Unleash The Archers – Abyss [2020]
Por Anderson Godinho
Precisamos falar dos canadenses do Unleash the Archers, ou mais carinhosamente, UTA.
Lá estava eu, em pleno dia paranaense do metal, com os olhos molhados revivendo momentos gloriosos do finado André Matos com o Shaman e então os Deuses Algorítimos do Metal colocaram a música ‘Tonight we ride’ de uma banda chamada ‘Unleash the Archers’ para rodar em minha tela. Minhas lágrimas de pesar secaram e os olhos arregalaram em meio a um agudo impressionante! Estava este viúvo que vos escreve, amando novamente.
Curiosamente pouquíssimo tempo depois foi lançado dois novos singles da banda (“Abyss” e “Soulbound”) e começaram a pipocar entrevistas e reportagens com a esplendorosa Brittney Slayes (vocalista da banda) divulgando o novo álbum intitulado Abyss, e meus amigos… que obra de arte!
Deixando o puxa-saquismo de lado é importante contextualizar o novo trabalho do UTA. Trata-se de uma continuação do antecessor Apex. Os dois álbuns contam a história do herói “The Immortal” em meio a epopeia da antagonista “The Matriarch” em busca da imortalidade. Como não sou adepto dos famosos spoillers sugiro que ouçam as duas obras em sequência e, mesmo, que entrem no canal da banda ou da Napalm Records onde a magnífica Slayes faz um track-by-track explicando a história.
Mas e o álbum? Vamos lá: “Walking Dream” é a intro. Uma levada com ar místico, sugere um estado de dormência, de confusão mental. Apenas quatro frases ditas repetidamente em meio a uma crescente imposta pela banda e acompanhada no vocal. Ao final ‘a deixa’ para a primeira paulada, “Abyss”. Cá estamos nós já imersos! Um som que leva o nome do álbum não pode falhar, não tem o direito de ser somente ‘ok’ e este não decepciona, temos um Power Metal clássico! Uma base de teclado sólida joga o ‘talco no salão’ para a entrada dos guitarristas Grant Truesdell e Andrew Kingsley, bem como para o baterista Scott Buchanan mostrarem suas armas, 45 segundos depois Slayes ataca e chama os demais para um clássico “heyy, heyy, heyy!”. A música se desenrola com uma cadência constante e rápida impressa por Buchanan e com um riff que nos remete aos bons tempos de EdGuy em Tears of a Mandrake. É uma música com muita melodia. Em seu ápice Slayes sobe o tom e nos presenteia com um pouco do “algo a mais” de sua bela voz. Nos solos podemos perceber o clássico duelo entre um guitarrista virtuoso (Andrew Kingsley), enquanto Grant Truesdell, além de poser, se atraca nas palhetadas e na melodia. Enfim, este som tende a se manter por um longo tempo no cast da banda! Som pra bater cabelo!
Após este primeiro momento de clássico Power Metal, a banda ousa sair de seu quadrado com “Through Stars”, belíssima música. É muito perigoso fugir da receita no meio metal. Quantos exemplos podemos dar… Edguy com o Space Police ou mesmo o Helloween com o polêmico Chameleon. Eis que o UTA recorre ao Hard Rock. Bom, eu, fã de hard rock que sou, achei muito interessante. Uma sonoridade no estilo Europe, com elementos claros de Mr.Big, porém metal. Vamos ao check list: Muita melodia (Ѵ); Refrão grudento (Ѵ); solos slashianos (Ѵ); Viradas marcantes pré-refrão (Ѵ); Back-vocals suaves do resto da banda (Ѵ); UUuuUUU (Ѵ). Mas não se engane, é uma música poderosa. Por incrível que pareça não soa fulgaz dentro do disco, soa mais como um dos pilares.
“Legacy” soa como um marco no álbum. O primeiro ato está terminando, a sensação de esperança, de que algo melhor ainda pode vir. O destaque aqui é a parceria entre o casal (literalmente casal) Slayes e Buchanan. Enquanto ele, com o seu bigode, insere o elemento força, vitalidade, velocidade e ansiedade, ela equilibra com carinho, suavidade, cadência e serenidade. É bater na mesmice, mas a palavra que vem na minha cabeça é esperança, é beleza. Retornamos ao metal melódico com estilo!
Creio que os amantes de Avantasia e Blind Guardian vão gostar muito de “Return to Me”. O segundo ato começa e retoma a tônica do antecessor Apex, estamos em meio ao que de melhor podemos retirar das bandas citadas. O elemento, tão comum nas outras obras do UTA, gutural retorna com força e melodia. Há quem atribua o termo Death Metal Melódico para esta música, e se você procurar irá achar o nome da banda em listas do gênero, particularmente acho uma heresia isso… mas vindo dos tabloides norte americanos podemos entender…inclusive pelo fato de ser uma banda canadense. Presenciamos a batalha travada entre Slayes e Truesdell nos vocais e aquela guitarra clássica do estilo Blind. Aquela uma que segue os vocalistas onde vai. Um novo começo merece uma nova premissa e a banda acerta nisso. Está feita a base para o novo Ato!
“Soulbound” é uma Paulada! O disco volta a crescer no Power Metal, a sensação de maldade, crueldade emana da música. Temos a fase “Gamma Ray” da banda ganhando força. Uma bateria rápida e seca com viradas rápidas dentro do compasso. Nas guitarras o que chama mais a atenção é um solo menos virtuoso que abre margem para improvisação em shows ao vivo. A música demanda essa postura. Nos vocais nossa dinâmica Brittney nada de braçada entre passagens mais altas e outras rasgadas. Passagens guturais também estão ali encorpando a música. Não é a toa que estamos falando do segundo single da banda, com clipe e tudo mais. É uma música de destaque pelo conjunto da obra.
Chegamos a “Faster Than Light”: Yeees! Essa sequência de pancadas é delirante!! O nome já diz a tônica empregada! Velocidade é o que vocês querem piazada do Djanho!? Então toma! Os primórdios do Primal Fear, aquele redescobrimento do menino Scheepers recém saído do Gamma Ray, sabe? Velocidade com um refrão melódico pra dar liga. Os riffs são prolongados e o tom vai subindo antes do refrão. A bateria é constante, bumbo duplo segura a cozinha até o final. O terceiro quarto da música cadencia o ritmo e prepara para a entrada dela! Que mulher! Chega com os dois pés no peito! Agudo, agressividade, refrão e fim! Hora de alongar o pescoço. “The Wind That Shapes the Land” mergulha na reta final. Terceiro ato, no melhor estilo “Rebellion in Dreamland” e “Rime of the Ancient Mariner”. É a épica do disco, afinal, a receita de um bom álbum de Power Metal clama um som épico. São 8 minutos de batalha entre vocais guturais e limpos, subidas e decidas no tom, duelos de guitarras e tudo isso guiado por cavalgadas maidenianas. O final da música deixa uma sensação de perda, mas de alívio. Novamente o apelo emocional do disco volta aos holofotes.
“Carry the Flame” é um ponto de discórdia. Talvez essa música pudesse ter sido pensada de outra forma. Soa deslocada. É uma música boa que puxa para o hard/ heavy. Slayes e Truesdell compartilham vocais limpos. O destaque é a melodia, nada especial entre as guitarras e a bateria ou mesmo os vocais. Sabendo da história por traz da obra é plenamente compreensível, mas que soa estranho … soa. Chegamos ao final com “Afterlife”, e em alto nível. O final da epopeia do nosso agora íntimo Immortal. Esse som poderia estar no final de um filme como senhor dos anéis, ou de um álbum do Blind Guardian (o que não é muito diferente haha). A melodia no início e fim da música poderia fazer parte de um Holy land ou Ritual da vida. Trata-se da última batalha travada no disco. Um tom ‘post mortem’. Sabe aquele momento que a banda volta ao palco, toca três músicas e SE o público tiver sido muito bom e participativo dão aquela esticada no último refrão com o povo todo cantando e levando na palminha? Então. Linda música.
Minha sensação é a mesma de quando me deparei com o Temple of Shadows do Angra, ou o Black Anima do Lacuna Coil. É uma ruptura na discografia da banda, é um amadurecimento. Com esse álbum o processo iniciado com o Apex se concretiza. Da pra perceber que eles trabalharam com gana, com vontade de subir de patamar. Conseguiram com sobras (isso fica escancarado quando a Napalm os coloca de capa nas redes sociais substituindo o ao vivo do Kamelot). Sem sombra de dúvidas estamos falando da obra prima do UTA. Vão ter que penar para se manter a partir de agora. Julgo ser importante ressaltar que as referências musicais do estilo estão todas ali, mas a banda não soa repetitiva, cópia, mais do mesmo. Tudo isso poderia ser dito da carreira deles até Apex, não que fosse ruim, pelo contrário recomendo fortemente, sabe aquele arroz com feijão bem temperadinho? então. Porém aqui é diferente passaram pra costelada de chão! Não é qualquer um. Por fim, para melhor degustação busque a história contada nos álbuns. Isso ajuda a colocar os pingos nos is e aceitar discrepâncias como “Carry the Flame”.
Track list
1. Walking Dream
2. Abyss
3. Through the Stars
4. Legacy
5. Return to me
6. Soulbound
7. Faster Than Light
8. The Wind That Shapes the Land
9. Carry the Flame
10. Afterlife
* Após uma saga em torno de baixista, desistiram de efetivar um.
** Essa guria é a melhor vocalista desde o finado André. E tenho dito!