Tralhas do Porão: Epidaurus
Por Ronaldo Rodrigues
O Epidaurus é uma daquelas “one-shot bands” do rock progressivo setentista bastante celebradas pelos fãs. O grupo começou suas atividades em 1975, na cidade de Bochum, na região noroeste da Alemanha, mas a história dos envolvidos começou alguns anos antes em cidades da região.
O pilar da banda era o tecladista Gerd Linke, um garoto que começou a tocar piano com 7 anos por influência de seu pai. Quando adolescente, Linke tocou em várias bandas de pop/rock e manteve sua rotina de músico mesmo trabalhando em uma fábrica de automóveis. Durante seu período como operário, ele tomou conhecimento de uma banda que procurava um segundo tecladista (!) para sua formação. Essa banda era formada por Günter Hene (teclados), Heinz Kunert (baixo) e Manfred Stuck (bateria). Heinz Kunert tocava em uma banda chamava The Strongs nos anos 60 e depois migrou para o rock pesado com a banda Pentagon; já Hene e Stuck eram colegas de escola, tinham formação clássica em música e tocavam juntos em um grupo chamado Teraohm.
Com a chegada de Linke, um novo grupo se formou em setembro de 1975, adotando o nome de Epidaurus. Os quatros músicos se dedicavam exclusivamente ao rock orquestral instrumental, mas sabendo do pouco alcance da música instrumental junto ao público, a ideia de ter um vocalista pairava na cabeça dos músicos do Epidaurus. Para terem maiores chances de descolar um contrato e fazerem shows, eles encontraram a peça que faltava com a vocalista Christiane Wand, uma cantora soprano de formação clássica. Depois de árduos ensaios e alguns shows, a banda via-se pronta para gravar seu primeiro álbum em meados de 1977. As composições eram capitaneadas por Günter Hene e por Manfred Stuck. A banda tinha como principais influências Yes, Genesis e Gentle Giant, mas também grupos mais pop como o Supertramp, ou até mesmo coisas inusitadas como o músico experimental japonês Tomita. Para atestar essa curiosidade, uma releitura de uma música de Tomita era nada menos que a abertura dos shows do Epidaurus durante um período.
A banda apresentou uma fita demo para a celebrada estampa alemã Brain, mas infelizmente não foram bem recebidos pelo selo, mesmo com o selo tendo como executivo um músico do prog, o baterista Hartwig Biereichel, do Novalis. O Epidaurus bateu ainda na porta de outras grandes companhias fonográficas alemãs, mas o resultado das conversas também foi negativo. A banda não esmoreceu – as gravações aconteceram em um estúdio na cidade de Kamen e o baterista Manfred Stuck esteve profundamente envolvido na gravação e na engenharia de som. Tendo em vista a inclinação de Stuck para esse lado, em comum acordo com a banda, ele deixaria o posto para se dedicar a parte técnica dos estúdios, e a bateria do Epidaurus passou a ser ocupada, no meio das gravações, pelo baterista Volker Oehmig. O disco da banda tem participação dos dois bateristas, mas foi quem Oehmig quem seguiu adiante com o grupo. As gravações aconteceram de forma muito rápida, considerando o entrosamento e o talento dos músicos, assim como o ambiente cooperativo que encontraram com os técnicos do estúdio. O resultado agradou a todos os envolvidos.
O baterista Volker Oehmig foi quem desenhou a bela capa do álbum batizado de Earthly Paradise. Vendo que não havia selos interessados em lançar o álbum e crentes do potencial musical ali contido, a banda não se intimidou e resolveu bancar a prensagem de um pequeno lote de 500 cópias. Estas foram vendidas apenas em uma única loja no centro de Bochum. Para quem gosta de rock sinfônico repleto de sintetizadores, o Epidaurus é realmente um prato cheio. Os vocais de Christiane Wand trazem um lirismo e dramaticidade que se encaixa muito bem com as bases de órgão e mellotron. Por não ter guitarrista, os sintetizadores são o principal motor da seção instrumental da banda; em comunhão com uma sólida base de bateria e baixo o resultado impressiona pela precisão com que belas melodias e solos marcantes são executados. Apesar de ser um disco independente gravado em um pequeno estúdio, a qualidade da captação faz frente aos melhores lançamentos da época.
A banda tinha uma boa repercussão junto ao público na área de Bochum, mas não conseguiu ir além disso pela ausência de uma estrutura profissional de divulgação. No ano seguinte, a falta de um reconhecimento consistente fez com que Christiane Wand e Volker Oehmig deixassem o grupo para se dedicarem a outras atividades. A banda resolveu prosseguir com um vocalista peruano (!) chamado Victor Meza e um novo baterista, Uli Teske. Ainda que fosse notável o esforço de todos os envolvidos para que algo acontecesse, a banda se desmanchou após mais 2 anos de trabalho.
Günter Hene e Gerd Linke trabalharam juntos em um novo material, já com orientação pop, e o lançaram em 1980 sob o nome de Choice, um projeto apenas de estúdio que também não obteve grande sucesso. Contudo, Hene e Struck (engenheiro de som e primeiro baterista do Epidaurus) estiveram envolvidos nos bastidores de gravações de pop/rock muito famosas na Alemanha ao longo dos anos 80. Gerd Linke depois tocou com a banda Herne 3, famosa ao redor da Alemanha com o hit “Immer wieder aufstehn”. Na década de 90, depois que o Herne 3 se separou, Linke capitaneou alguns movimentos revival com vários de seus colegas de bandas dos anos 60 e 70. Nessa iniciativa, materiais que não foram aproveitadas na gravação de Earthly Paradise foram revisitados e geraram uma breve reunião do Epidaurus em 1994, com o lançamento de um novo álbum …Endangered, que não guarda muita relação com o som registrado pela banda em 1977.