Discografias Comentadas: Captain Beyond

Discografias Comentadas: Captain Beyond
Por Mairon Machado
Na década de 70, três foram os grupos que simbolizaram o rock pesado para  a eternidade: Black Sabbath, Led Zeppelin e Deep Purple. Dos galhos da longa árvore genealógica do último, surgiram inúmeras e poderosas bandas com o passar dos anos, algumas talvez com mais potência, talento, musicalidade e qualidades superiores ao parente famoso. Uma delas é o Captain Beyond.
Formado em 1971 pelo ex-vocalista do Deep Purple Rod Evans (o que foi substituído por Ian Gillan em 1969) junto dos americanos Larry “Rhino” Reinhardt (guitarras) e Lee Dorman (baixo), ambos ex-Iron Butterfly, além do baterista Bobby Caldwell, ex-Johnny Winter Band, o Captain Beyond marcou época com um álbum praticamente perfeito, símbolo do que era o Hard Rock setentista, mas foi além disso, produzindo um álbum seminal e inigualável, além de dois discos e um EP, como veremos nessa discografia comentada.

Captain Beyond [1972]

Com contrato assinado com a Capricorn Records, mesmo selo do The Allman Brothers Band – não por acaso, já que o Captain Beyond havia sido indicação de Duane Allman – a banda foi para Hollywood, auto-produzindo-se no primeiro LP, o inigualável Captain Beyond, lançado em junho de 1972 no Reino Unido e julho do mesmo ano nos Estados Unidos. Inquestionável! Perfeito! Inigualável! Incrível! É difícil achar um adjetivo que qualifique tão bem o quanto é a estreia do quarteto. Desde as batidas de Caldwell na introdução de “Dancing Madly Backwards (On a Sea of Air)” até as marcações precisas na conclusão de “I Can’t Feel Nothin'”, o quarteto dá uma aula de hard setentista para toda uma geração, grudando uma canção atrás da outra, como se fosse uma longa suíte de quase 40 minutos, que intercalam riffs pesadíssimos de baixo e guitarra, efeitos sonoros, a voz rouca e grave de Evans e uma bateria furiosa de um dos mais esquecidos bateristas do hard rock. Os solos de guitarra de “Rhino” são rasgados, carregados de sentimento misto entre raiva, emoçã o mas acima de tudo, a certeza de estar fazendo um disco único, com temas místicos e futuristas. São treze faixas, que formam cinco partes distintas, e impossíveis de se destacar qual a melhor, já que a fusão de todas elas torna o disco forte e coeso durante toda a audição. “Dancing Madly Backwards (On a Sea of Air)”, “Armworth” e “Myopic Void” constituem a primeira parte, apresentando o Captain Beyond ao mundo com riffs pesados e grudentos, solos rasgadíssimo na primeira, um capricho nas vocalizações (algo que Evans fazia muito bem com Nick Simper no Deep Purple) da segunda e uma viajante marcha especial na terceira, com “Rhino” delirando no slide, além de Evans mostrar que podia sim ser o líder vocal de uma banda como Deep Purple. Um trabalho redondo, muito bem ensaiado e construído, no qual não há em nada lembranças das antigas bandas dos integrantes, apenas novidades que saltam aos ouvidos nessa que é uma das principais canções do quarteto. Fecham o lado A outras duas partes do álbum, a sabbáthica “Mesmerization Eclipse” e a hendrixiana “Raging River of Fear”, as quais apesar das influências citadas, possuem uma sonoridade exclusiva do Captain Beyond.  No lado B, os violões de “Thousand Days of Yesterdays (Intro)” são uma mera ilusão da pancadaria que vem na sequência, com as origens da NWOBHM de “Frozen Over” seguido das linhas jazzísticas de “Thousand Days of Yesterdays (Time Since and Gone)”, uma demonstração da versatilidade musical desse quarteto, nas três componentes da quarta parte do álbum. Por fim, a quinta e última parte é resumida a partir de “I Can’t Feel Nothin’ (Part I)”, apresentando o riff que retorna às linhas pesadas de “Dancing Madly Backwards (On a Sea of Air)”, atravessando a viajante “As the Moon Speaks (To the Waves of the Sea)”, o belíssimo trecho dedilhado e as arrepiantes vocalizações de “Astral Lady”, que transformam-se suavemente em “As the Moon Speaks (Return)”, detonante faixa que metamorfoseia-se em “I Can’t Feel Nothin’ (Part II)”, com direito a uma espetáculo percussivo a la Santana proporcionado por todos os membros do grupo, para concluir soberanamente um dos Melhores Discos de Todos os Tempos, o qual somente ouvindo você poderá entender o que está escrito aqui. OBRIGATÓRIO!
Além da incrível força deste álbum único, a linda capa holográfica original também chama a atenção, com o Capitão Além movendo-se através de uma ilustração em 3D, obra do estúdio Pacific Eye & Ear (responsável pelas gloriosas capas de Long John Silver – Jefferson Airplane, Muscle of Love – Alice Cooper, Berlin – Lou Reed, From the Inside – Alice Cooper, entre outros) em colaboração com o artista gráfico Joe Garnett.
Em sentido horário: Lee Dorman, Rod Evans, Bobby Caldwell e “Rhino” Reinhardt
Infelizmente, o som futurista do Captain Beyond estava além da compreensão dos americanos na sua época, e o disco acabou fracassando em vendas. A Capricorn, insatisfeita com os números iniciais, se quer fez forças para alavancar os números, em um dos maiores descasos da música mundial. Brian Glascock substituiu temporariamente Caldwell, e como o grupo já ambicionava uma sonoridade mais percussiva, o cubano Guille Garcia foi chamado para incrementar a parte percussiva do grupo, tocando congas. Com a adição dos teclados de Reese Wynans, o Captain Beyond saltava de quatro para seis integrantes, e pronto para as gravações do novo LP.
Segunda formação do Captain Beyond: Reese Wymans, Rod Evans, Lee Dorman e Marty Rodriguez (em pé) “Rhino” (curvado) e Guille Garcia (sentado)

Sufficiently Breathless [1973]

Pouco antes das gravações, a Capricorn exigiu que o álbum só sairia se fosse produzido por Giorgio Gomelski, o qual por sua vez só assinaria contrato com a condição de que Glascock fosse substituído. A condição foi aceita, e com o cubano Martin Rodriguez no lugar de Glascock. Se você achava que os problemas haviam acabado, pelo contrário, haviam apenas começado. Insatisfeito com os caminhos tomados por Dorman e “Rhino”, e principalmente com o novo empresário, Evans abandonou a barca no meio das gravações, sem avisar ninguém, e só com muita conversa aceitou concluir as partes vocais de Sufficiently Breathless, um álbum bastante diferente em relação ao seu antecessor, a começar pela suavidade acústica da faixa-título, ou as climáticas passagens vocais e dos sintetizadores de “Starglow Energy”,  que com a ajuda das percussões e do órgão de Paul Hornsby, levou o Captain Beyond para um outro patamar, em canções mais suaves, sem a fúria despejada no seu antecessor, mas ainda assim impecáveis. Peça para um amigo adivinhar quem está tocando em “Drifting In Space” e duvido que ele não responda Santana, já que esta é a canção mais Santana que o Santana nunca gravou, carregada na percussão, no piano elétrico e nas linhas agitadas de baixo e guitarra, ou ainda “Everything’s a Circle” e “Distant Sun”, a primeira uma balada impossível de não lembrar a banda do guitarrista mexicano, seja pela linha de baixo ou claro, pela sedutora parte percussiva ou pela velocidade instrumental no trecho central da canção, e a segunda um psicodélico bolero alternando entre uma pegada enraizada no hard e as deliciosas passagens perfeitas para dançar com a companheira. “Bright Blue Tango” parece ter saído de algum disco do flower-power californiano, tanto pela presença do piano quanto pela simplicidade e os efeitos da guitarra, e é uma das poucas a não contar com a presença das percussões, enquanto”Evil Men” possui uma marcante linha percussiva, apesar da canção ser bem mais suave, quase dançante. Ainda há espaço para a curta e enigmática viagem instrumental de “Voyages of Past Travellers”, com vocalizações sinistras que parecem ter inspirado o trio canadense Rush em “The Necromancer” (Caress of Steel – 1975). Hoje, Sufficiently Breathless começa a ganhar status de importância, principalmente por que ele é realmente muito bom. O problema é que muitos comparam-no com seu antecessor, uma tarefa impossível pelas diferentes histórias e formações de ambos. O fato é que, relegando o passado do Captain Beyond até então, Sufficiently Breathless vale a pena ser ouvido com carinho, já que a cada audição, mais sabor ele vai ganhar para seus ouvidos.

Depois de muitas idas e vindas, no dia 31 de dezembro de 1973, Rod Evans largou a música de vez, afastando-se definitivamente de qualquer fato ligado ao Captain Beyond, de maneira totalmente inesperada. Dorman seguiu seu trabalho como produtor e engenheiro da Warner Bros., enquanto “Rhino” gravou com o vocalista Bobby Womack, enquanto Caldwell montou o excelente projeto Armageddon, ao lado de Keith Relf (Yardbirds), Martin Pugh (guitarras) e Louis Cennamo (baixo). O grupo lançou um único e perfeito disco em 1975, no mesmo nível do álbum de estreia do Captain Beyond, mas infelizmente, Relf morreu eletrocutado em 1976.

Terceira formação: Lee Dorman, “Rhino” Reinhardt, Jason Cahone e Bobby Caldwell

Com a morte de Relf, surge o convite da Warner Bros. para Caldwell reformular o Captain Beyond. O baterista contatou “Rhino” e Lee Dorman, que aceitaram prontamente retornar à ativa, mas as tentativas de encontrar Rod Evans foram todas frustradas. O novo vocalista torna-se Jason Cahone, que chegou a fazer algumas apresentações, sendo rapidamente substituído por Willy Daffern. Com essa formação, gravam o terceiro álbum de estúdio,Dawn Explosion.


Dawn Explosion [1977]
A voz grave de Daffern pode assustar ao fã de Rod Evans, mas o fato é que a escolha ficou de bom tamanho para o que o quarteto apresentou no terceiro e último álbum de estúdio. Saindo das raízes pesadas, Dawn Explosion apresenta um hard rock bem característico com o final dos anos 70, mesclado com baladas pop que tão pouco tiram  a qualidade de um disco que, apesar de abaixo dos seus antecessores, não é desprezível. “Icarus”, candidata a segunda melhor do LP, tem seu riff claramente saído de “Dancing Madly Backwards”, já que ambas pertenciam a uma longa suíte de vinte minutos que o grupo ensaiava logo nas suas origens. As duas partes de “Breath of Fire” também lembram um pouco as origens do grupo, principalmente por conta da guitarra de “Rhino”, assim como “Fantasy, com seu riff poderoso de baixo e guitarra, e uma forte interpretação vocal. Dawn Explosion também abre espaço para pequenas viagens musicais, através das três partes instrumentais de “Space”, constituídas de “Space Interlude”, vinheta apenas com barulhos, “Oblivion”, solo furiosíssimo feito por “Rhino”, e “Space Reprise”, com os mesmos barulhos de “Interlude”. Só essa tríade já vale a aquisição do LP, que ainda tem “Do or Die”, uma ótima faixa para abrir um show, com um ritmo empolgante e um clima bastante up, as vocalizações de “Midnight Memories”, com seu riff a la “Little Wing” (Jimi Hendrix), e uma bonita introdução de harmônicos na balada “Sweet Dreams”, que traz uma agradável sensação aos ouvidos, e um belíssimo solo de “Rhino”. Dawn Explosion foi um fracasso de vendas nos Estados Unidos, e curiosamente, saiu-se bem no Canadá.

Os fortes problemas de drogas dos integrantes acabaram levando ao fim do mesmo. “Rhino”, Dorman e Caldwell viraram peregrinos no rock, e vez por outra faziam reuniões relâmpago do Captain Beyond, principalmente no final da década de 70, fazendo alguns shows abrindo para o também reformulado Iron Butterfly de Erik Brann, com Dorman e Caldwell tocando em ambas as bandas.Nesse período, ficou marcado na história justamente daquele que ninguém se esperava, Rod Evans. O músico resolveu encarar uma proposta de trabalho na qual resgatava o Deep Purple, sob o pseudônimo New Deep Purple, em uma ideia maluca que acabou levando-o para um dos maiores vexames de todos os tempos, e um pagamento de indenização no valor de 672 mil dólares, que destruiu com a vida de Evans, o qual, depois desse fiasco, nunca mais ouvimos falar do nome.


Night Train Callin [2000]

Surpreendendo à todos, o Captain Beyond voltou no final dos anos 90, trazendo na formação dois integrantes originais, “Rhino” e Caldwell, além de Jeff Artabasy (baixo), Dan Frye (teclados) e Jimi Interval nos vocais. O grupo se apresentou na edição de 1999 do Sweden Rock Festival, e depois de uma curta temporada de shows, em 2000 lançam o EP Night Train Calling, o qual possui uma sonoridade fortemente anos 80, apesar de ser gravado 20 anos depois. “Gotta Move” marca essa sonoridade, principalmente pelo ritmo da bateria, e impossível de ser pensada nos álbuns iniciais do grupo, mas tem seus bons momentos, principalmente no solo de wah-wah de “Rhino”, assim como a balada de Sessão da Tarde “Don’t Cry Over Me”, na linha de grupos tradicionais do AOR como Survivor ou Red Speedwagon. “Be As You Were” é um boogie moderno na linha de grupos como o ZZ Top fizeram em um passado recente, e “Night Train Calling (Crystal Clear)” torna-se a principal canção desse bom EP, diferente do esperado para os álbuns do Captain Beyond, mas que pelo menos acalmou a ânsia dos curiosos fãs que sempre seguiram o grupo desde a década de 80.

Uma série de shows marcou o fim da banda, com a última apresentação sendo realizada em 28 de julho de 2001. Em 2003, “Rhino” descobriu que estava com câncer, e desiludido, acabou desmanchando o grupo para fazer um tratamento de recuperação. A última apresentação do Captain Beyond foi em 28 de julho de 2001. “Rhino” continuou tocando sua carreira solo enquanto tentava se recuperar, mas infelizmente, faleceu em 2 de janeiro de 2012. Em dezembro do mesmo ano, Lee Dorman nos deixou. Rod Evans tornou-se médico, e vive na Califórnia.

2 comentários sobre “Discografias Comentadas: Captain Beyond

  1. Captain Beyond para mim sempre foi uma mistura de Jethro Tull com Led Zeppelin. Gosto bastante da sonoridade do primeiro disco deles: o autointitulado “Capitain Beyond”, envelheceu muito bem e se consolidou como um clássico.

    Ótimo post.

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