Tralhas do Porão: Incredible Hog
Por Ronaldo Rodrigues
O jovem Ken Gordon nasceu em uma família musical – seu pai era violinista e cantor, tendo inclusive feito parte da orquestra da cidade de Leeds, e sua mãe tateava piano. O pai precisou abandonar o ofício musical para ter uma ocupação mais rentável e mãe era enfermeira. O ambiente familiar era rodeado de música clássica, mas o garoto ouvia a programação popular das rádios com muito entusiasmo e, pelo rádio, se apaixona pelos pioneiros do rock, como Elvis Presley, Chuck Berry, Buddy Holy, The Shadows e etc.
A medida que os 50 davam lugar aos 60, o repertório de Ken Gordon foi sendo acrescido de Beatles, Rolling Stones, r&b norte americano e muito blues. O blues britânico foi a principal escola para o já adolescente Ken Gordon, que sonhava empunhar uma guitarra e ser tão bom quanto Peter Green, Eric Clapton, Rory Galagher, Jimi Hendrix e Kim Simmonds.
Como na maioria das bandas de rock, a (pré) história do Incredible Hog começou na escola. Ken Gordon, com 18 anos, já tinha uma guitarra e se arriscava no instrumento. Em 1968, ele e o amigo Jim Holmes montaram uma banda amadora. Outros dois amigos da escola completavam o time batizado como Speed Auction; com eles, a maturidade musical ia sendo construída gradativamente com versões das canções de blues americano que faziam a cabeça dos jovens ingleses. No ano seguinte, porém, os garotos todos concluíram os estudos e foi cada um pro seu lado. Jim Holmes persistiu na música, assumindo o baixo como instrumento principal, e entrou em uma outra banda pouco tempo depois. Já Ken Gordon ficou tocando em casa, escrevendo e se aprimorando.
Algum tempo depois, uma espécie de retorno aos tempos de Speed Auction aconteceu – Jim Holmes e Ken Gordon voltaram a se reunir com o baterista Alan Drew para tirar um som. Na ocasião, a cabeça dos garotos já tinha pretensões maiores. O nome anterior foi abandonado e eles adotaram brevemente o nome de Monolith, até achar que aquilo era conceitual demais. Resolveram então passar a se chamar The Hog até que algum deles teve a idéia de parodiar o personagem Incrível Huck, passando a se chamar como Incredible Hog.
O ano era 1971; o baterista Alan Drew sofreu um acidente de moto e partiu dessa pra melhor. Jim Holmes, em suas andanças musicais tinha conhecido o baterista sul-africano Tony Awin e este foi convidado para assumir o posto do já batizado Incredible Hog. A mãe de Gordon era enfermeira residente em uma clínica e o cirurgião de lá, ainda que não aprovasse o visual hippongo da rapaziada, permitiu que eles ensaiassem no porão da clínica. O local era um bocado insalubre, mas permitia que o Incredible Hog ensaiasse o quanto quisesse, no volume que quisesse. O local aos poucos foi virando uma espécie de ponto de encontro para os malucos dos arredores de Londres.
Gordon, Holmes e Awin eram apenas garotos suburbanos pobres que estavam a margem do que rolava nos bastidores do rock. Não tinham contatos, nem podiam ficar freqüentando os locais descolados da época. Mesmo com trabalho duro era muito difícil sair da estaca zero. Gordon, o guitarrista, vocalista e compositor da banda, ingenuamente enviava fitas demo das músicas da banda para todos os selos londrinos, mas as respostas ou não vinham ou eram negativas. Um dia, rodando nos arredores da zona oeste de Londres com uma fita demo em mãos, Gordon viu uma placa identificando o escritório de uma pequena gravadora (Dart Records) e resolveu entrar lá. Frustrado, mas ao mesmo tempo disposto a tudo, Gordon decidiu que ficaria no escritório da Dart Records até que um dos gerentes lhe desse a devida atenção. Depois de ficar horas lá e ser ameaçado pela polícia, ele conseguiu o que queria – um dos executivos do selo, Tim Satchell, ouviu a fita e depois de algumas semanas ofereceu um contrato para o Incredible Hog.
A coisa demorou um pouco a acontecer e ficou distante do que os garotos esperavam. As sessões de gravações foram esparsas, pois o estúdio (Mayfair) estava dedicado a produzir a estréia de uma aposta da Bell Records no universo glam – Gary Glitter – e o engenheiro de som dedicado a conduzir o trabalho – Trevor Vallis – não era alguém que entendia como fazer uma banda de rock pesado soar bem em estúdio. O próprio produtor contratado pelo selo também era alguém sem intimidade com o rock – Roger Watson, mais conhecido por seus trabalhos com música folclórica e erudita. Mas enquanto as questões relativas ao disco não aconteciam, a banda tocava com freqüência ao vivo, inclusive tendo a iniciativa de montar uma espécie de clube próprio (o Pig Sty) em Essex, para se apresentar e acolher outros grupos iniciantes.
Ainda que a banda fosse bastante esforçada, não foi possível para Gordon usar todo o volume de seu amplificador Marshall e extrair o melhor som de sua Gibson SG no estúdio. O embate entre a banda e o staff técnico do estúdio deixou muita frustração no ar, ainda que seja importante ressaltar ao leitor que o disco de estréia do Incredible Hog soa muito bem e, não a toa, é cultuado por colecionadores de rock pesado do começo dos anos 70.
Lançado em 1973, o excelente disco de estréia foi batizado só como Volume I. O disco é um petardo do começo ao fim – a paulada sonora começa com “Lame”, um boogie setentista safado; em seguida o blues-rock frustrado de “Wreck my Soul?” revela o talento de Gordon na construção de bons riffs. Temos ainda a belíssima “Execution”, com seu clima estradeiro e melancólico, as faixas peso-pesado “Tadpole”, “Warning” e “There’s a Man” e para quebrar um pouco o clima, as acústicas “Walk the Road” e “Losing Myself”.
Volume I foi também lançado na Alemanha, Espanha e França e as faixas “Lame” e “Warning” saíram como compacto para divulgação. Mas nada de relevante aconteceu – a Dart não tinha uma estrutura de promoção adequada, o grupo não tinha um empresário para promover seus shows, as críticas na imprensa musical trataram o grupo como apenas “mais um” e os próprios garotos não acreditavam muito no potencial do disco, já que ele não tinha saído como eles gostariam. Ainda que nos palcos a banda fosse bem recebida pelo público – tocando junto com bandas de maior renome como Status Quo, Thin Lizzy, Supertramp e Skid Row (de Gary Moore) – nada disso fez a banda sair do underground. Apenas rádios de pequena expressão tocavam seu compacto e uma meia dúzia de malucos acompanhava a banda consistentemente.
A banda então se desfez em meio ao fracasso do álbum e a falta de perspectivas. Ken Gordon então passou a dedicar-se ao teatro e fez dele seu novo ofício. Os demais membros não conseguiram uma carreira consistente na música nos anos seguintes. Em 2011 o selo Rise Above relançou o álbum incluindo 4 faixas até então inéditas, oriundas de um ensaio do grupo, que serviria como teste de som em um estúdio recém construído em East London. 2 faixas eram composições inacabadas do grupo (“Burnout” e “Finger Fish”) e duas eram releituras, incluindo uma poderosíssima versão de “Going Down“. Com a exposição trazida pelo relançamento, a banda fez alguns shows na Europa.
Sensacional a meteria, parabéns Ronaldo por mais esse levantamento histórico!
Ouvi aqui
Vale pelo garimpo,mas não sei se o nível dos caras era suficiente para ter uma carreira mais longa mesmo.