capas são um problema a parte, cada tipo de papel ou sistema de impressão reage diferente a cada produto de limpeza, cuidado. Capas novas de PVC 020, das mais pesadas, são sempre uma boa opção de proteção.
Que bandas ou artistas você tem ouvido com mais frequência ultimamente, e que indica para nossos leitores darem uma ouvida e conhecer?
Minha ‘vibe’ atual está mais relacionada às vertentes do prog-folk-jazz, coisas delicadas e mais acústicas como CSNY, Joni Mitchel, The Band, Bob Dylan, o Led Zeppelin folk, o Jethro Tull primitivo, Fairport Convention, e os sempre excelentes Eno, Fripp, Gabriel e Bowie.
Quais os melhores discos da década de 60?
Revolver, Pet Sounds, Strange Days, Led Zeppelin II, Blonde On Blonde, In The Court Of Crimson King, vixe é cada enxadada uma minhoca…
Quais os melhores discos da década de 70?
A mais rica em obras primas, de Layla a Quadrophenia, de Red a TDSOTM passando por Close To The Edge, Trans-Europe Express e Selling England By The Pound … Physical Graffiti, Heroes, London Calling, nossa…
Quais os melhores discos da década de 80?
Unknown Pleasures, Remain In Light, Sign O’ The Times…
Quais os melhores discos da década de 90?
Nevermind e Ok Computer
Quais os melhores discos dos anos 2000?
Passo
Quais os dez melhores discos da década atual?
Passo muito
Cite dez discos que você levaria para uma ilha deserta, e o que precisaria ter por lá para desfrutar do momento?
Se tivesse que levar só dez eu acho que não conseguiria escolher nenhum…
Indique três discos que mudaram sua vida, e conte um pouco por que de cada um deles.
Pra ser honesto com sua pergunta, não posso listar discos lançados antes de eu vir a adorar eles, como o Album Branco, o Quadrophenia, o In The Court Of Crimson King e outros. Dos que eu já ‘estava lá’ quando lançaram e que influenciaram de alguma forma minha trajetória cito pela ordem de lançamento no Brasil o London Calling do The Clash, o Scary Monsters do Bowie, o Speaking Tongues do Talking Heads e o My Life In The Bush Of Ghosts, do Brian Eno / David Byrne. Esses discos me fizeram ver a música e o rock como algo mais do que o urgente e tolo 1,2,3,4 ou o que tinha se tornado chato e auto condescendente no blues-rock e no prog-rock do final dos anos 70.
Conte-nos alguma história engraçada/curiosa envolvendo a compra/venda de um álbum, ou algum outro fato que lhe venha à mente relacionado com a música.
Sempre me vem em mente quando penso em coisas relacionadas à música são os shows e eventos que eu fui e cada amigo meu que estava junto, as filas, os apertos, os temporais e as noites e dias em que aconteceram. Fora os shows que eu já mencionei antes tenho a feliz memória de ter estado no Parque do Ibirapuera em 1982 para a avant-première do filme The Wall, ao ar livre numa tarde maravilhosa.
Qual será o futuro da sua coleção?
Não sei. Pode ser que apareça alguém que se comprometa a cuidar, não gosto da ideia de espalhá-la vendendo picado ou pra um lojista.
Obrigado Mairon e consultoriadorock.com pelo espaço, oportunidade e respeito. Vida longa e próspera!
Parabéns ao site pela entrevista. Ao amigo Leandro, deixo um forte abraço e meus agradecimentos pela generosidade de compartilhar seu vasto conhecimento dos meandros da catalogação de discos na base Discogs. Torço pelo sucesso de sua iniciativa e quem sabe, de poder contar com seus serviços um dia.
Leandro aos trancos e barrancos me ensinou a usar o discogs,achei que estava enchendo o saco dele e parei de perguntar,até hoje corrige meus releases com elegância,não sou um dos desafetos,pelo contrário,sou grato pela paciência que teve comigo,tem muita boa vontade com novatos,mas não forcem a barra rsrs.
Irei terminar de ler a entrevista amanhã, já adianto que essa foi a sessão que mais gostei de todas, sensacional o trabalho desse homem, um trabalho louvável mesmo, parabéns pela entrevista, pela colaboração com o Discogs e por compartilhar essa experiência com todos nós!
Abraços!!!
Graças ao seu belíssimo trabalho e o de tantos outros voluntários, o Discogs é um grande site e sua coleção idem. Invejo aqueles vinis do Humble Pie e do Thin Lizzy!
Há pouco mais de 2 anos comecei a cadastrar meus discos no Discogs, e cara, é impressionante como aprendo lá. A qualidade e seriedade de pessoas como o Leandro só fazem a gente perceber que ser colecionador realmente é algo relevante. Uma lástima que muitos que estão lá não tenham essa seriedade, mas ainda bem que pessoas como o Leandro existem. Gente finíssima e honesta, que motiva e ensina sem nenhuma arrogância, apesar do vasto conhecimento. Muito obrigado meu caro, pela oportunidade de trocar ideias com você!
Cara, eu é que agradeço… Muito legal poder explicar as coisas, sou mesmo meio professor voluntário, afinal pra que aprender e acumular conhecimento sobre qq coisa se não for pra passar em frente tudo isso, não é?
Cadastro minha coleção lá no Discogs já tem algum tempo. Ainda falta mais ou menos 1/4 da coleção apra registrar lá. Porém vejo que alguns dos selos aqui no Brasil, principalmente ligados ao heavy metal, não se preocupam em registrar seus lançamentos lá. Bela entrevista.
Sobre o fato das catalogações de diferentes versões do Dark Side of the Moon, eu me assustei mesmo foi com o Their Satanic Majesties Request. Mais de 600 versões e nenhuma era a que eu tinha!!! Aliás, Beatles e Stones devem ser os recordistas de versões diferentes em termos de lançamentos.
Quando eu começei haviam ~450 versões do TDSOTM, seguido de perto pelo Sgt. Peppers e Led IV. Hoje (03/08/19) todos já passaram de 700:
TDSOTM – 883
Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band – 800
Led Zeppelin (IV) – 749
Os números são inflados quando se consideram compilações e box-sets em que estes discos estão encartados… E de fato tem muita coisa ainda pra catalogar. Diz-se que foram prensados e lançados perto de 1 milhão de títulos em vinil no Brasil, e só estão cadastrados lá 70.000, então tem muita coisa pra ser cadastrada ainda…
Barbaridade. Imagina só!!