Leno – Vida e Obra de Johnny McCartney (1995/2018)
Por Davi Pascale
Terceiro álbum solo de ídolo da Jovem Guarda ganha edição em vinil e corrige erro de mais de 40 anos. Em edição luxuosa, disco conta com a participação de grandes nomes de rock brasileiro e se faz essencial na coleção dos amantes do gênero.
Não foram somente os medalhões da MPB que sofreram com a censura em nosso país. Os músicos de rock também passaram por maus bocados. Leno não chegou a ser exilado, é verdade, mas seu terceiro álbum solo demorou décadas até que visse a luz do dia. Com 4 músicas vetadas pela censura, o disco foi inviabilizado e o músico chegou a receber o comunicado da gravadora de que as fitas seriam apagadas, com outro disco sendo gravado por cima.
Essa prática não era incomum, nem em nossas gravadoras, nem em nossas redes de TV. Principalmente, nos primórdios quando o preço das fitas era muito caro, era comum as emissoras gravarem um episódio por cima de outro. No universo da música, também é corriqueiro. Daí, bastava o material não ter sido lançado. Quando assinei meu compacto do Vímana com o Lobão, por exemplo, o músico comentou comigo que eles haviam gravado um LP completo, mas que infelizmente as masters não existiam mais porque a gravadora havia deletado. É realmente uma pena que a arte em nosso país seja tratada com tanto descaso.
Tudo mudou em 1995, quando o pesquisador musical Marcelo Froes estava revirando os arquivos da Sony e encontrou uma caixa abandonada nos depósitos da gravadora com os dizeres ‘Leno’. O rapaz começou a revirar a caixa para ver o que havia dentro e começou a se deparar com gravações com diversos títulos que não tinha conhecimento. Quando entrou em contato com o cantor, descobriram que se tratava do trabalho que Leno acreditava não existir mais. Como as fitas estavam começando a deteriorar, por conta do mau armazenamento, o rapaz teve que refazer algumas coisas em estúdio. O musico fundou seu próprio selo e lançou o material, pela primeira vez, em CD naquele mesmo ano. A versão em LP, contudo, chegou ao mercado somente agora no final de 2018.
O vinil era um sonho não apenas do artista, mas também de seus fãs. Na época (esse álbum é de 1971), foi lançado apenas um compacto duplo, sem muita divulgação. A gravadora não apostava no material porque o considerava anti-comercial. Com isso, não foi feito muito esforço, o que gerou descontentamento do músico e seu desligamento da gravadora, ainda que por um breve período. Leno, embora gostasse do que havia produzido nos tempos de Jovem Guarda, decidiu que queria ir adiante. Buscar novos sons, novos temas. Trouxe até alguns temas politizados. Tudo isso gerava incômodo, já que a gravadora estava preocupada apenas na criação de novos hits e nada mais.
A relação era tão estressante que a faixa “Pobre do Rei”, por exemplo, foi vetada não apenas pelos censores, mas por sua própria gravadora. A canção é uma parceria entre Paulo Sérgio Valle e Marcos Valle e fazia uma crítica irônica aos donos do poder. Um dos funcionários da gravadora, Evandro Ribeiro, contudo, encasquetou que a letra debochava do Roberto Carlos, cantor conhecido como O Rei, certamente o maior nome do cast.
As demais faixas vetadas foram “Não Há Lei em Grilo City” (que denunciava a violência urbana), a vinheta “Sr. Imposto de Renda” (o título é auto-explicativo) e “Sentado no Arco-Iris”, uma letra escrita pelo hoje icônico Raul Seixas. Todas barradas por conta do controle que ocorria na época, auge da ditadura militar. Na época, Raul era “apenas” um produtor do estúdio, mas isso não o impediu que participasse do projeto. Empolgado com o material, colaborou com os arranjos (o arranjo de “Lady Baby”, por exemplo, é dele), letras, gravou violão, backing vocal… Quem for fã de Raul, vale ouvir essa álbum com atenção. Curiosamente, a música mais Raul do álbum, que é justamente o country-rock “Não Há Lei em Grilo City”, não tem as mãos dele. Vai entender…
Outra colaboração importante foi a do cultuado grupo A Bolha. Leno e Raul assistiram uma apresentação do grupo e ficaram impressionados em ver um grupo brasileiro fazendo um som pesado como aquele. Em especial, ficaram encantados com uma canção que tinha uma pegada meio Rolling Stones. Foi o suficiente para convidarem os músicos para o projeto. A banda gravou 4 canções do disco. Justamente, as mais pesadas. E, claro, a música que fez a cabeça dos rapazes foi para o álbum. Curiosamente, a faixa foi aprovada pela censura. O título “Peguei Uma Apollo” confundiu a cabeça dos censores. A letra fala sobre uma viagem de LSD, na realidade… Contudo, “Johnny McCartney” e “Por Que Não” (andaram ouvindo Free, né rapazes?) são as mais bacanas.
Além da rapaziada da Bolha e de Raulzito, o disco ainda conta com a participação do Trio Ternura, dos Golden Boys, além de alguns músicos do Renato e Seus Blue Caps e do grupo uruguaio Los Shakers. Variado, o disco apresenta algumas baladas, sendo “Deixo o Tempo Me Levar” a de maior destaque. Também é possível pegar as famosas referências beatle (como ocorre, por exemplo, nas orquestrações de “Lady Baby”) e até um ar nostálgico remetendo um pouquinho à Jovem Guarda em “Bis” e “Contatos Urbanos”. As faixas mais pesadas são as que foram gravadas ao lado da Bolha e já apontavam o caminho que os grupos dos anos 70 iriam seguir. Um som bem cru, com bastante guitarra.
Trabalho muito bacana, que merece ser redescoberto pela nova geração. Sacada acertadíssima da galera da Record Collector e do selo 180. A nova prensagem está muito bacana, por sinal. Vinil 180 gramas, capa gatefold, encarte com 4 paginas com fotos e um pouco da história do disco. Para quem ainda não tem em sua coleção, a hora é agora…
Faixas:
- Johnny McCartney
- Por Que Não
- Lady Baby
- Sentado No Arco-Íris
- Pobre do Rei
- Imposto de Renda (Vinheta)
- Peguei Uma Apollo
- Não Há Lei em Grilo City
- Convite Para Ângela
- Deixo O Tempo Me Levar
- Contatos Urbanos
- Bis
- Johnny McCartney (Vinheta)