Ministry – Live Necronomicon [2017]
Por Micael Machado
Houve uma época em que o Ministry era um dos maiores grupos de heavy metal do mundo, sendo possivelmente o nome mais destacado do chamado “industrial metal” no começo da década de 1990. Isto ocorreu graças a dois álbuns de qualidade excepcional, The Mind Is A Terrible Thing To Taste, de 1989, e ΚΕΦΑΛΗΞΘ (popularmente conhecido como Psalm 69: The Way to Succeed and the Way to Suck Eggs), de 1992, os quais consolidaram o nome da banda mundialmente. Pois foi justamente entre estes dois registros que o Ministry colocou no mercado seu primeiro álbum ao vivo oficial (também lançado em vídeo), In Case You Didn’t Feel Like Showing Up (Live), de 1990, gravado a 22 de fevereiro daquele ano em Merrillville, no estado norte-americano de Indiana, e que, apesar de conter menos de quarenta minutos e apenas seis faixas da apresentação daquela noite, conseguiu reconhecimento como um dos melhores discos ao vivo dos anos 90, ganhando imediatamente a simpatia e aprovação unânimes dos fãs da banda (particularmente falando, uma das primeiras camisetas “de banda” que comprei lá pelos meus 17, 18 anos, trazia a capa do disco estampada, o que deve servir para demostrar meu apreço pela obra). Vinte e sete anos depois, em 2017, um acordo com a gravadora Cleopatra Records colocou no mercado em edições tanto em CD como em vinil (ambos duplos), e também nas hoje obrigatórias plataformas digitais, uma versão ampliada daquele registro, chamada Live Necronomicon, e que, apesar de não contar com a íntegra do show executado naquela data, serve para mostrar um lado até então quase desconhecido da carreira da banda de Chicago.
O Ministry, à época, era formado em sua versão de estúdio pela dupla Alain “Al” Jourgensen (vocais, guitarra, programações) e Paul Barker (baixo, teclados, programações). Mas, ao vivo, além de tocar por trás de uma cerca de arame (repetidamente derrubada pelos fãs ao final das apresentações), a banda se transformava em um combo de dez pessoas, agregando às suas fileiras o recentemente falecido Bill Rieflin (à época, também membro do Revolting Cocks, do Pigface e do Lard, e futuramente integrante de grupos como KMFDM, Swans, R.E.M. e King Crimson) e o ex-PIL Martin Atkins (que depois faria parte do Nine Inch Nails) em duas baterias, um quarteto de guitarras formado pelo ex-Rigor Mortis Mike Scaccia (parceiro de Al tanto no Ministry quanto em diversos projetos paralelos até sua morte, em 2012), o ex-U.K. Subs Terry Roberts, o também membro do Pigface William Tucker, e o líder do Skinny Puppy Nivek Ogre (também responsável por teclados e vocais), além do tecladista e vocalista Chris Connelly (também do Revolting Cocks e do Pigface) e de Joe Kelly nos backing vocals. Nesta noite em particular, este aglomerado ainda contou com a participação especial de Jello Biafra (ex-Dead Kennedys, e parceiro de Al e Paul no Lard), e são as músicas de vários destes grupos “paralelos” citados aqui que tornam Live Necronomicon tão interessante.
Isto porque, das quatorze faixas do disco, apenas oito são originais do Ministry, concentrado-se apenas nos álbuns The Land of Rape and Honey (de 1988) e o já citado The Mind Is A Terrible Thing To Taste, pois já naquela época Al renegava seus dois primeiros registros, With Sympathy (de 1983) e Twitch (de 1986), mais próximos do synth-pop que do industrial que a banda praticava então. As seis faixas de In Case You Didn’t Feel Like Showing Up (Live) aparecem aqui em versões mais cruas, em certos casos ampliadas, e, de acordo com alguns artigos que li, sem os “overdubs” presentes na versão de 1990 (coisa que, honestamente, não sei afirmar, pois a música do Ministry é tão cheia de samplers e efeitos que é difícil dizer o que é pré-gravado e o que é efetivamente executado ao vivo), com destaques, ao menos para mim, para os hipnotizantes mais de onze minutos de “So What” e para aquela que talvez seja a minha música favorita da discografia da banda, a sensacional “Stigmata“. As outras duas faixas originais do grupo aparecem na abertura (com uma longa versão para “Breathe”) e no final do disco (uma pesada e apocalíptica redenção da faixa título de The Land of Rape and Honey, que parece se estender por bem mais que seus cinco minutos e meio, e que, no vídeo, conta com uma performance artística “especial” de Biafra).
Completando o track list de Live Necronomicon, temos seis covers de bandas e projetos dos músicos presentes no palco, algo que o Ministry raramente (ou nunca mais) faria em suas turnês posteriores, configurando assim o tal “lado desconhecido” que citei lá no início, pois, eu pelo menos, não tinha conhecimento desta faceta de “banda cover” que o grupo assumia ao vivo. As versões iniciam com as músicas “Man Should Surrender” e “No Bunny”, ambas do Pailhead, projeto de Al e Paul ao lado de Ian MacKaye, membro do Minor Threat e do Fugazi (e que também contou com Bill Rieflin na bateria), duas faixas que, com um pouco mais de “sujeira”, passariam fácil por composições originais do Ministry, e que, graças à ausência de maiores dados na ficha técnica, não tenho como dizer qual dos membros da banda está nos vocais, mas arrisco a dizer que não é Al. A coisa muda de estilo nas versões para “Smothered Hope”, do Skinny Puppy (com Nivek Ogre nos vocais) e “Public Image“, do PIL, ambas trazendo um certo clima “punk” para o álbum, especialmente a segunda, onde o vocalista (mais uma vez não sei dizer quem) emula quase a perfeição o estilo de John Lydon. Fechando com chave de ouro, temos a presença de Jello Biafra na execução de duas faixas do Lard, “The Power Of Lard” (que começa como um funk pesado, com destaque para o baixo de Barker, e descamba em um furioso hardcore) e “Hellfudge“, que, de alguma forma, sempre me lembrou o estilo adotado pelo Dead Kennedys em seus dois últimos álbuns.
Tendo algumas edições limitadas em vinil colorido vermelho, branco e azul (além do tradicional preto), Live Necronomicon deixou de fora algumas faixas executadas naquela noite, como um interlúdio chamado “Country Interlude”, uma cover para “Stainless Steel Providers”, do Revolting Cocks (outro dos muitos projetos de Al e Paul) e dois discursos (chamado em inglês de “spoken words”) de Jello, “Message from our Sponsor” e “Pledge of Allegiance”. Mesmo assim, é um álbum obrigatório para os fãs da banda e do estilo, pois eleva em muito o nível apresentado em In Case You Didn’t Feel Like Showing Up (Live), além de capturar o Ministry no auge de sua forma, a qual ainda se manteria na excursão seguinte, mas nunca mais atingiria este mesmo patamar nos anos futuros. Confira!
Track List:
CD 1
1. Breathe
2. The Missing
3. Deity
4. Man Should Surrender
5. No Bunny
6. Smothered Hope
7. So What
8. Burning Inside
CD 2
1. Thieves
2. Stigmata
3. Public Image
4. The Power Of Lard
5. Hellfudge
6. The Land Of Rape & Honey
O Ministry tem fases incrivelmente inspiradas e fases bem abaixo da média. Mas acho que os altos compensam os baixos. Sinto que a banda tenha vindo ao Brasil apenas uma vez nesses anos todos de carreira. Fui ao show da banda em São Paulo em 2015. Se por um lado tive a alegria de curtir alguns clássicos (mais ao fim do show), por outro lado fiquei chateado por achar que a banda pudesse fazer um show só de clássicos levando em consideração o fato de nunca ter tocado aqui. Mas não aconteceu. Fez exatamente o mesmo show que fez em lugares que tocava a cada dois anos. Uma pena mesmo.
De qualquer modo, acho que é uma banda que mais gente que curte Heavy ou Trash deveria dar uma olhada. Pois tem coisas incrivelmente acima da média. Além dessa tour mencionada no artigo (relmente “In case you didn’t feel…” é um discaço ao vivo assim como os vídeos do show (tinha inteiro no youtube, agora só fragmentado em vídeos separados). Mas recomendo também dar uma olhada no álbum e vídeo da Sphinctour que também é espetacular, tour do Psalm 69. Embora goste mais do primeiro ao vivo, é nesse que o Al Jourgensen está mais dominante e inspirado nos palcos.
Interessante mencionar também que a intensidade da Sphinctour acabou virando um documentário muitos anos depois chamado Fix que aborda todo aquele universo de modo bastante visceral.
O Ministry foi se tornando uma banda muito mais heavy metal e deixando suas raízes iventivas industriais (que, apesar de eu ser um fã de heavy e trash, tenho mais carinho pelo Minisry em sua fase industrial). Os roqueiros mais avessos à invencionismos provavelmente irão curtir muito o álbum ao vivo ‘Adios… Putas Madres’. Baita sonzera. Fica aí a recomendação.
E uma nota de rodapé: curiosamente, embora Al tenha renegado durante os anos a fase pré-Land of Rape and Honey, apareceram um álbum ao vivo de 1986 e outro de 1982 no Spotify.
Valeu pelo comentário, Rodrigo! Eu também tenho mais apreço pelo Ministry mais “industrial” do que por aquilo que a banda se tornou após a saída de Paul Barker! E eu tenho em vinil esse ao vivo de 1986 que você mencionou, além do Sphinctour, outro baita ao vivo mesmo (os posteriores ao vivo em Wacken e Paris já contam com um repertório muito focado na fase “pós-Barker” para o meu gosto).