Discografias Comentadas: Black Flag (Parte II)
Black Flag em 1984: Henry Rollins, Gregg Ginn, Kira Roessler e Bill Stevenson
por Bruno Marise
Após dominar toda a cena californiana no começo de carreira, o Black Flag se firmou de vez como um gigante do Hardcore com o lançamento de seu primeiro Full Length, Damaged. Ao invés de manter a mesma fórmula consagrada, a banda começou a experimentar cada vez mais outras sonoridades o que afastou muita gente de seu som, mas ao mesmo tempo trouxe outro tipo de público e apesar de na época não fazer muito sucesso, acabou influenciando muitas bandas e tornando essa fase do grupo uma lenda.
Ao final da turnê de divulgação de Damaged na Inglaterra, o baterista colombiano Robo ficou detido no país por problemas com o visto. Ele só conseguiria retornar aos EUA em 1983, e entraria para o Misfits. Para completar o restante da turnê, chamaram Chuck Biscuits, que estava de saída do D.O.A., mas após algumas desavenças com outros membros da banda, acabou sendo expulso. Bill Stevenson do Descendents foi recrutado e assumiria a vaga permanentemente. Com Gregg Ginn cada vez mais descontente com as limitações de Dukowski como músico, o baixista também deixou o grupo, tornando-se apenas um colaborador externo nas composições e gerente de turnê. Cadena também abandona o barco para formar sua própria banda, o DC3.
Sem baixista (Ginn gravaria todas as linhas de baixo) e com baterista novo, o Black Flag entrava em estúdio para a gravação do segundo disco. Se Greg Ginn já flertava com alguns experimentalismos antes, aqui foi que ele passou a explorar bastante essa característica. O lado A, apesar de riffs repetitivos e muitos solos, ainda mantém a pegada hardcore da banda. Já o Lado B foi um susto. Três músicas beirando os sete minutos de duração, com andamentos extremamente cadenciados e Ginn abusando dos improvisos. Rollins afirmou que na época o guitarrista andava ouvindo bastante Mahavishnu Orchestra, e o trabalho de John Mclaughlin foi uma grande influência em My War. Muitos fãs antigos do Black Flag torceram o nariz para o disco, mas ele tornaria-se uma obra cult, e influenciaria o surgimento do Doom Metal e do movimento Grunge, alguns anos depois.
Se em My War as excentricidades de Ginn já incomodavam alguns, no disco seguinte elas deixariam muita gente de cabelo em pé. Family Man é um disco metade spoken-word e metade instrumental. O Lado A traz gravações aleatórias de Rollins discursando, e o Lado B uma jam cheia de improvisos a la jazz e progressivo (!). Apesar de ter atraído alguns admiradores de música experimental, Family Man é um disco irregular e vale apenas como curiosidade de uma tentativa de soar anti-comercial.
Em seu terceiro disco lançado em 1984, é que o Black Flag consegue dosar bem o hardcore tradicional, com os elementos de heavy metal e as improvisações jazzísticas de Greg Ginn. A entrada da nova baixista também contribuiu bastante. Kira Roessler é sem dúvida a melhor das quatro cordas a passar pela banda, com uma bagagem técnica bastante superior a de Dukowski, ideal para as ambições musicais de Ginn. A melhora na performance dos demais membros também é perceptível, principalmente de Stevenson, mais solto e arregaçando nas baquetas. A faixa-título, uma das melhores do disco, traz Rollins e Kira simulando uma relação sexual em cima dos solos de Ginn, e ganhou até um clipe. Considero Slip It In o melhor disco do Black Flag, depois de Damaged (1981), onde a banda conseguiu fazer suas experimentações sem soar exagerada ou excêntrica demais.
O quinto disco do Black Flag segue a linha de Slip It In, apesar de ser um pequeno retorno à forma. Porém, é um registro inferior, com composições menos inspiradas, retratando a fase turbulenta que a banda passava. A produção, mesmo sendo mais polida, é mais fraca que a do disco anterior. Loose Nut não chega a ser um registro ruim, mas é sem dúvida um disco menor dentro da obra do grupo californiano.
Nesse mesmo ano é lançado apenas em cassete Live ’84, que traz uma apresentação da banda no ano anterior, com destaque para animalesca versão de “The Process Of Weeding Out.
The Process Of Weeding Out (EP) [1985]
Esse compacto deve ser tratado mais como um projeto solo de Greg Ginn do que um disco do Black Flag. Apesar de contar com Kira Roessler e Bill Stevenson, o EP traz quatro faixas instrumentais da mais pura experimentação avant-garde do guitarrista. Não representa em nada o Black Flag, mas vale como um registro curioso e bem executado de um dos instrumentistas mais criativos e inquietos do gênero.
In My Head [1985]
In My Head é considerado o auge da banda como instrumentistas. Esse é outro registro que não deve ser comparado com Black Flag dos primórdios. É outra banda, outra postura, outro estilo. A audição desse disco é bastante cansativa, com as linhas de guitarra chegando a soar irritantes em alguns momentos. Porém, é um registro bastante válido de música experimental. Como disco do Black Flag eu daria nota 0. Como disco de noise rock/experimental, nota 8. Destaque para “Retired at 21” e “Drinking and Driving“.
No ano seguinte sai mais um ao vivo, Who’s Got The 10½?, com uma apresentação dos americanos em Portland, no agosto de 1985.
Quando o Black Flag gravou In My Head (1985), o clima não estava nada bem entre os membros da banda. Em junho de 86, o grupo fez seu último show, em Detroit. Dois meses depois, Ginn ligou para Rollins e informou que estava de saída da banda. Como o guitarrista era o “dono” e principal líder criativo do Black Flag, estava decretado o fim. Dois anos depois, foi lançado o último registro da banda até então, o EP I Can See You, que traz quatro músicas gravadas em 1985. O compacto soa como um pequeno apanhado de sobras, sem inspiração ou qualquer coisa que se destaque. Provavelmente foi apenas uma maneira de a gravadora arrecadar alguma grana, já que a o Black Flag tinha acabado.
Com o fim da banda, Greg Ginn lançou sua carreira solo e participou de alguns projetos como Gone e October Faction. Rollins montou o Rollins Band, e também realizou trabalhos na televisão, como ator e apresentador. Stevenson voltou para o Descendents e fez parte de outra bandas como Only Crime e Lemonheads e Kira formou a banda DOS. Dez Cadena faz parte do Misfits desde 2001.
Em 2011, Keith Morris se uniu a Chuck Dukowski, Bill Stevenson e ao guitarrista Stephen Egerton (Descendents, All) e formou o Flag, para tocar músicas de sua fase na banda. Em janeiro de 2013, Greg Ginn anuncia que o Black Flag irá voltar com Ron Reyes nos vocais, Gregory Moore na bateria e Dave Klein no baixo. A reunião rendeu duas músicas novas e o primeiro disco de inéditas do Black Flag em 24 anos.
What The … [2013]
O retorno dos americanos é um abençoado álbum de 45 minutos, que trouxe de volta a gana da banda (e dos fãs) por quebrar pescoços. Várias são as músicas de destaque aqui, mas com certeza, a abertura com “My Heart Is Pumping”, a pancada de “Go Away” e a insana “No Teeth” são as melhores demonstrações do que os velhinhos ainda podem entregar de um belo hard core para os fãs. Fechando o álbum, uma surpresa bluesy core com “Off My Shoulders”, agradabilíssima e bem diferente do que estamos acostumados a ouvir na longa discografia do Black Flag. Bom disco, que apesar disso, é considerdo um dos maiores fiascos já lançados por eles.
Mike Vallely, que cantou com o grupo em 2003, assumiu os vocais novamente em 2014, mesmo ano que Dave Klein saiu, abrindo caminho para Ginn trazer Tyler Smith no baixo e Brandon Pertzborn na bateria. Já com Isaias Gil no lugar de Brandon, o grupo voltou a excursionar ano passado, sendo que estão vindo ao Brasil agora em março (São Paulo, dia 08, no Carioca Club), em uma tour latino americana que passará por Uruguai, Argentina, Chile, Colômbia e México, e promete para em breve lançar novo material.