Devachan – Regeneração [2018]
Por Fernando Bueno
A história do Devachan é tão legal que já te chama atenção antes mesmo de ouvir o seu som. O fato de ser uma banda formada entre família com pai e filhos em sua formação é algo não usual e bastante curioso. O desenvolvimento das músicas do grupo remete as letras que Daniel Dias escreveu três décadas antes e que ficaram guardadas. Ele conta que costumava escrever algumas músicas para bandas de amigos que participavam de festivais. Nesse meio tempo Daniel teve seus filhos Leandro e Gabriel, que cresceram, se interessaram por heavy metal e decidiram montar uma banda e a participação de Daniel foi de maneira natural. Antes que o leitor procure o Google para sabe o significado desse nome já adianto: Devachan significa plano mental ou mundo celeste e esse conceito está presente em algumas religiões.
Assim surgiu o Devachan, oriundo da cidade de Boituva, interior de São Paulo, com o núcleo familiar: Gabriel nos vocais, Leandro na guitarra e Daniel no baixo; além do tecladista Michael Veríssimo e do baterista Bruno Caresia. Desde então gravaram um EP chamado Andarilho em 2013 e o debut Regeneração em 2018. Esse último com a participação de Thiago Teixeira na bateria.
A influência de Daniel Dias vem do metal oitentista de bandas clássicas brasileiras que cantavam em português como o Harppia, Stress, Centúrias, Salário Mínimo. Como essas letras foram escritas mais ou menos no período em que essas bandas estavam na ativa o clima da época viaja no tempo dando um sentimento nostálgico bacana para o ouvinte que, de alguma forma, também tem aquelas bandas como referência. Leandro Dias comenta que ele e seu irmão ouviam o pai tocar algumas das músicas no violão quando eram crianças, isso deve trazer a nostalgia para dentro da banda também.
A característica mais marcante em relação ao som do Devachan com o das bandas citadas é mesmo a parte técnica de gravação de voz e principalmente instrumentos. A diferença é gritante com todos os instrumentos muito bem timbrados e encorpados. Todos sabem como foi difícil para as bandas de metal dos anos 80 gravarem seus discos com pessoas e estúdios que não sabiam como transferir a agressividade, velocidade e peso do heavy metal para os discos. Mas isso é coisa do passado. Hoje temos muita gente que sabe como fazer isso aqui no Brasil. Essa qualidade sonora é parte fundamental no som do Devachan, pois eles se situam entre o heavy metal e o metal progressivo, com passagens instrumentais mais rebuscadas que pedem por essa qualidade sonora.
Porém apesar de ser um som técnico e eu citar o metal progressivo, não pensem que eles seriam uma espécie de Dream Theater tupiniquim. Há mudanças de andamento, peso e bastante destaque dos instrumentos individualmente, mas não se trata de uma maçaroca de firulas e fritação. E durante a música de introdução pode até dar a impressão de que o ouvinte vai encontrar isso mesmo. Temos até uma levada de baião em uma passagem da faixa título, que não parece forçada e obrigatória por ser um trabalho de uma banda brasileira. Queria ouvir a voz de Gabriel sem um pouco do drive que ele emprega em algumas das passagens. Acho que daria uma cara diferente para as músicas. Ele até canta de forma mais suave em algumas faixas como “Loucuras, Guerras e Poesias” e “Caminho do Medo” e assim nasceu minha curiosidade. Porém o que mais chamou atenção foi no trabalho de personalidade dos teclados que fica longe de só fazer aqueles climas para que outros instrumentos apareçam.
Por fim, cabe destacar, que a gravação do disco foi financiada por uma lei de incentivo cultura da cidade de Boituva. E em meio às recentes polêmicas sobre lei Rouanet vemos um exemplo de aplicação correta do espírito de uma lei desse tipo, que é o de ajudar artistas iniciantes e talentosos e não aqueles já consagrados, milionários e com qualidade duvidosa.