Crossroads – A Vida e a Música de Eric Clapton [1995]
Por Mairon Machado
Michael Schumacher é um renomado piloto alemão de Fórmula 1, heptacampeão, e que infelizmente sofreu um gravíssimo acidente que acabou com sua carreira, sendo que ainda hoje sabemos pouco sobre o seu estado de saúde. Porém, é o nome também de um brilhante escritor norte americano, que em 1995, escreveu a Biografia Crossroads – A Vida e a Música de Eric Clapton, uma das melhores biografias que já li sobre o guitarrista inglês. Com 390 páginas (mais oito páginas exclusivas para fotos em preto e branco, algumas delas apresentadas aqui com as legendas do livro), Crossroads mergulha na vida de Clapton até o ano de 1995, sem deixar passar nenhum detalhe, mas ao mesmo tempo, sem ser maçante ou demasiadamente exagerado em termos de informações.
A edição que tenho não possui orelhas (é a edição de 1995 da Editora Record), o que já chama a atenção por fugir dos padrões normais dos lançamentos de livros. São 13 capítulos, mais prólogo e epílogo, saindo da família e infância conturbada de Clapton nos anos 40 até a morte do filho Conor em 1991, e de como Clapton teve que ressurgir das cinzas por diversas vezes ao longo de sua vida. Com o final do texto, fica a sensação de que você realmente é apresentado para toda a vida e a obra de de Clapton, já que Schumacher não deixa passar nada, e também, de como Clapton sempre foi um arroz de festa participando de shows e discos de diversos artistas.
Fazendo um apanhado geral do conteúdo de Crossroads, há vários pontos a se destacar sobre a vida e a música de Clapton. Quando pequeno, Clapton sofreu um trauma por saber que foi criado pelos avós, e que aquela que ele julgava ser sua irmã na verdade era sua mãe. Esse ponto da infância de Clapton é tratado de forma bastante delicada por Schumacher, mas sem perder-se em detalhes desnecessários ou fazer qualquer sensacionalismo barato. São os fatos por si só, apresentados ao leitor. O que tira a introversão de Clapton e o choque familiar é a música, mais precisamente o rock de Elvis Presley, o que o levou a comprar um violão quando tinha 13 anos, mas que não teve sucesso imediato para aprender o mesmo.
O contato com o blues, aos 17 anos, vem junto ao afastamento de Clapton da escola. Em 1962, a cena do blues estava ascendente em Londres, e Clapton passou a frequentar pubs para assistir e, por que não, aprender a tocar – ao mesmo tempo que se apresentava – por alguns trocados. Logo ele monta seu primeiro grupo, os Roosters, banda na qual Clapton aprendeu a tocar Howlin’ Wolf, Robert Johnson, Freddie King e Muddy Waters, construindo assim uma reputação que o leva aos Yardbirds. Ali, ele passou a ser O CARA da banda, empregando ao grupo solos de blues pouco comuns para jovens brancos ingleses, e claro, fazendo com que o nome de Eric começasse a se ampliar entre os frequentadores dos pubs londrinos. É aqui que o guitarrista realiza o sonho de tocar ao lado de um de seus ídolos, Sonny Boy Williamson, e quando ele se depara com deficiências próprias para tocar blues que só seriam saradas anos mais tarde. Além disso, o guitarrista abandona os Yardbirds logo após a gravação de Five Live, por conta do apelo comercial que o grupo rumava.
Com 20 anos, Clapton ingressa na trupê de John Mayall. Como um dos Bluesbreakers, é aqui que Clapton finalmente alcança o status de God pelos fãs. Ao lado de Mayall, Clapton teve um amigo com quem podia compartilhar igualmente sua paixão pelo blues, e também onde ele conhece os futuros colegas Jack Bruce (baixo, vocais) e Ginge Baker (bateria). A formação do Cream é narrada de forma até hilária, já que a rivalidade entre Baker e Bruce nunca foi negada por nenhum dos dois, só que a vontade de Baker tocar com Clapton era tão grande que ele aceitou o desejo do guitarrista de só formar a banda se tivesse Bruce como baixista. No Cream, a química e vitalidade do trio principalmente nos palcos era fantástica, mas pessoalmente, a guerra de egos e o excesso de shows era enorme, e infelizmente, o mundo viu o grupo em ação por apenas três anos, parindo álbuns seminais e atemporais, obras que são estudadas e referenciadas por músicos e jornalistas até hoje. Vale citar aqui a influência que Hendrix teve para Clapton nesse período, inclusive com o inglês adotando um visual mais hippie (com cabelo Black Power e tudo) por conta do Deus Negro da guitarra. Outro ponto importante é quando Schumacher cita o momento que Clapton decide abandonar o Cream: “Eu fiz uma experiência certa noite … parei de tocar na metade de um número e os outros dois nem notaram … então pensei, fodam-se!“.
Saindo do Cream, surge o convite para gravar “While My Guitar Gentle Weeps” com os Beatles, a amizade com George Harrison, e a formação de outra banda gigante, a Blind Faith. Ao lado de Steve Winwood, Rick Grech e o também ex-Cream Baker, temos aqui uma super banda, que fez um álbum sensacional mas que também sofreu muito na sua breve existência, principalmente pelo excesso de violência que ocorria nos shows da banda nos Estados Unidos, chegando ao ponto de em uma apresentação no Madison Square Garden, em Nova Iorque, os fãs serem implacavelmente espancados pela polícia, que ainda agrediu Baker, considerado um hippie desordeiro pela polícia, e não um membro da atração principal. A Blind Faith durou pouco mais de um ano, e Clapton novamente pulou da barca. Na entre-safra, temos outra parceria com um beatle, agora John Lennon, no álbum Live Peace in Toronto 1969 (1969), a participação de Clapton junto com o grupo Delaney and Bonnie and Friends (na gravação de On Tour with Eric Clapton, de 1970), o primeiro álbum solo de Clapton, Eric Clapton (1970), a conturbada participação do guitarrista em um projeto com Howlin’ Wolf, culminando no essencial The London Howlin’ Wolf Sessions (1971), e o nascimento da Derek and the Dominos.
O período no Dominos é um dos mais tristes na vida do guitarrista. Apaixonado pela esposa do melhor amigo, Pattie Harrison, vivendo um casamento frustrado, além de consumir drogas como o ar que respira, Clapton compôs umas das melhores letras de amor de todos os tempos, registradas no essencial Layla and Other Assorted Love Songs (1970), com músicas marcantes como “Layla”, que contaram com a mão e o talento essencial do guitarrista Duane Allman. Esse ponto do livro é interessante por que desmascara o mito de que George deixou a esposa para o amigo. Isso não ocorreu! Pattie também estava frustrada com seu relacionamento com George, que vivia cada vez mais voltado para a religião e o trabalho, praticamente abandonando o relacionamento entre eles. Clapton tentou de todas as formas conquistar Pattie, mas só foi conseguir se relacionar com ela depois que finalmente ela decidiu-se a separar-se de George. Porém, até chegar esse ponto, a vida de Clapton entrou em uma espiral declinante. Entre 1971 e 1974, Clapton teve que fazer uma reclusão forçada, gastando quase 1000 libras por semana em heroína, e levando sua esposa, Alice Orsmby-Gore, para o fundo do poço junto com ele. Musicalmente, há a participação em All Things Must Pass (disco solo de Harrison, 1970) e no Concerto for Bangladesh (1971), além de um novo amigo surgir na vida do guitarrista, o colega Pete Townshend (The Who), que veio várias vezes a ajudar Eric nos anos seguintes.
Com a ajuda de George, Clapton apresenta-se no Rainbow Theatre, gerando o álbum Rainbow Concert (1973), e assim, começa uma nova fase na carreira do guitarrista, após um longo e intenso tratamento neuroelétrico que fez ele abandonar o consumo de heroína e outras drogas. Montando uma super banda, grava um de seus discos mais bem sucedidos em carreira solo, 461 Ocean Boulevard (1974). Muito disso também está ao fato de que finalmente agora Clapton estava com o amor de sua vida, Pattie Boyd, que agora já estava separada de George. Nesse trecho do livro ficamos sabendo que o casal tinha pretensão de passar uns dias no Brasil, onde Clapton estava afim de gravar sons como samba, mas com a nova amante, ficou poucos dias, fugindo do país por conta de uma epidemia de meningite no Rio de Janeiro. Também nesse período, é relatado o acidente que quase tirou a vida de Clapton, quando o musico resolveu dar uma volta com sua Ferrari Boxer cinza-prata e acabou preso nas ferragens da mesma após atingir uma carreta. Salvo da morte por milagre, Clapton acabou temporariamente surdo de um dos ouvidos pelos cacos de vidro que penetraram nele, e só foram retirados duas semanas após o acidente.
Em termos musicais, sem muito se preocupar em gravar, e curtindo o amor, lança o fraco There’s One in Every Crowd (1975), e dos shows dessa tour sai o ótimo ao vivo E. C. Was Here (1975). Outro bom disco que surge após muito trabalho, e mais uma “super banda” na carreira de Clapton, é No Reason To Cry (1976), que uniu o inglês aos canadenses da The Band adicionados de Ron Wood (timaço). Porém, uma apresentação em Birmingham quase colocou fim a fama de Clapton. Totalmente embriagado, ele acabou elogiando Enoch Powell, um político conhecido por não gostar de minorias imigrantes e relações raciais, justamente quando Birmingham passava por grande tensão racial. Ali, seguida de uma série de gafes alcóolicas, foi o estopim para a relação Clapton + álcool começar a ter seu fim, seguida por Slowhand (1977), que eternizou mais dois clássicos na carreira de Clapton, “Cocaine” e “Wonderful Tonight”.
Depois de excursionar com Muddy Waters, registrar o que Schumacher chama de nadir (ponto mais baixo que uma estrela atinge no céu visível) das gravações de Clapton nos anos setenta, passar pela primeira vez pela Europa Oriental (com muitos problemas) e países da Ásia, o que culminou no álbum Just One Night (1979), humilhar Jack Bruce em uma festa de família, e uma série de brigas com Pattie Boyd – inclusive com um relacionamento extra conjugal com a modelo Jenny McLean, Clapton grava seu primeiro registro nos anos 80, Another Ticket (1981), e definitivamente afundou-se no álcool. O britânico acaba internando-se na Hazelden Foundation, nos Estados Unidos, uma clínica de reabilitação para alcóolicos, um período extremamente importante para mostrar o que é a vida real para o guitarrista. A partir de então, passa a frequentar o AA, e a livrar-se gradualmente de sua dependência de álcool. Com novo ânimo, registra Money and Cigarettes (1983), que o trouxe novamente para o blues, no mesmo ano que uniu-se a Jeff Beck e Jimmy Page para participar do concerto ARMS, Movimento de Pesquisa da Esclerose Múltipla, em benefício do amigo e guitarrista Ronnie Lane (Faces), e que ficou eternizado por colocar em um mesmo palco os três grandes guitarristas da Inglaterra que o Yarbirds produziu.
Com um novo parceiro, Phil Collins, nasce Behind the Sun (1985) um álbum bastante diferente na discografia do britânico, em um rompimento radical com seu passado, principalmente pela entrega aos sintetizadores. O álbum surge pouco depois de Clapton gravar e excursionar com Roger Waters, durante a turnê do ótimo The Pros and Cons of Hitchhiking (1984), primeiro disco solo de Waters pós-Pink Floyd. A experiência de Clapton com Waters não foi das melhores, apesar de desafiadoras, segundo o próprio, principalmente por considerar o show pretensioso e desanimado. Uma série de aparições em shows e eventos também marca esse período, principalmente o Live Aid (1985), com o guitarrista arrasando e conquistando o mundo ao som de uma versão arrebatadora para “White Room”. 85 também é o ano do nascimento de Ruth Clapton, filha do guitarrista com Yvonne Kelly, mais um dos vários casos extra conjugais que ele teve. Porém, quando a modelo italiana Lory Del Santo também ficou grávida de Clapton (1986), Pattie pediu as contas. Solteiro, papai e com a parceria ainda de Collins, Clapton registra August (1986), disco bastante criticado pela imprensa.
A partir de 1987, Clapton começa uma nova tradição, com os shows no Royal Abert Hall. (foram seis de primeira, até atingir 24 apresentações em sequência em 1991, registrada no álbum 24 Nights, lançado naquele ano). Mais uma série de participações diversas, em discos de Jack Bruce, Rolling Stones, George Harrison, trilhas sonoras, entre outros, o lançamento do incrível box Crossroads (1988) e da gravação de Journeyman (1989), Clapton fez a primeira apresentação de um artista internacional em Moçambique, vêm as duas tragédias que marcaram Clapton nos anos 90, as mortes de Stevie Ray Vaughan e do filho Conor. A morte de Vaughan, minutos após os dois se apresentarem no dia 26 de agosto de 1990 em Alpine Valley, EUA, transformou a turnê de promoção de Journeyman uma catarse emocional, obscurecendo um ano radiante para Clapton, quando recebeu o prêmio Living Legend no Elvis Awards e foi considerado Top Rock Album Artis na Billboard Music Awards, além de uma exaustiva turnê que o levou para Austrália, Extremo Oriente e, pela primeira vez com shows, aqui no Brasil. Já o acidente que vitimou o pequeno Conor serviu para Clapton perceber como a vida pode acabar de repente, sem aviso, e decidir viver em bênção a cada dia que acordava, e utilizando o talento que tinha em toda plenitude.
O livro encerra-se então com a inversão dos papeis, agora Clapton trazendo Harrison aos palcos, com treze apresentações no Japão que rendera, Live in Japan (1992), o estrondoso sucesso de Unplugged (1992), recebendo seis Grammys, a inserção do Cream no Rock ‘n’ Roll Hall of Fame (1993), quando o trio voltou a se apresentar juntos depois de muito tempo, e, através do Epílogo, situa o leitor sobre a atual (na época) condição de Clapton, promovendo o excelente From the Cradle (1994) e voltando definitivamente para o blues, algo que os anos posteriores mostraram que não seria bem assim.
Complementa o texto Crédito das Fontes, Discografia Selecionada entre 1964 – 1994, com compactos e LPs de Clapton lançados oficialmente nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, bem como uma ampla seleção de compilações oficiais, discos piratas e participações do guitarrista como convidado ou músico de estúdio, com as faixas que ele aparece, além da ficha técnica dos discos envolvidos. Mas acima de tudo, essa belíssima obra, como tentei resumir acima, narra TUDO o que Clapton fez e deixou de fazer sem deixar nada de lado, mas também sem ser maçante ao ponto de aprofundar-se em detalhes por vezes desnecessários. É uma leitura obrigatória para quem quer conhecer a carreira de um dos maiores nomes da música em todos os tempos, um acervo fundamental para quem é fã de Clapton, e uma fonte riquíssima de conteúdo para quem quer pesquisar ou se aprofundar na, como diz o título, vida e música de Eric Clapton.