Direto do Forno: Quilombo – Itankale [2019]
O grupo paulista Quilombo é formado por Allan Kallid na guitarra e baixo e Panda Reis na bateria e vocal, a banda lançou ano passado seu primeiro EP, intitulado Itankale, pelo selo Poluição Sonora Records levando seu estilo contestador aos quatro cantos, o qual foi recebido pela Consultoria no formato físico para resenha. No conceito do EP, o disco conta a história do Africano que veio escravizado para o Brasil e precisa se adaptar a uma realidade completamente diferente do que viviam até então. Reis, Príncipes e Rainhas mudaram de vida da noite para o dia, povos que tinham a natureza como sua principal característica passaram a ver sua realidade virada ao avesso. Um povo, uma etnia toda perseguida, torturada, escravizada, estuprada e perseguida até quase seu extermínio e mesmo assim persistente, sobrevivendo e influenciando seus algozes.
Como foi à história do Africano durante e após o cativeiro e como se encontra sua realidade em pleno século XXI, mas não pela visão que conhecemos nos livros e na história caucasiana, escravocrata e racista, que enfiaram goela abaixo isto ao longo dos anos, hoje os africanos estão escrevendo seu passado, sua história, com a veracidade dos reais fatos, pela ótica de quem apanhou, de quem foi acorrentado e arrancado de seu país, de seu povo, pela ótica de quem foi açoitado, espancado e morto nos troncos e caçados nas matas, simplesmente por serem africanos. Assim o Quilombo traz em quase vinte minutos no EP Itankale sua visão de toda essa história, contada por mão negras.
A ideia do grupo é muito boa e justa, porém, musicalmente há uma grande falha ao tentar atingir esse objetivo. Apesar de o EP vir acompanhado com as letras, o gutural de Panda é praticamente impossível de se entender. O que eu curti nas canções foram as introduções, com referências a músicas africanas. Por exemplo, “Melanina” até me animou bastante quando surgiu nas caixas de som, com os vocais africanos, e uma linda melodia de pouco mais de um minuto. O instrumental surgiu destruindo tudo, pancadaria geral, mas não dá para entender nada do que está sendo cantado. Se é português, inglês, russo, mandarim, não faz diferença. É uma massaroca sonora que não me agradou. Os atabaques e agogô, a cargo de Binho Gerônimo, tornam a canção mais compreensível, e aí percebemos que Panda está cantando em português. É um trecho legal da canção, pesadão, com uma guitarra aguda solando ferozmente, mas os vocais podiam estar bem mais claros para passar a mensagem que a banda quer. O encerramento com as percussões e a repetição das notas de guitarra também são interessantes, mas o problema realmente é o vocal.
As introduções africanas estão presentes nas demais faixas, com um belo blues em “Ancestralidade”, o pequeno show dos berimbaus em “Treze Nações”, lindas vocalizações africanas em “Descendentes De Reis” e “Semi Deusas”, ou o reggae de “Diáspora d. C.”, cujo encerramento é um pequeno deleite com as percussões e vocalizações africanas, e todas claramente samplers de canções próprias, e que duram alguns segundos apenas, Mas daí, quando entra as guitarras, ok, legal, mas os vocais, não dá para aguentar. Os solos poderiam ser melhor trabalhados, mas as bases são interessantes. E como as canções são curtas, com três delas tendo menos de dois minutos, incluindo as introduções, do nada elas acabam …
O Quilombo anuncia no seu release que não veio para causar desigualdade ou pender a balança para um lado, mas veio para falar a versão à visão de quem não tinha voz e nem direito de escrever e falar de si mesmo, e sim equilibrar a balança. Porém, falar com esse gutural tão forte não transmite a importante ideia pensada pelo duo. Como sugestão, o instrumental está muito interessante, e pode ser melhorado e ampliado, para tornar as canções mais longas, e por favor, parem com esse gutural. Se é para transmitir a mensagem de forma clara, ainda mais em tempos de que tem gente que acha que a Terra realmente é plana.
Track list
1. Melanina
2. Ancestralidade
3. Treze Nações
4. Descendentes De Reis
5. Semi Deusas
6. Diáspora d. C.