Cinco Discos Para Conhecer: John Frusciante
por Bruno Marise
John Frusciante é muito mais do que um ex-membro do Red Hot Chilli Peppers. O guitarrista é uma das mentes mais inquietas e brilhantes da música nos últimos 25 anos. Apesar de uma técnica acima da média, ele se destaca pela sensibilidade melódica e a qualidade nas composições. Seu estilo único de tocar tem ecos de Jimi Hendrix, Eddie Hazel, Syd Barrett, Johnny Ramone e Captain Beefheart. Frusciante ingressou na banda que o tornou conhecido em 1988, com apenas 18 anos. Gravou dois discos, e com o estouro de Blood Sugar Sex Magik (1991), o músico começou a entrar em depressão e deixou o grupo, alegando que não conseguia lidar com o sucesso e gostaria que os Chilli Peppers tivessem continuado no underground. Nos anos seguintes, entrou em um período de quase inatividade, lançando apenas um disco solo, totalmente lo-fi (Niandra Lades and Usually Just A T-Shirt [1994]), e o malucoSmiles From The Streets You Hold (1997), gravado com o único intuito de arrecadar dinheiro para comprar mais drogas. Frusciante também vendeu toda a sua coleção de discos e suas guitarras para poder sustentar o vício. O músico atingiu o fundo do poço em 1997, ficando com várias lesões no corpo e precisando arrancar todos os dentes, para evitar uma infecção grave, já que estavam todos podres. No ano seguinte, se internou numa clínica de reabilitação, onde finalmente se livrou da heroína e também passou por cirurgias de reconstrução facial, para consertar seu rosto desfigurado pela droga. No mesmo período, ganhou de presente uma guitarra de Flea, que o incentivou a tocar novamente e conseguiu convencê-lo a voltar ao RHCP, já sem o mesmo reconhecimento de antes. 1999 marcou o renascimento dos Chilli Peppers e de Frusciante, que também iniciou uma reformulação no som do grupo. Após mais três discos, ele deixou a banda novamente em 2009, alegando anos depois que não estava mais feliz em fazer shows e se sentia mal de precisar compor por obrigação e tratar a música como uma mercadoria, e pra ele representava muito mais que isso. Essa ligação quase espiritual de John Frusciante com a música transparece principalmente em seu trabalho solo e chega a emocionar o tanto de alma ele põe em suas composições. Para conhecer mais desse riquíssimo universo, dê uma olhada nos discos mais representativas de sua impecável carreira.
Red Hot Chilli Peppers – Blood Sugar Sex Magik [1991]
Apesar de endeusado pela crítica, e ser praticamente uma unanimidade como o ponto alto da carreira do Red Hot Chilli Peppers, BSSM é um disco superestimado. Considero Mother’s Milk (1989) superior, mas em termos de guitarra, foi no segundo registro com a banda californiana que John Frusciante começou a desenvolver seu estilo único e mostrar todo o talento, se envolvendo completamente na composição do álbum. Em Mother’s Milk, Fruscia basicamente seguiu a linha que Hillel Slovak vinha fazendo, mas aqui ele deixa um pouco de lado o peso e a distorção, e começa a apostar num timbre mais limpo, que se tornaria sua marca registrada. Os grooves funkeados, feedback e wah-wah característicos do som da banda continuam, mas não fica só nisso. John se aventura no violão de 12 cordas na bela balada “Breaking The Girl”, e mostra toda a sua sensibilidade no violão comum em “I Could Have Lied”. O solo de guitarra do cara nessa música é inacreditável. Apesar de alguns fillers, BSSM tem grandes momentos. Só a performance de John no clássico “Under The Bridge”, já valeria o disco. Esse álbum representa bem a primeira fase da carreira do guitarrista, em termos de timbre, efeitos, performance e composição. Algo que mudaria completamente alguns anos depois.
Anthony Kiedis (Vocal), John Frusciante (Guitarra, violão, violão de 12 cordas e backing vocals), Flea (Baixo e percussão) e Chad Smith (Bateria e percussão)
1. The Power Of Equality
2. If You Have to Ask
3. Breaking The Girl
4. Funky Monks
5. Suck My Kiss
6. I Could Have Lied
7. Mellowship Slinky in B Major
8. The Righteous & The Wicked
9. Give it Away
10. Blood Sugar Sex Magik
11. Under The Bridge
12. Naked in The Rain
13. Apache Rose Peacock
14. The Greeting Song
15. My Lovely Man
16. Sir Psycho Sexy
17. They’re Red Hot
John Frusciante – Shadows Collide With People [2004]
2004 foi um ano iluminado na carreira de John Frusciante. O músico lançou nada menos que CINCO discos. Um completamente diferente do outro. Talvez o mais indicado para começar a se aventurar pelo universo do cara seja Curtains(2005), praticamente todo acústico e recheado de baladas, mas é em Shadows Collide With People que Fruscia consegue unir sua sensibilidade melódica com o lado mais experimental, através de efeitos eletrônicos, distorção e feedback. O disco é bastante introspectivo e melancólico, e conta com a colaboração do amigo Josh Klinghoffer (atual guitarrista do RHCP). A voz “feminina” em “Omission” é dele. Falar das faixas individualmente é diminuir a genialidade do trabalho. É tudo maravilhoso, uma verdadeira obra-prima. A interpretação de Frusciante é impressionante. A princípio sua voz aguda pode soar um pouco estranha, mas combina perfeitamente com o clima das canções. Uma curiosidade: Frusciante gravou posteriormente uma versão acústica do disco e de maneira incrível ele conseguiu deixar tudo soando diferente, mas igualmente genial.
John Frusciante (Guitarra, vocais, sintetizador e teclados), Josh Klinghoffer (Sintetizador, baixo, guitarra base e vocais), Chad Smith (Bateria), Flea (contrabaixo), Greg Kurstin (Piano Wurlitzer) e Omar Rodríguez-López (Slide guitar)
1. Carvel
2.Omission
3. Regret
4. Ricky
5. Second Walk
6. Every Person
7. -00Ghost27
8. Wednesday’s Song
9. This Cold
10. Failure33 Object
11. Song to Sing When I’m Lonely
12. Time Goes Back
13. In Relief
14. Water
15. Cut-Out
16. Chances
17. 23 Go In to End
18. The Slaughter
Red Hot Chilli Peppers – By The Way [2002]
Sem dúvida o trabalho mais injustiçado dos Red Hot Chilli Peppers. Sim, By The Way fez bastante sucesso, especialmente pelos mega hits “Can’t Stop”, “The Zephyr Song” e a faixa-título, que tocaram à exaustão. Mas o disco é muito mais do que isso, e supera facilmente o aclamadíssimoCalifornication (1999), por dois simples motivos. Primeiro: Apesar de ser a volta de John à banda e representar a nova abordagem guitarrística única do cara, By The Wayé o disco dos Chilli Peppers que tem mais a cara de Frusciante. Com exceção de duas ou três músicas, as faixas são extremamente melódicas, melancólicas e trazem uma marca muito forte do guitarrista, além de suas emocionantes performances vocais. Segundo: Californication é um ótimo álbum, e não tem como falar mal de clássicos como “Otherside”, “Scar Tissue”, “Around The World” e a faixa-título, mas o restante do tracklist fica muito abaixo. Já em By The Way, acontece o contrário. Os sucessos ofuscam os grandes momentos do álbum, e temos pérolas escondidas sensacionais. A viajante “Universally Speaking” até que ficou conhecida na época, e traz um timbre de guitarra limpo e refrão marcante com a voz característica de Anthony Kiedis complementado pelos backing vocals de Frusciante. A maravilhosa “Dosed” é o maior clássico esquecido da banda. É sem dúvida uma das cinco melhores canções dos caras, e nunca foi contemplada ao vivo. A performance de Fruscia é violentíssima, tanto na guitarra quanto nos vocais. “Don’t Forget Me” começa lenta, apenas com baixo e bateria. A voz de Kiedis aparece e uma guitarra psicodélica chega cortando. O clima vai subindo até explodir em um refrão arrepiante. O solo de Frusciante nessa música é de chorar. A bonita “Tear” é marcada pelos backings de John e o solo de trompete de Flea.”I Could Die For You”, “Midnight” e a vibrante “Venice Queen” também são pequenas obras-primas, mas gostaria de destacar a jamais lembrada “The Minor Thing”, onde Frusciante faz a guitarra chorar de maneira inacreditável. By The Way é um ponto altíssimo na carreira do RHCP e de John, mas infelizmente ficou renegado em função dos hits exaustivamente reproduzidos. Uma pena.
Anthony Kiedis (Vocais), John Frusciante (Guitarra, sintetizador, teclados, piano e backing vocals), Flea (Baixo, trompete e backing vocals), Chad Smith (Bateria e percussão)
1. By The Way
2. Universally Speaking
3. This is The Place
4. Dosed
5. Don’t Forget Me
6. The Zephyr Song
7. Can’t Stop
8. I Could Die For You
9. Midnight
10. Throw Away Your Television
11. Cabron
12. Tear
13. On Mercury
14. Minor Thing
15. Warm Tape
16. Venice Queen
The Mars Volta – The Bedlam in Goliath [2008]
No seu trabalho solo, Frusciante explorou elementos diferentes do que fazia no RHCP, focando em composições mais acústicas, ou usando a guitarra apenas como suporte, não como principal instrumento. Para quem sentia falta do lado mais agressivo e virtuose do cara, sua colaboração com o The Mars Volta é um deleite. Amigo de Omar Rodriguéz-López, John já tinha feito algumas participações nos discos De-loused in The Comatorium (2003) e em Frances The Mute (2005). Mas só em Amputechture (2006) e The Bedlam in Goliath que ele participaria por inteiro, tocando guitarra em todas as faixas. Escolhi Bedlam por ser mais bem acabado e direto que o anterior, e a presença de Frusciante ser mais marcante. Mas já fique avisado que não é um disco fácil. As faixas são todas longas e recheadas de experimentações, mudanças de andamento e requer algumas audições para ser digerido. Quem gosta do estilo, vai pirar. Apesar de não ter o direcionamento artístico comandado por Fruscia, vale como um registro diferente de tudo que ele fez na carreira.
Omar Rodriguéz-López (Guitarra e sintetizadores), Cedric Bixler-Zavala (Vocais), Isaiah Ikey Owens (Teclados), Juan Alderete (Baixo), John Frusciante (Guitarra), Thomas Pridgen (Bateria), Marcel Rodriguez-López (Percussão e teclados) e Adrián Terrazas-González (Flauta, sax tenor, sax soprano, clarineta e percussão)
1. Aberinkula
2. Metatron
3.Ilyena
4. Wax Simulacra
5. Goliath
6. Tourniquet Man
7. Cavalettas
8. Agadez
9. Askepios
10. Ouroboros
11. Soothsayer
12. Conjugal Burns
John Frusciante – The Will to Death [2004]
Diferente de Shadows Collide With People, o álbum mais caro e também de produção mais pomposa de Frusciante, em The Will To Death ele optou por fazer algo mais minimalista. O resultado é um registro bem cru, com mais guitarras do que o habitual e talvez o mais próximo que ele chegou de seu trabalho no RHCP, principalmente na fase By The Way. Para deixar as faixas com mais espontaneidade, John também optou por gravá-las em no máximo dois takes, sem nenhum retoque posterior. “Para mim, gravar rapidamente, é quando a música ganha vida. Quando não criam uma ideia preconcebida sobre a música, mas deixam a música ir para onde quiser. E quando os erros vêm junto, você recebe-os e deixa-os moldarem a sua imagem da música. Essa gravação foi uma celebração de falhas (…) Também foi muito importante para mim e para a gravação seguir um fluxo de energia do começo ao fim. Isto significava que era sempre sobre a captura do momento. Nenhum retoque foi feito e a mixagem foi feita imediatamente após a gravação. A música nos levou em vez de pensarmos na perfeição dela. Achamos que quando é dada a liberdade para a musica em si, é bom de levar e as energias em torno dela criam sua própria espécie de perfeição*”, afirmou o música em entrevista a respeito do álbum. Essa espontaneidade é perceptível durante a audição e às vezes remete aos discos solo de Syd Barrett. Depois de lançar uma obra-prima, no mesmo ano o cara conseguiu lançar mais um álbum fantástico.
John Frusciante (Vocais, guitarra, teclados, sintetizador e baixo) e Josh Klinghoffer (Bateria, baixo, teclados e guitarra)
1. A Doubt
2. An Exercise
3. Time Runs Out
4. Loss
5. Unchanging
6. The Mirror
7. A Loop
8. Wishing
9. Far Away
10. The Days Have Turned
11. Helical
12. The Will To Death
Após sair dos Red Hot Chilli Peppers em 2009, John Frusciante deixou de fazer shows e tocar guitarra. Todos os seus últimos discos são dedicados à musica eletrônica, e ele mesmo declarou que essa é o método que ele melhor consegue se expressar atualmente. Fez também aparições junto ao grupo de hip-hop Black Knight, e deve inclusive fazer uma turnê com eles, voltando aos palcos depois de muito tempo. John já foi eleito o 18º melhor guitarrista de todos os tempos, pela Revista Rolling Stone, no ano de 2003. Em 2011, eles refizeram a lista e sua posição mudou para o 72º lugar. Também ficou com o posto de 43º melhor guitarrista segundo o site da Gibson e foi considerado o melhor guitarrista desde 1980, segundo uma votação da Rádio BBC. Apesar desse reconhecimento da crítica, uma grande parcela dos fãs de música tem bastante preconceito com Frusciante, principalmente por o relacionarem imediatamente ao RHCP, uma banda que está longe de ser unanimidade entre os mais puristas. Mesmo assim, John tem uma legião de admiradores do seu trabalho, que inclusive se organizam em páginas na internet, e grupos pelas redes sociais. Que esse post sirva pelo menos como porta de entrada para a maravilhosa obra desse músico tão brilhante e diferenciado.
Bônus:
Na série American Recordings de Johnny Cash, produzida por Rick Rubin, Frusciante gravou duas faixas, entre elas tocou guitarra na versão de “Heart Of Gold” do Neil Young. Além de representar bem seu estilo e timbre únicos, é uma de suas performances mais incríveis, que mostram como o cara é diferenciado, e consegue fazer música boa brincando. Composição de Neil Young, a voz de Johnny Cash e a guitarra de John Frusciante. Uma das coisas mais maravilhosas que o mundo da música já produziu. Clique aqui e ouça.
*citação retirada do site Universo Frusciante.