Melhores de 2020: Por Ronaldo Rodrigues
Por Ronaldo Rodrigues
Não consegui ouvir uma amostra tão grande de lançamentos neste ano quanto em anos anteriores. E também suspeito que muita coisa ficou represada nos estúdios pela impossibilidade de se promover turnês pós-lançamento nesse ano de 2020. Acabei ficando mais restrito aos meus estilos favoritos (rock progressivo, hard/blues-rock, folk, coisas relacionadas ao jazz) e pouco me aventurei a ouvir coisas de variantes do heavy metal, do pop ou da música eletrônica. Mas, obviamente, há bem mais coisa boa lançada nesse ano de isolamento social do que apenas 10 discos. Os melhores estão aqui listados e, quem acompanha meus textos aqui na Consultoria do Rock verá que alguns nomes são reincidentes nessas listas, já que para minha felicidade, são bandas que tem lançado discos novos com relativa frequência e qualidade consistente. Nos comentários acrescentarei uma lista expandida de outros lançamentos que valem a pena serem conferidos.
Rikard Sjöblom’s Gungfly – Alone Together
Já é a terceira vez que discos do Gungfly aparecem em minhas listas de melhores do ano e, dessa vez, levaram o pódio. Alone Together tem tudo o que um bom trabalho de rock progressivo oferece aos ouvintes – uma sonoridade rica com músicas variadas e muito dinâmicas. Em particular, esses elementos são recobertos por composições muito eficazes e melodias que ficam aderidas na cabeça do ouvinte. A captação do som é cristalina e impressiona os ouvidos mais exigentes. A faixa “Traveller”, que abre o trabalho, é uma síntese de todo o disco, em sua longa duração – mudanças de clima e andamento aplicadas com muita elegância, um virtuosismo sadio e um trabalho instrumental de excelência. A suíte “On the Shoulders of Giants” e sua derivada “Shoulder Variations” conseguem o feito de se destacar em um repertório bastante homogêneo e de alto nível.
Wobbler – Dwellers of the Deep
São poucos os fãs de rock progressivo que ainda não se curvaram ao som do grupo norueguês Wobbler, já aclamado com um dos principais nomes do estilo na atualidade. Dwellers of the Deep mostra uma banda que já adquiriu uma personalidade própria e não é possível mais descrever o som do Wobbler a partir de suas influências. A musicalidade que o grupo construiu desde Rites at Dawn (2011) desdobra-se novamente em um repertório surpreendente e cativante neste novo álbum, adotando o clima mais instrospectivo explorado no álbum de 2011, ao invés das tintas mais escuras e pesadas do álbum anterior, o também excelente From Silence to Somewhere (2017). As linhas vocais bem construídas do grupo continuam sendo um dos maiores diferenciais do Wobbler, assim como as intricadas construções rítmicas executadas com maestria pela banda. O disco é viajante e poderoso, construído sob uma sólida base de melodias e ritmos. A longa “Merry Macabre” mostra a banda se arriscando em uma direção mais psicodélica e um tanto jazzista.
Siena Root – The Secret of Our Time
Fazia algum tempo que o Siena Root não trazia um repertório tão forte em um único disco. Contando com um par de vocalistas fantásticas, a banda acerta em cheio o alvo. O rock n’ roll eclético de The Secret of Our Time traz desde temperos space-rock, a hard/blues venenosos e baladas tocantes. A bagagem de timbres é a melhor possível para quem tem como referência a escola setentista de rock. Todos os instrumentistas estão em ótima forma, então, o ouvinte vai ouvir ótimas composições pontuadas por solos de guitarra alucinantes, intervenções inteligentes de teclados, linhas de baixo poderosas e fantásticas conduções de bateria. Para coroar um disco fantástico, há momentos em que as vocalistas Zubaida Solid e Lysa Lystam (do também excelente Heavy Feather) duelam, como em “Have no Fear”, que foi a faixa de 2020 mais executada nos altos falantes desta redação.
Ozric Tentacles – Space for the Earth
O Ozric Tentacles é um grupo já veterano, formado na Inglaterra em meados dos anos 80. Ainda que eu não acompanhe sua longa discografia, é impressionante como a banda consegue fazer uma psicodelia repleta de significado e frescor nesse novo álbum. É possível capturar em Space for the Earth a mesma intenção dos trabalhos de Steve Hillage no fim dos anos 70, mas com um ar repaginado. Toda a maquinaria de efeitos e os sintetizadores funcionam como engrenagens perfeitas para um som criativo e imaginativo. Creio que até afeitos da música eletrônica despertariam interesse por um trabalho como esse, e seria muito bom se a música eletrônica também caminhasse nessa direção, inserindo uma dose mais generosa de musicalidade nas batidas eletrônicas.
Causa Sui – Szabodelico
Para quem gosta de longas incursões instrumentais, esse disco é quente. Trata-se de um grupo com um conjunto muito consistente de álbuns, que deixou um pouco de lado as distorções do stoner rock psicodélico (seu território de origem) para abraçar influências de Grateful Dead e dar uns lambiscos no jazz. Szabodelico traz a banda bastante inspirada em melodias e ritmos, com ótima complementação de pianos elétricos e percussões. O álbum traz um clima introspectivo e misterioso, mas ao mesmo tempo, é uma viagem com rumo bem traçado. A sonoridade é charmosa e as composições tem ganchos melódicos que garantem conforto auditivo.
Soft Power – Brink of Extinction
Grupo finlandês que pratica um jazz-rock bastante peculiar e atrativo. Já havia me impressionado com o álbum de estreia dos garotos, e agora em 2020, Brink of Extinction, representa um passo além em ousadia e sofisticação. Os instrumentistas solam com muita desenvoltura, as composições mesclam um caráter exploratório com uma estrutura bem definida e são enriquecidas com uma belíssima sonoridade. Pode ser involuntário, mas faixas como “Orange Red Yellow” e “New Beginning” parecem ter sido inspiradas no melhor da nossa MPB setentista. É um disco instrumental delicioso de se ouvir.
Motorpsycho – The All is One
O Motorpsycho é uma banda que claramente atravessa um ápice criativo. São 4 álbuns em 4 anos e eles parecem incapazes de fazer um disco que não seja minimamente bom. Os noruegueses buscam raízes em referências menos óbvias do rock progressivo setentista para entregar para o ouvinte uma blenda bastante original de rock. Nesse álbum, reminiscências do Led Zeppelin de Houses of the Holy e Physical Graffiti também transparecem. O disco tem passagens melódicas belíssimas, grandes encaixes rítmicos, vocais marcantes e um conteúdo muito variado que passa tranquilamente dos sons pesados para deliciosas calmarias. Diferentemente do disco anterior (o excepecional The Crucible), que tinha apenas 3 faixas, The All is One é longo e tem 13 faixas, da quais o ouvinte se emociona com a maioria. A única queixa é com algumas das 5 partes da suíte “N.O.X”, que soam pouco inspiradas e longas em demasia.
Blues Pills – Holy Moly!
Nosso querido colega Micael Machado resenhou esse belo lançamento em detalhes – leia aqui. Da minha parte, tinha uma expectativa alta com esse lançamento e não posso dizer que ela foi totalmente atendida, ainda que o disco seja muito bom. A coisa começa a pegar pra valer a partir da segunda faixa, “Low Road”, que tem os vocais lancinantes de Elin Larsson como grande destaque, junto a um riff incendiário de guitarra. A parte pesada do disco é ótima, mas uma ênfase em baladas e músicas de cadência lenta, assim como uma adaptação da sonoridade (especialmente da bateria) na tentativa de uma linguagem mais pop, fez com que esse álbum não estivesse em uma posição mais elevada na minha lista de melhores. Mas ainda sim, é bom o bastante para estar entre os 10 mais do ano.
La Maschera di Cera – S.E.I
A Itália continua sendo um celeiro de rock progressivo na linha sinfônica. O La Maschera é um dos representantes mais relevantes da cena contemporânea do estilo por lá e, com apenas três longas faixas, mantém toda a imponência do progressivo guiado por teclados intacta. O álbum tem uma sonoridade impactante, flui em virtuosismo e transborda musicalidade. As suítes tem marcante participação da flauta e dos mellotrons, com vocais em italiano. Para os fãs mais conservadores do rock progressivo esse disco é imprescindível.
Ovrfwrd – Starstuff
Os primeiros segundos de Starstuff já trazem um imponente órgão Hammond abrindo alas para um som soberbo e um tema instigante de guitarra. O grupo norte-americano Ovrfwrd acerta a mão nas melodias e traz um sabor contemporâneo para formas já consagradas do rock progressivo, com uma grande maturidade instrumental. As composições dão protagonismo equânime para guitarras, teclados e flauta, bem como para um distinto trabalho de bateria. A faixa título tem melodias oníricas e músicas como “Look Up” fazem as válvulas fritarem.
Menções honrosas:
Eloy Fritsch – Moment in Paradise. Tecladista gaucho bastante conhecida entre os apreciadores e estudiosos dos sintetizadores, mas que nesse trabalho usou e abusou dos pianos (acústico e elétrico), fazendo um excelente trabalho entre o jazz-fusion e o progressivo. Se a lista tivesse mais de 10 discos, esse certamente seria o 11º. As quatro partes da suíte “High Places” é uma das melhores coisas lançadas neste ano.
Bamos Q Bânia – Filhos de Kuandú. Grupo de rock progressivo, cuja estreia saiu agora em dezembro, fazendo fusões interessantes com a música brasileira com rica instrumentação. Vale a pena conferir o calibre dos garotos.
Magic Bus – The Earth Years. Grupo inglês que faz uma leitura bastante interessante do rock psicodélico, capturando o mesmo fio da meada de alguns grupos da chamada “cena de Canterbury”. Disco instigante e agradável.
Pior que da tua lista acabei não ouvindo nenhum. Infelizmente, também acabei tendo que limitar muito as minhas audições por falta de um tempo maior para conseguir me dedicar a ouvir mais.
A tua lista me interessou ouvir principalmente o Causa Sui e o Ovrfwrd que pela descrição e o fato de eu nunca ter ouvido nada deles, geralmente me atrai a ir atrás de algo para conhecer. Da minha lista pode ser que tenha algumas coisas que te interessem também.
Blz André! vou estar ligado na sua lista. Conhecendo um pouco do seu gosto, acho que vc irá gostar tb do La Maschera di Cera.
Abs,
Lista muito interessante !!!