A trajetória do Wishing Tree
Texto enviado pelo colaborador especial: Rafael Senra
Editado por: Ronaldo Rodrigues
Em seus mais de quarenta anos de atividade, a banda britânica de rock progressivo Marillion chama a atenção, dentre vários méritos, por sua constante produção. Não passou um ano sequer em que eles não estivessem ocupados lançando novos discos ou fazendo longas turnês. Apesar dessa atividade intensa, seu guitarrista Steve Rothery conseguiu encontrar pequenos hiatos para realizar um curioso e impressionante projeto paralelo.
Em 1996, Rothery se uniu à vocalista Hannah Stobart, e juntos lançaram Carnival of Souls, primeiro disco da banda The Wishing Tree. Para o próprio Rothery, essa iniciativa não deveria ser propriamente um “projeto paralelo”, mas uma banda de fato (ainda que ele nunca manifestasse desejo de sair do Marillion, para alívio dos fãs). Contudo, ficou claro para o guitarrista que nenhuma das duas iniciativas da TWS (além de Carnival… em 1996, lançaram Ostara em 2009) geraram lá muito interesse, o que contribuiu para deixar a banda na geladeira. A meu ver, parece inexplicável que fãs do Marillion não dessem tanta atenção à essa empreitada de Rothery e Stobart. Para mim, os dois discos do Wishing Tree são simplesmente fantásticos, conseguindo aliar a essência do próprio Marillion com outros ingredientes muito bem-vindos (em vários momentos, eles lembram uma ótima e subestimada banda de neoprog chamada Solstice, cujo guitarrista Andy Glass já foi elogiado por Rothery). A voz aguda de Hannah Stobart e a melancolia das composições traz brisas de um ar meio celta/pagão, ainda que as guitarras e a pegada do projeto como um todo deixem claro o quanto Steve Rothery é essencial para a sonoridade do Marillion.
No primeiro disco, Carnival of Souls, a banda de apoio do Wishing Tree é bem interessante, a começar por Pete Trewavas, colega de Rothery no Marillion e que assume os baixos também nesse projeto. Paul Craddick, da banda americana Enchant (que já foi produzida por Rothery), contribui com baterias e teclados. Apesar de serem músicos de apoio, Trewavas e Craddick imprimem uma assinatura bem interessante em suas participações, e destaco aqui as linhas de bateria de Craddick, que oscilam entre a suavidade e a intensidade com muito bom gosto. A própria capa de Carnival of Souls já demonstra que o disco do Wishing Tree flerta com uma sonoridade meio gótica, contudo, fazem isso sem abrir mão do toque progressivo. É como se o Marillion se fundisse a bandas como Autumn’s Grey Solace, por exemplo. Em faixas como “Starfish” ou “The Dance”, nota-se apenas Rothery nos violões e guitarras e Stobart nos vocais, e são oportunidades para apresentarem belas baladas de acento folk. Já outras faixas, como “Evergreen” e “Nightwater”, trazem uma sonoridade de banda completa, que soam como um tipo de progressivo gótico.
É interessante que a própria Nightwater teve participação de Steve Hogarth (vocalista do Marillion) na composição; entretanto, Hogarth vetou que a canção fizesse parte do disco The Seasons End (1989) por soar muito “gótica”. Outras faixas de Carnival of Souls são ainda mais antigas, como “Evergreen”, que foi escrita na época em que Rothery e o Marillion trabalhavam no disco Clutching At Straws (de 1987, ainda com o saudoso vocalista Fish). E foi na época do disco Holidays in Eden (1991) que Rothery escreveu “Midnight Snow”. Por sinal, eu elencaria essa faixa “Midnight Snow” como a verdadeira obra prima de Carnival of Souls. Basta que eu dê o play, e é como se um universo céltico delirante se abrisse diante de mim. Aqui, a banda está completamente solta, e, em alguns momentos, Pete Trewavas sola seu baixo ao mesmo tempo em que Rothery executa belos e delicados solos de teclado. A suave bateria de Craddick contribui para o clima onírico desse tema de tons menores, sendo os solos de guitarra de Rothery (sobretudo os da parte final) alguns dos mais belos já tocados por ele (na minha opinião, pelo menos).
O disco Ostara, de 2009, contou novamente com Stobbart, Paul Craddick e o engenheiro de som Mike Hunter (que também esteve no primeiro disco), ainda que, dessa vez, o som assumisse, nas palavras do próprio Steve Rothery, uma influência maior de Portishead e Alanis Morissette (o que, a meu ver, trouxe um acento mais pop e menos gótico, descaracterizando um pouco o projeto). De todo modo, é nítido que Rothery investiu bastante na banda The Wishing Tree, e me parece completamente compreensível sua indignação diante da pouca audiência gerada pelos discos lançados com essa alcunha. Nota-se um claro esmero tanto diante das composições quanto em relação aos arranjos e mesmo a respeito da produção como um todo. Trata-se de uma banda que, definitivamente, merecia maior evidência.
Infelizmente, em 2014, Rothery lançou seu primeiro disco solo, o instrumental The Ghosts of Pripyat, dando a entender que não pretende mais aproveitar suas férias do Marillion com o Wishing Tree. Espero que essa interpretação não se faça cumprir, e possamos, em um futuro não muito distante, ver Rothery e Hannah Stobart unirem forças novamente.