Ultraje a Rigor – Sexo!! [1987]
Por Davi Pascale
Sexo!! chegou às lojas em 1987 com a missão de manter a banda na mídia depois do sucesso avassalador de seu álbum de estreia. O novo trabalho cumpriu seu papel. Emplacou novas canções, conseguiu uma venda expressiva, e manteve o espírito debochado dos garotos. O disco venceu a barreira do tempo e merece ser redescoberto pela nova geração.
Toda vez que o nome Ultraje a Rigor é citado, o disco Nós Vamos Invadir Sua Praia salta à mente. E não é por acaso. O LP foi um marco, emplacando música atrás de música atrás de música… Se você pegar uma pessoa que não tem muita ligação com o conjunto, colocar o disco para tocar e esconder a capa, é bem capaz que pense se tratar de uma coletânea. Não seria nenhum exagero tratá-lo como um clássico do rock brasileiro. (Ao menos, para mim, é). Agora, é verdade que os caras fizeram outros discos que também são muito bons. Um que sempre gostei muito foi o segundo LP, Sexo!! E é dele que tratarei hoje…
Sempre que um artista faz um sucesso muito grande no seu debut, as pessoas começam a olhar com desconfiança e ficam se perguntando se os músicos terão a capacidade de repetir a dose. Por isso, esse trabalho era muito importante para o Ultraje. Era sua prova de fogo. É aqui que iriam provar que não eram banda de um disco só. E, de certa forma, conseguiram. Claro, não repetiram a ousadia de emplacar todas as faixas do álbum, mas conseguiram criar grandes hits, conseguiram boa vendagem e, como se não bastasse, emplacaram uma faixa na abertura de uma novela da Globo (“Pelado” em Brega & Chique). O desejo de todo artista naquela época.
O nome Sexo!! talvez soe preocupante para os moralistas, mas não há com o que encasquetar. Não há nenhuma letra com baixaria. A faixa-título, inclusive, nem fala abertamente sobre sexo. A letra, na realidade, é uma crítica à censura. Ou como Roger descrevia no release da época: “aquele moralismo besta tão comum em nossa cultura”. Quando esse disco foi lançado iniciava-se uma discussão sobre o fim da censura artística, que só viria a se firmar de fato em 3 de Agosto de 1988, quando foi criada a nova Carta Constitucional do Brasil (que passaria a ser aplicada em Outubro do mesmo ano). As letras são bem humoradas, trazem ótimas tiradas, mas não são pesadas. “Sempre tivemos a ideia de que rock é pra ser divertido. Pra gente e pro público. Ou não vale a pena”, explica o cantor em entrevista ao portal Uol.
O time que entrou em estúdio para gravar o álbum foi o mesmo que gravou o cultuado disco de 1985 (Roger, Leôspa, Mauricio e Carlinhos), mas logo a primeira mudança aconteceria. Carlinhos, guitarrista do conjunto, abandona o barco logo após as gravações de “A Festa” e “Prisioneiro”. O músico não estava contente com o cenário que estava vivendo. Não gostava da sonoridade que estava sendo retratada nos discos, não gostava das novas composições e sentia que o clima entre eles não era mais o mesmo. “O que o Carlinhos falou, de que a produção foi péssima, que não entendeu o que estava acontecendo e tal… realmente, é do lado dele. Porque eu acho que a produção entendeu direitinho o que estava acontecendo”, comenta Roger em entrevista à Guitar Player.
Na verdade, o guitarrista queria fazer um som mais mais puxado para o hard/heavy e essa influência fica nítida nas duas faixas em que participa. Ainda que “A Festa” tenha um arranjo de balada anos 50, quando chega o momento do solo, sai dedilhando em alta velocidade, utilizando alavanca e distorção. Verdade seja dita, o solo ficou bom. Já “Prisioneiro” é a que considero a mais fraca do disco. Composta e cantada pelo talentoso baixista Maurício, o arranjo já pende mais para o hard rock. Definitivamente, não é a cara da banda e foge da proposta do álbum…
Sai Carlinhos, entra Sergio Serra. O rapaz estava começando a fazer nome na cena, quando foi chamado para um teste. Sua tarefa? Tinha que gravar a guitarra de duas faixas e agradar a banda. As escolhidas: “Denis, O Que Você Quer Ser Quando Crescer” e “Pelado”. Quando ouviram o resultado final, não havia dúvidas. Ele era o cara que estavam procurando. O solo de “Pelado” é, certamente, um dos mais marcantes na história do Ultraje.
Não lembro com clareza, mas acredito que esse disco tenha sido minha porta de entrada no universo do Ultraje a Rigor. Na época, tinha 5 anos e estava descobrindo as bandas pelas músicas que tocavam na rádio e também fuçando na coleção do meu pai. Lembro que uma das primeiras vezes que fui parar na diretoria do colégio foi por conta de uma faixa desse disco. A auxiliar me pegou cantando no recreio a letra de “Pelado” e fui enviado para a sala da diretoria. No dia, a diretora me olhava torto e questionava onde tinha aprendido aquilo. Fui alertado que não deveria mais cantá-la, correndo o risco de ganhar uma suspensão. Depois, voltei a parar lá por conta de um livro sobre o John Lennon. Me questionaram o que estava lendo, pediram para ver o livro e quando folhearam, viram a imagem de John e Yoko nus em uma das fotos. O que eu temia, aconteceu: recolheram o livro e chamaram meus pais no colégio. A letra do Ultraje, finalmente, fazia sentido…
“Sexo” não era a única faixa que trazia conteúdo crítico. “Pelado” também ia pelo mesmo caminho, dessa vez questionando o falso moralismo. (“Indecente é você ter que ficar despido de cultura / Daí não tem jeito quando a coisa fica dura / Sem roupa, sem saúde, sem casa. Tudo é tão imoral / E a barriga pelada é que é a vergonha nacional¨). Já “Terceiro” satirizava o conformismo do brasileiro. (“Então, tá, vamos lá, não vou nem me preocupar / Já está tudo armado para eu me conformar / Eu vou tentar só pra não falar que não sou nem atleta / Ia ser legal chegar junto na frente / Mas iam falar que quero ser diferente / Está bom demais, pelo menos não saio da reta. Por isso, sempre sou o terceiro. Oba!¨).
Uma das faixas mais lembradas desse LP, contudo, é “Eu Gosto de Mulher”. Escolhida como a primeira faixa de trabalho, a música era uma brincadeira bem humorada e nasceu por conta de uma polêmica. O baixista Maurício fez uma brincadeira em uma entrevista que acabou sendo mal vista pelos homossexuais. A banda respondeu o auê em forma de música. No livro Nós Vamos Invadir Sua Praia, Roger Moreira relembra: “não sei nem exatamente o que é, mas foi qualquer coisa do tipo, ‘ah, melhor, sobra mais mulher pra gente’. Foi uma piada de mau gosto, mas foi uma piada, né?”, enfatiza o músico. “Essas coisas na imprensa tomam uma proporção exagerada. E não ficou como se tivesse sido algo que ele falou, ficou como se eu tivesse falado e começaram a ver a gente como se fosse machista, troglodita, daí fiz essa música”.
As imagens para o vídeo foram extraídas de uma ação promocional. No dia 19 de Março de 1987, o dia em que o álbum chegava às lojas, os músicos subiram na marquise do shopping Top Center para uma apresentação surpresa. O shopping ficava localizado na região da Avenida Paulista (São Paulo) e a banda decidiu subir e sair tocando. A ação foi inspirada em um de seus ídolos, os Beatles. O filme Let It Be mostra os músicos se apresentando no topo de um edifício. Apresentação que ficou marcada como a última do famoso quarteto de Liverpool. No caso do Ultraje, era o contrário. A performance era a primeira que faziam para divulgar esse segundo trabalho. “Tocar na rua, no alto de um prédio, como os Beatles, foi a realização de um sonho. A ação superou muito nossas expectativas, já que esperávamos encher apenas a calçada em frente ao shopping”, comenta Roger em entrevista à Veja São Paulo.
A sacada foi inteligente. Além de ter rendido a gravação do vídeo, o show foi muito comentado na época. Principalmente, por conta da multidão que se aglomerou em volta do edifício. Os músicos estavam em seu auge. Quem não queria ver um show do Ultraje? Porém, Roger teve outra sacada, que mantém até os dias atuais, e que acabou dificultando as vendas de shows. O músico decidiu que não viajaria mais de avião e passou a exigir que todos os trajetos fossem realizados de ônibus. O planejamento dos artistas brasileiros, de modo geral, não segue a lógica da rota. Não focam por regiões, nem por cidades próximas. Os shows vão sendo vendidos, conforme as oportunidades vão surgindo. Por isso, vários shows se tornaram inviáveis.
“Comecei a andar de avião em 83. No início, achava divertido, mas em 84, 85, estava toda semana dentro de um avião e daí foi me dando pânico. Primeiro, comecei a me sentir muito incomodado até que um dia eu disse chega”, explica o cantor em entrevista ao Pânico na Rádio.
Isso não impediu que mais polêmicas surgissem durante a turnê. Durante uma apresentação em Araçatuba, um garoto foi assassinado na plateia. A causa ainda é desconhecida. “Pode ter sido até por mulher. Acho que ele estava subindo na grade para tentar escapar e o outro acertou nas costas dele com a faca. Era chato para nós, mas não posso dizer que fomos culpados”, comenta o cantor na biografia escrita sobre a banda. Outro fato desagradável aconteceu quando Roger foi acusado de estuprar uma garota de 15 anos, em Santa Catarina. O músico sempre negou a acusação. “A menina depois me inocentou, o pai me inocentou e a mãe perdeu o processo. (…) Foi muito chato. Estupro é realmente um crime horroroso, com violência. E deu um certo baque na popularidade do Ultraje”. Mesmo com o baque, o LP chegou à marca de 400.000 cópias vendidas. Uma boa marca, para a época.
Sexo!! é um disco bem consistente, com arranjos bem rock n roll e canções inspiradas. Além das faixas citadas, destacaria também a excelente “Ponto de Ônibus”, mais uma parceria entre Roger e Maurício. E ah… Uma breve explicação. Quem tem o disco original, já deve ter notado, no encarte, a citação da participação especial de Sting nos backings de “Terceiro”. Pois é, muita gente não entendeu, mas a participação existe. Só que o Sting que eles se referem não é o cantor do The Police e sim um cachorro que o Liminha, produtor do LP, tinha na época. Assim é o Ultraje, com zoeiras do início ao fim…
Faixas:
- Eu Gosto de Mulher
- Dênis, O Que Você Quer Ser¿
- Terceiro
- A Festa
- Prisioneiro
- Sexo!
- Pelado
- Ponto de Ônibus
- Maximillian Sheldon
- Will Robinson e Seus Robots
Esse disco é bem relevante para a carreira do Ultraje. Curto ele, mas acho o mais fraco dos três primeiros (o meu preferido sempre será o Crescendo). Mas é um baita disco
Agora sobre isso aqui
“A auxiliar me pegou cantando no recreio a letra de “Pelado” e fui enviado para a sala da diretoria.”
Típico daquela retrógrada auxiliar dos anos 80. Hoje, os caras tão cantando “meu pau te ama” nos corredores das escolas e as auxiliares estão dançando funk nas cadeiras da sala dos professores
Crescendo é um álbum que tenho carinho também. O LP foi meu presente de aniversário, na época. O vinil que está comigo ainda é a mesma cópia.
Crescendo é um dos melhores do Ultraje e o disco de versões de clássicos do rock’n’roll o “Porque Ultraje a Rigor” é ótimo também. O “Ó!” eu considero um disco injustiçado, existem muitas músicas legais naquele play.
Pelado e Eu Gosto de Mulher são dois rockões pra ninguém botar defeito. A “Prisioneiro”, composição do Maurício é um hard rock bem ao estilo hair metal, simplesmente sensacional o solo de guitarra dessa música. E sobre a discografia do Ultraje, eles foram bons até o 18 Anos Sem Tirar, que possui quatro faixas de estúdio inéditas e o resto do disco são de um show em Curitiba ainda com o Serginho no baixo. Agora “Os Invisíveis” é um álbum meio fraco, apesar de possuir algumas boas canções. Depois disso o Roger se tornou preguiçoso para compor e gravar discos. Gravaram o Acústico pela MTV -que é muito legal, bem simples e sem firulas, ao contrário do Acústico dos Titãs que é brega e cafona- e depois soltaram um epzinho de inéditas que só foi lançado via web, o Música Esquisita A Troco de Nada. E Roger hoje em dia é um tiozão reaça seguidor do astrólogo gagá e do Bozonazi. Já Mingau apesar de grande músico, prefere apenas ser um enfeite no palco da banda de animar platéia que o Ultraje se tornou. Prefiro o Mingau tocando com o Ratos de Porão, ali ele mostra que sabe tocar música extrema. Contrabaixo é um instrumento que com o perdão do trocadilho, soa baixo mesmo. rsrs
“Pelado” também ia pelo mesmo caminho, dessa vez questionando o falso moralismo. (“Indecente é você ter que ficar despido de cultura / Daí não tem jeito quando a coisa fica dura / Sem roupa, sem saúde, sem casa. Tudo é tão imoral / E a barriga pelada é que é a vergonha nacional¨)”. Como as coisas mudam pra valer em mais de trinta anos! Hoje Roger é apoiador de um governo falso moralista e retrógrado que implica com novela da Globo por culpa de beijo gay ao mesmo tempo que cerceiam a liberdade artística de músicos, atores e diretores de filmes em nome da “moral e dos bons costumes” e na defesa da “família cristã tradicional”. E o Roger se tornou o perseguidor de twitter daqueles que ele considera “esquerdistas”, sempre com moralismo ridículo e anticomunismo histérico. Porém eu sei separar o artista da opinião pessoal dele, ao contrário do que fazem muitos esquerdistas que costumam ridicularizar o Ultraje ou diminuir o Roger como músico e compositor. Pelo contrário, sempre considerei Roger um baita rocker, e um excelente guitarrista base. Acho ridículo também gente da esquerda com galhofa pra cima do Roger: “Aiin roqueiro fracassado, não lota mais shows. E o Ultraje nunca foi grande coisa”. Absurdo e hipocrisia isso, tenho certeza de que se o Roger fosse lacrador de rede social a esquerda iria sempre paparicar o cara. Essa gente acha que só porque uma banda lota shows e vende discos que isso representa alguma coisa. Se partirmos do pressuposto de que quantidade é qualidade, os Titãs e os Paralamas seriam as maiores banda do mundo. Pelo menos o Roger não se vendeu compondo baladinha pra tocar na Malhação e nem aparece no Encontro da Fátima Bernardes hahahaha. Mas sim, o Roger se tornou muito reaça demais e ele endossar as asneiras do astrólogo da Virgínia é vergonhoso demais! Será que ele acredita mesmo em terra-plana? rs
Na verdade ele fez. “Me Dá Um Olá” fez parte da trilha sonora de alguma dessas temporadas de Malhação entre 2003 ou 2004.
O Ultraje dos primeiros discos era muito divertido, mas é uma pena que Roger e seus amigos estejam hoje se matando (no pior sentido) naquele programa do Danilo Gentili…
Pois é, Anônimo… Ver o Ultraje atuando hoje como banda animadora do The Noite é mais vergonhoso do que, por exemplo, o fato da Miley Cyrus ter abandonado a “Hannah Montana” para viver em uma fase ainda mais decadente e chegar ainda mais fundo no poço da vergonha e da fraqueza. Realmente lastimável!
Com certeza. Um dos piores programas de TV. O Danilo Gentili é muito retardado mental. Uma lástima o Roger ter ido trabalhar com aquele babaca
Falastes bem, patrão… Eu até gosto do Gentili, mas ver o Ultraje atuando como “banda de fundo” do The Noite é realmente patético, então o problema não é com o apresentador…
Pior que é verdade anônimo. É bem isso!! Lembro dele dedicando “Filho da Puta” para quem chamou ele de coxinha no show do Rio (abertura dos Stones). Como ele é querido com os fãs
Chamar um músico profissional de “roqueiro fracassado” não é zoeira, é ofensa. Existe uma diferença aí…
Quando a postura política do líder da banda ganha mais destaque, é nítido que a carreira musical está em franca decadência, distante da capacidade de fazer boas músicas.
Perfeito!
Só retardado mesmo que transforma uma simples resenha de um disco (muito bem feita por sinal, parabéns Davi!) em uma briga em que acaba com demonstrações de burrice, desconhecimento, preconceito, bairrismo, ódio infantil contra madames (deixa elas serem do jeito que são, pô!) e até maçons. PQP!!!
Obrigado pelo elogio, Fernando.
Nossa, fico tão feliz que um site pequeno da internet como o nosso seja uma plataforma de reforma social por parte de gente tão engajada em mudar o mundo através de tão bonitas palavras que farão com que o nosso leitor médio que só quer aprender um pouco mais de música se engaje nessa grande luta.
Emocionante.