Box Set: The Clash – Clash On Broadway [1991]
Por Mairon Machado
Quem hoje em dia se deleita com boxes recheados de mimos, dos quais a maioria sobrevive e faz boas vendas graças a camisetas, fotos inéditas, adesivos, chaveiros, patchs ou outros materiais não audíveis, pouco sabe que quando os boxes surgiram no final da década de 80, a coisa era bem diferente.
Os lançamentos da época na maioria das vezes eram concebidos para portarem-se como coletâneas dos artistas homenageados, trazendo aqui e a li uma ou outra canção inédita, que fazia o fã gastar alguns Bidens (Clintons ou Bushes na época) apenas para ter uma “rara” versão ao vivo de determinada faixa (lembrando que youtube ou torrent era algo impensável na época).
Uma das poucas caixas que se diferenciaram naquele início da década de 90 foi Clash on Broadway. Lançada em 1991, essa caixinha saiu no formato tradicional das caixas, aquelas retangulares com uma tampa abrindo por cima, e faz um amplo apanhado das principais faixas de uma das principais bandas do punk rock britânico entre 1977 e 1982, anos dourados do quarteto.
No total, são 64 canções divididas em três CDs, sendo cinco delas totalmente inéditas (até 1991), as quais duas são versões demo, no caso “One Emotion”, retirada das sessões de gravação de Give ‘Em Enough Rope, de 1978, e a balada cover de “Every Little Bit Hurts”, original de Ed Cobb e retirada das sessões de gravação de Sandinista! (1980), e três canções ao vivo, as quais são “English Civil War”, registrada em uma apresentação do grupo no Lyceum Ballroom de Londres, em janeiro de 1979, “Lightning Strikes (Not Once But Twice)”, retirada do show no Bonds International Casino, Nova Iorque, em 1981, e “Midnight to Steven’s”, do show no People’s Hall em Londres, 1981.
Outro ponto positivo vai para a inclusão de doze dos vinte e cinco singles lançados pelo grupo no Reino Unido durante o período coberto pela caixa, sendo que destes vinte e cinco, cinco foram lançados com duas versões diferentes.
Um dos singles que ficaram de fora não ficou tão de fora assim, já que é a versão inédita de “English Civil War” citada acima, e seu lado B, “Pressure Drop”, está incluída no box (o single de “English Civil War” / “Pressure Drop” foi lançado em 23/2/1979). Os demais excluídos são: “Capital Radio One” / “Interview” (4/77), “Remote Control” / “London’s Burning” (31/5/1977), “Hitsville UK” / “Radio One” (16/1/1981) e “Know Your Rights” / “First Night Back in London” 23/4/1982).
Os doze singles são clássicos do mais alto calibre na discografia do The Clash, obrigatórios para todos aqueles que vão se aventurar nas pegadas linhas de guitarra de Jones, ou na levada de baixo de Simonon, ou sacudir a cabeleira com os vocais de Strummers, que fazem uma boa apresentação para quem não conhece o grupo. São eles:
- “White Riot” / “1977” (18/3/1977);
- “Complete Control” / “City of the Dead” (23/9/1977);
- “Clash City Rockers”/ “Jail Guitar Doors” (17/2/1978);
- “(White Man) In Hammersmith Palais” / “The Prisoner” (16/6/1978);
- “Tommy Gun” / “1-2 Crush on You” (24/11/1978);
- “London Calling” / “Armagideon Time” (7/12/1979);
- “Rudie Can’t Fail” / “Bankrobber” (6/1980);
- “Train in Vain” / “Bankrobber” (6/1980);
- “The Call Up” / “Stop the World” (28/11/1980);
- “Should I Stay or Should I Go” / “Straight to Hell” (17/9/1982)
e os lados A “The Magnificent Seven” (10/4/1981) e “Rock the Casbah” (11/6/1982), além de “Groovy Times” / “Gates of the West” (26/7/1979*), single lançado apenas nos Estados Unidos.
Aliás, no mercado americano, o The Clash lançou nove singles, sendo três deles com “Should I Stay Or Should I Go” no lado A, em formatos diferentes do britânico e somente contemplado na caixa o lado B “Cool Confusion” (24/6/1982), bem como o single com * acima.
Só aqui temos quase metade das canções da caixa em clássicos incontestáveis, que já valem a aquisição das bolachinhas. Mas e as demais? As demais são pérolas também essenciais, que mesclam-se com perfeição aos singles em uma distribuição cronológica muito bem feita.
No CD 1, além dos singles lançados de “White Riot” até “The Prisoner” na lista acima, temos “Capitol Radio”, retirada do raro flexidisc de abril de 1977, e as versões ao vivo de “I Fought the Law” e “English Civil War” também citadas anteriormente. Ao longo das vinte e cinco faixas do CD, uma aula da simplicidade contagiante do Punk Rock. Canções em sua maioria entre dois e três minutos, linhas envolventes, refrões grudentos e uma banda que, apesar de ainda estar dando seus primeiros passos, mostrava-se com capacidade para alcançar grandes voos em sua carreira.
Assim, apesar de não haver nada de totalmente inédito, deliciamo-nos com raridades como as versões retiradas da primeira DEMO do The Clash, no caso “Janie Jones” e “Carrer Oportunities” (essa parecendo sair de algum álbum dos Ramones), e uma grande gama de canções de The Clash, primeiro álbum do grupo, lançado em 08 de abril de 1977 no Reino Unido, e somente em 26 de julho de 1979 nos Estados Unidos, com outro track list. Da versão britânica foram extraídas o pseudo-pop-reggae “Police and Thieves”, as calmas, mas agressivas, “Garageland” e “Hate and War”, e as quebra-salas “White Riot”, “I’m So Bored With the U. S. A.”, “What’s My Name”, “Deny”, “London’s Burning”, “Protex Blue”, “48 Hours” e “Cheat”.
“Deny”, “Protex Blue”, “Cheat” e “48 Hours” não apareceram na versão americana de The Clash, mas as canções que as substituíram também ganharam lugar no track list do CD 1 de Clash On Broadway, no caso “Complete Control”, “Clash City Rockers”, “Jail Guitar Doors”, bem como as pérolas lançadas apenas como lado B, “1977”, “City of the Dead”, “The Prisoner”,”Pressure Drop” e “1-2 Crush on You”. Complementa o primeiro CD uma única canção de Give ‘Em Enough Rope, “(White Man) In Hammersmith Palais”, porém na versão original do single de 1978, e uma versão raríssima de “I Fought the Law”, retirada da trilha sonora do documentário Rude Boy (1980), narrando a história de Ray Gange, um fã de The Clash que larga seu emprego em um sex shop para tornar-se roadie da banda.
O CD 2 é aquele que mais vai animar os ouvidos do pessoal. Afinal, nele estão faixas dos principais discos do The Clash, Give ‘Em Enough Rope (lançado em 10 de novembro de 1978) e London Calling (lançado em 14 de dezembro de 1979), além do EP Cost of Living (11/5/1979). “Safe European Home” e o single de “Tommy Gun” são os responsáveis por abrirem o CD, que compreende os singles listados acima até “Bankrobber”. Um período impecável de composições marcantes que colocaram o The Clash como um dos maiores nomes do Punk Rock britânico, ao mesmo tempo que consagraram as letras-manifesto de Strummer e Jones.
O principal são as canções retiradas de London Calling, álbum de melhor reputação dos britânicos, lançado no formato duplo e vendendo mais de cinco milhões de discos em todo o mundo. Então, aproveite para ouvir onze das dezenove faixas desse incrível e fértil álbum, as quais são “London Calling”, “Brand New Candillac”, “Rudie Can’t Fail”, “Spanish Bombs”, “The Card Cheat” “Lost in the Supermarket”, “Train in Vain”, “The Right Profile”, “Clampdown”, “Death or Glory” e “The Guns of Brixton”, a primeira composição do grupo a realmente mostrar a influência do reggae, algo que tornou-se uma constante depois de London Calling, e também uma das raras criações de Paul Simonon, e única a contar com ele no vocal principal.
Nessas canções, podemos conferir o experimentalismo que a banda sofria naquele momento, incluindo metais, piano, sintetizadores e letras bastante críticas, que fazem ainda hoje de London Calling uma referência musical no rock ‘n’ roll. Ainda ligada à este álbum, “Armagideon Time”, o lado B do single da faixa-título, e primeira incursão dos britânicos pelos terrenos jamaicanos do Reggae, assim como a citada “Bankrobber”. Afinal, até a própria “London Calling”, mesmo com todo o peso envolvido na canção, possui boas pitadas de reggae principalmente na guitarra de Jones.
O EP Cost of Living foi lançado originalmente com cinco canções, e dele, entraram no CD 2 “Groovy Times” e “Gates fo the West”, ficando infelizmente de fora a versão original de “I Fought the Law”, “Capitol Radio” (que entrou no CD 1), e a rara “The Cost of Living Advert”, que saiu apenas nas versões inglesas de Cost of Living. Da parte de inéditas, está apenas “One Emotion”, gravada originalmente para Give ‘Em Enough Rope, álbum que para o CD 2 também forneceu as citadas “Safe European Home” e “Tommy Gun”, além de “Julie’s Been Working for the Drug Squad” e “Stay Free”.
No CD três, estão os singles a partir de “The Call Up” na lista de cima, com exceção de “Bankrobber”. Musicalmente, temos a grande mudança de sonoridade do grupo. Abrangendo os álbuns Sandinista! (1980) e Combat Rock (1982), temos a saída do punk rock marcante feito pelo quarteto em “Police on My Back” e “Somebody Got Murdered”, para inspirações no reggae de “The Magnificent Seven”, “Cool Confusion” e “Broadway”, além do pop dançante e eletrônico de “This is Radio Clash”, o clima caribenho de “Washington Bullets”, a New Age “The Call Up, o rockabilly de “The Leader” e as viagens musicais de “Stop the World”, bem como versões editadas de “Red Angel Dragnet” e “Ghetto Defendant”, reggaes confusos e que servem apenas para diminuir um pouco a qualidade do CD.
Também no CD, estão três das cinco faixas inéditas: “Lightning Strikes (Not Once But Twice)” em uma matadora versão ao vivo gravada no Bonds International Casino de Nova Iorque em 09/06/1981, “Every Little Bit Hurts”, uma balada sessentista inimaginável na coleção de canções e variedades do The Clash, retirada das sessões de gravação de Sandinista!, e “Midnight to Stevens”, outra balada muito diferente do pensado para uma canção do grupo, gravada em 17/09/1981 no Ear Studios, em Londres, além de uma faixa escondida, “The Street Parade”, gravada originalmente em Sandinista!, uma boa canção para uma festa oitentista, e os clássicos “Rock the Casbah”, “Should I Stay Or Should I Go” – que virou “Chopis Céntis” pelos Mamonas Assassinas em 1995 – e “Straight to Hell”, todas essenciais para quem que conhecer a banda.
O grande diferencial do box, mesmo com essa quantidade de sons, são os livretos que o acompanha. Um traz as letras de quase todas as canções, exceto “Police & Thieves”, “Presssure Drop”, “I Fought the Law”, “One Emotion”, “Armagideon Time”, “Brand New Cadillac”, “Police on My Back”, “Every Little Bit Hurts”
O outro é um belíssimo booklet de 66 páginas, na qual são apresentados depoimentos de Lenny Kaye, guitarrista do grupo de Patti Smith, e o famoso jornalista americano Lester Bangs, bem como a história do The Clash desde sua fundação em 1976 até o fim do grupo com Combat Rock, narrada através de entrevistas com Mick, Paul, Terry, Joe, Topper e outros nomes ligados ao The Clash, todas compiladas e editadas por Kosmo Vinyl, empresário do grupo
Dentre os principais momentos da história, é interessante quando são citados fatos no mínimo curiosos para os fãs do The Clash relacionados com às origens do grupo, como:
- Paul Simonon não sabia tocar baixo quando entrou no grupo (e hoje ser considerado um dos maiores baixistas de todos os tempos);
- A amizade do grupo com os membros do Sex Pistols;
- A reverência que todos tinham perante a pessoa de Joe Strummer, vocalista do 101ers até então, e último membro a entrar no grupo, após um ultimato de 48 horas dado pelo empresário do The Clash, Bernard Rhodes, com a promessa de que a banda que Joe entraria se tornaria a maior rival do Sex Pistols;
- O breve período que o The Clash foi um quinteto, contando com Keith Levene nas guitarras;
- A saída de Terry Chimes e a árdua busca por um novo baterista, gerando mais de duzentas audições;
- Diversos detalhes das gravações dos três primeiros álbuns, quando ainda eram um grupo jovem tocando nos estúdios Rehearsal Rehearsals,
- A difícil aceitação de Topper por ter que tocar algo tão simples, sendo ele um grande fã de jazz.
Outros momentos importantes são o primeiro contato do grupo com o produtor jamaicano Lee “Scratch” Perry, um dos responsáveis pela guinada reggae que a banda teve a partir de 1980, a prisão de Paul Simonon e Joe Strummer, momentos importantes da gravação de London Calling, as mudanças de sonoridade do grupo no triplo Sandinista! e os últimos momentos com Combat Rock. Além das histórias, o booklet apresenta diversas imagens (todas em preto e branco) que eram inéditas até então, e passaram a ser reproduzidas por diversas revistas (e posteriormente sites) no mundo inteiro, bem como uma discografia detalhada dos singles e LPs lançados no Reino Unido e nos Estados Unidos.
Clash On Broadway pode parecer hoje uma caixa ultrapassada, até por que a maior parte do pouco material inédito que ela apresenta já foi relançado em outras coletâneas ou edições especiais, mas seu pioneirismo em revelar a história de uma das maiores bandas punk da história, bem como o fato da nostálgica versão dos boxes nos anos 90, que realmente eram uma caixa, fazem sua aquisição valer e muito a pena.
E se você quer saber por que do nome Clash on Broadway, sinto muito, deixo a dica apenas que o booklet irá sanar vossa dúvida.
Track list
CD 1
1. Janie Jones
2. Career Opportunities
3. White Riot
4. 1977″
5. I’m So Bored with the USA
6. Hate and War
7. What’s My Name
8. Deny
9. London’s Burning
10. Protex Blue
11. Police and Thieves
12. 48 Hours
13. Cheat
14. Garageland
15. Capital Radio One
16. Complete Control
17. Clash City Rockers
18. City of the Dead
19. Jail Guitar Doors
20. The Prisoner
21. (White Man) In Hammersmith Palais
22. Pressure Drop
23. 1-2 Crush on You
24. English Civil War
25. I Fought the Law
CD 2
1. Safe European Home
2. Tommy Gun
3. Julie’s Been Working for the Drug Squad
4. Stay Free
5. One Emotion
6. Groovy Times
7. Gates of the West
8. Armagideon Time
9. London Calling
10. Brand New Cadillac
11. Rudie Can’t Fail
12. The Guns of Brixton
13. Spanish Bombs
14. Lost in the Supermarket
15. The Right Profile
16. The Card Cheat
17. Death or Glory
18. Clampdown
19. Train in Vain
20. Bankrobber
CD 3
1. Police on My Back
2. The Magnificent Seven
3. The Leader
4. The Call Up
5. Somebody Got Murdered
6. Washington Bullets
7. Broadway
8. Lightning Strikes (Not Once But Twice)
9. Every Little Bit Hurts
10. Stop the World
11. Midnight to Stevens
12. This Is Radio Clash
13. Cool Confusion
14. Red Angel Dragnet
15. Ghetto Defendant
16. Rock the Casbah
17. Should I Stay or Should I Go
18. Straight to Hell
19. The Street Parade
Eu gosto bastante deste box, mas, para o colecionador mais ferrenho do Clash, ele não é tão atraente, por não trazer tantas faixas inéditas. Penso que, se fosse no formato tradicional dos boxes da época, em quatro CDs, com um quarto disco trazendo demos ou apresentações ao vivo inéditas até então (como as “Vanilla Tapes” lançadas posteriormente em uma edição de aniversário do London Calling, ou faixas dos shows no Shea Stadium, que depois apareceriam até em um disco oficial), aí sim se tornaria um item obrigatório para os fãs do grupo. Do jeito que foi feito, é uma excelente “porta de entrada” para a banda, mas não é tão indicada para quem já conhece bem esta instituição do punk britânico ou já tem os principais itens de sua discografia!