Tralhas do Porão – Aardvark
Por Mairon Machado
Cite um grupo de hard rock formado apenas por teclados, baixo, voz e bateria. Ok, você citou Emerson, Lake & Palmer, mas eles eram do rock progressivo. Cite outro. Triumvirat? Não, eles também eram do rock progressivo. Pois saiba que antes desses monstros do rock progressivo colocarem suas asinhas de fora para brilharem no mundo do rock sem o principal instrumento do estilo, a guitarra, a Escócia já fornecia um trio pesadíssimo, na linha do hard de grupos como Deep Purple, Uriah Heep e Atomic Rooster, batizado de Aardvark.
O quarteto foi formado em 1968 por Dave Skillin (vocais), ao lado de Stan Aldous (baixo, ex-Odyssey), Mick Crampton (bateria) e Dave Watts (teclados). A estreia do grupo em palco foi abrindo para a Jimi Hendrix Experience, em um show para 80 mil pessoas, na Alemanha. Watts não durou muito, sendo substituído por Steve Milliner. Em breve, Crampton foi substituído por Frank Clark, um jovem talento de apenas dezessete anos.
Essa formação que grava seu único álbum em agosto de 1969. Vale lembrar que o genial Steve Milliner (teclados) é ex-Black Cat Bones, grupo contou com a participação de Simon Kirke e Paul Kossof, antes dos dois formarem o Free. Aardvark por si só é suficiente para ser colocado no hall das grandes audições que você terá em sua vida, fazendo do Aardvark daqueles claros exemplos de banda que lançou apenas um disco, mas que ficou para a história engavetada em paredes piramidais gigantes, para serem descobertos anos depois por caçadores de tesouros.
Uma das principais atrações de Aardvark, que chegou às lojas no dia 09 de agosto de 1970, é o órgão matador de Milliner. Com formação clássica em piano na Huddersfield School of Music, e tendo passado pelo coral da catedral da igreja de seus pais com apenas 9 anos, ouvi-lo tocar certamente vai trazer lembranças de nomes conhecidos como Keith Emerson (The Nice, Emerson Lake & Palmer), Brian Auger ou Jon Lord (Deep Purple). A raríssima primeira edição de Aardvark saiu pelo selo Deram Nova, tanto em Estéreo quanto Mono, sendo que o título original, Put That in Your Pipe and Smoke It, foi vetado pela gravadora com medo de associação às drogas.
O riffzão do órgão apresenta-nos “Copper Sunset”, trazendo os vocais de Dave, em um som que lembra bastante o Atomic Rooster de Death Walks Behind You (também de 1970), e destacando o magistral e enlouquecedor solo de órgão por Steve. “Copper Sunset” encerra-se repentinamente, e então o piano e palmas nos levam para a linda e suave “Very Nice Of You To Call”, uma joia auditiva de altíssima qualidade, lembrando passagens de Captain Beyond. Mas reafirmo, as duas citações que fiz até aqui são de bandas que lançaram seus álbuns pós-Aardvark. O solo de piano que Steve faz aqui é regado de influências jazzísticas, e o embalo da cozinha é simplesmente delicioso.
“Many Things To Do” é um hard psicodélico onde a bateria é mais presente. As melodias vocais são rasgadas, e as passagens de piano e órgão refletem bastante influências lisérgicas da Califórnia. O solo de Steve é pouco inspirado, até por que nessa faixa, o predomínio da bateria é o que chama mais a atenção. Já “Greencap” é a primeira canção a ultrapassar os seis minutos de duração. A introdução com hammond, baixo e bateria já chama a atenção, principalmente pela pancadaria. A entrada da voz distorcida de Dave empolga ainda mais. Delírio puro! A partir do momento que começa a sequência de solos, duvido você se segurar na cadeira! É hammond, piano, vibrafone, baixo, bateria, cada um fazendo um solo diferente, um sobre outro, em uma performance fantástica e assombrosa, que já fazem surgir a pergunta de como o Aardvark durou tão pouco! Para quem ama os ingleses do Atomic Rooster, é um grande choque saber que havia outra banda fazendo algo similar ali do lado.
O lado A encerra-se com “I Can’t Stop”, a qual começa enigmática, com longos acordes de hammond, e aos poucos, bateria e baixo vão surgindo com marcações, chegando então ao riff de piano e hammond que leva a um rock agitado, com os vocais chorados de Dave clamando o nome da canção, um magistral solo de piano, bem como um trecho “Deep Purple nos seus momentos de viagem”, com o órgão infernal sobre uma base pesadíssima de bateria e baixo, fechando muito bem a primeira parte de Aardvark.
Vozes, órgão e muito poder da cozinha explodem no lado B com “The Outing”, faixa de quase dez minutos com o hammond sendo novamente o centro das atenções. Steve utiliza das mais variadas técnicas para emular desde Vincent Crane até Keith Emerson na sua fase The Nice. Viajante, carregada de doses de psicodelia, é uma faixa bastante delirante, que no seu longo trecho central, batizado de “Yes”, remete as viagens lisérgicas do Pink Floyd, e foge do hard apresentado nas demais.
O disco segue com “Once Upon a Hill”, única faixa do LP creditada a Aldous (todas as demais são de Skillin), com vocais distorcidos sobre camadas de órgão, e uma tímida passagem com flautas (não creditadas), e que está gravada de forma bem baixa, quase inaudível. Por fim, “Put That in Your Pipe and Smoke It” surge com um longo acorde de hammond, para baixo e bateria estourarem de forma enlouquecedora e Steve solar endiabradamente, numa performance instrumental avassaladora. É a faixa mais virtuosa de Aardvark, e que fecha com primazia uma obra atemporal.
Não à toa, este tornou-se o título oficial (finalmente) de um relançamento de Aardvark feito na Inglaterra nos anos 80, com uma capa diferente, e mais fácil de ser encontrado, já que a versão original, em Mono, lançada pelo selo Deram, tem o valor médio de venda no Discogs por R$ 968,46 reais!
O disco não vendeu, a Deram não promoveu a banda, Mick Lavender substituiu Milliner e logo, o grupo se desmanchou. Os anos passaram e em 2016, a dupla Dave e Steve lançou um segundo álbum, sob o título Aardvark 2 – Guitar’d ‘n’ Feathered, que não fez nenhum rebuliço nas paradas, mas ao menos, trouxe a uma nova geração de ouvintes a possibilidade de descobrirem uma das grandes jóias do hard setentista.
Track list
1. Copper Sunset
2. Very Nice Of You To Call
3. Many Things To Do
4. The Greencap
5. I Can’t Stop
6. The Outing – Yes
7. Once Upon A Hill
8. Put That In Your Pipe And Smoke It
Bom post.
Preciso revisitar o disco todo, mas o trabalho é excelente, com fuderosos sons de teclado. Pérola de texto!
Valeu gurizada!!
Tecladeira alucinada setentista? Rare Bird.
Baita banda tb Francisco