Carcass – Surgical Steel [2013]

Carcass – Surgical Steel [2013]

Por Diogo Bizotto

No ano de 2013, tendo mergulhado completamente na série Melhores de Todos os Tempos que havia começado naquele ano, acabei deixando um pouco de lado a busca pelas boas “novidades” que o ano trouxe para aquele período. Porém, houve um óbvio destaque em minha opinião, que foi um registro que pipocou em diversa de melhores de 2013, seja de publicações, especializadas ou não, e de pessoas ligadas de alguma forma à crítica musical.

Refiro-me ao álbum que marcou o retorno de uma das mais importantes bandas de heavy metal surgidas nas últimas décadas, após um hiato de 17 anos sem lançamento algum de estúdio: Surgical Steel, dos ingleses do Carcass. Desculpem-me aqueles que acham que a grande volta relacionada ao segmento mais pesado do rock ocorrida em 2013 foi protagonizada pelo Black Sabbath com 13, mas a verdade é que, apesar de Tony Iommi e cia. serem responsáveis diretos por meu grande interesse em música e terem produzido uma obra digna de suas glórias setentistas, quem verdadeiramente me deixou de queixo caído em 2013 foram Bill Steer (guitarra) e Jeff Walker (baixo e vocais), que, acompanhados do baterista Daniel Wilding, preencheram um track list com talento e dedicação mais que suficientes para elevar o novo disco a um status tão alto quanto o daquelas que julgo serem suas mais definitivas obras: Necroticism – Descanting the Insalubrious (1991) e Heartwork (1993).

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Carcass em 2013: Ben Ash, Jeff Walker, Daniel Wilding e Bill Steer

É justamente a esses dois álbuns que Surgical Steel mais remete, situando sua sonoridade em um meio-termo entre os dois discos, que introduziram e aperfeiçoaram as bases daquilo que, pouco tempo depois, viria a ser conhecido como death metal melódico. É claro, porém, que o lançamento não se resume a isso. A associação com registros do passado, apesar de um tanto óbvia, não faz de Surgical Steel um disco datado, mas uma coleção de músicas que se encaixam perfeitamente na historiografia da banda e soam frescas, inspiradas e até certo ponto surpreendentes, considerando que duas pessoas importantíssimas na trajetória do grupo não fazem mais parte de suas fileiras. A primeira é o baterista Ken Owen. Vítima de uma hemorragia cerebral ocorrida em 1999, o músico chegou a ficar em coma e não pôde voltar a tocar bateria profissionalmente, apesar de ter se mantido próximo ao grupo, inclusive aparecendo em material de divulgação e gravando alguns backing vocals. A segunda é o habilidoso guitarrista Michael Amott, que registrou com o Carcass justamente os discos citados acima e apresentou-se ao lado da banda durante sua turnê de reunião, anunciada em 2007 e finalizada em 2010.

Michael, porém, ao lado do baterista Daniel Erlandsson, que havia substituído Ken Owen na reunião, resolveram deixar Bill e Jeff de lado e focar em definitivo suas atividades no Arch Enemy, grupo que o guitarrista fundou em 1996. O que posso dizer sobre essa decisão? AZAR de Michael, pois acredito que, nem em suas previsões mais otimistas, ele poderia imaginar que seu ex-companheiro das seis cordas tomaria conta tão bem da tarefa e faria brotar de seus dedos riffs, harmonias e solos tão faiscantes quanto os que Bill apresenta em Sugical Steel, deixando bem claro que habilidade técnica e talento para composição são duas coisas completamente diferentes. E por falar em habilidade, nunca é demais ressaltar a ótima performance do jovem Daniel Wilding (24 anos) no comando das baquetas. Pense em grupos que escalaram substitutos com vozes semelhantes a seus mais marcantes vocalistas a fim de não gerar grande estranhamento com seus fãs, como o Journey fez ao recrutar o filipino Arnel Pineda para o posto que já fora de Steve Perry. Parece ser isso mesmo que o Carcass fez com Daniel, que soa como uma versão vitaminada de Ken Owen, formando, ao lado de Bill e Jeff, uma unidade sólida que mantém o nível elevado o tempo todo, sabendo quando fazer o básico e quando encaixar levadas mais intrincadas e rechear as músicas com ótimas viradas.

Carcass ao vivo
Carcass ao vivo

Todos esses elogios, porém, não fariam muito sentido se a música que brota de Surgical Steel não fizesse jus a eles. Pode acreditar, ela faz, pois foi com um frio na espinha que ouvi pela primeira vez a faixa que introduz o álbum, a instrumental “1985″. Assim como “The Ides of March” dá início magistral a meu disco favorito do Iron Maiden, Killers (1981), essa curta música faz o mesmo pelo novo disco do Carcass, anunciando que muito material de qualidade e saudável violência  está por vir. A porradaria é introduzida sem dó com “Thrasher’s Abattoir”, carregada de bumbos duplos galopantes, guitarras deslizantes e vociferações de um Jeff Walker em ótima forma vocal. Quem quer descanso logo se dá conta de que está escutando o disco errado, pois a intensidade não diminui na faixa seguinte, Cadaver Pounch Conveyor System, que, além de tudo, evidencia ainda mais que o rótulo de “Thin Lizzy do death metal” faz muito sentido, pois as harmonias criadas em estúdio por Bill Steer são parte importantíssima da sonoridade praticada pelos ingleses. Outro detalhe que deve ser citado é a retomada das letras patologicamente doentias de Jeff, algo que havia sido deixado um tanto de lado nos dois lançamentos anteriores da banda, especialmente no último, Swansong (1996), mais irônico e recheado de humor negro.

A primorosa produção foi executada por Colin Richardson, que construiu uma presente relação com a banda desde seu segundo lançamento, Symphonies of Sickness (1989), trabalhando com os rapazes até Swansong, ininterruptamente. Clara sem soar artificial, a produção ajuda a salientar o peso de canções como “A Congealed Clot of Blood”, mais arrastada (para o padrão Carcass) e com alguns riffs puxando para o thrash metal. Mérito também para a mixagem, a cargo do mais que experiente Andy Sneap, profissional top no ramo há mais de dez anos. A porradaria em sua forma mais veloz volta a comer solta em segmentos de “The Master’s Butcher Apron”, contrastando com outros momentos mais trabalhados no groove, mostrando criatividade em alta e que o disco não tem intenção alguma de soar linear. Aliás, falando em criatividade, nunca é demais reforçar quão espetacular é o desempenho de Bill Steer no álbum, tornando-se cada vez mais um dos meus guitarristas favoritos em se tratando dos segmentos mais extremos do heavy metal. Ouçam Noncompliance to ASTM F 899-12 Standard e constatem a performance arrasadora do músico, seja em sua introdução bem trabalhada nos solos harmonizados, nos riffs extremamente empolgantes que oferecem uma base sólida para a faixa ou no solo que a encaminha para seu final, batendo em mais de seis minutos. De tirar o fôlego…

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“The Granulating Dark Satanic Mills” é uma viagem a meados dos anos 1990, soando como uma cruza entre Heartwork e o melhor extraído de Swansong, assemelhando-se mais exatamente à ótima “R**k the Vote”, e nos fazendo pensar em como soaria o Judas Priest da fase Painkiller (1990) caso resolvesse tocar death metal. A seguinte, Unfit for Human Consumption, foi a escolhida para receber um videoclipe, que, além de ser interessante e ter a cara da banda, traz Ken Owen interpretando um médico legista, ficando totalmente “em casa” com os antigos fãs. Várias outras músicas poderiam ter sido escolhidas, pois o nível de Surgical Steel é elevadíssimo no geral, mas seus riffs trabalhados, a demolição baterística e um Jeff Walker em ótima forma fazem jus à honra.

Seguindo na veia mais melódica e mid-tempo do álbum ainda temos “316 L Grade Surgical Steel”, que segura a qualidade no topo. Após esta, aparece Captive Bolt Pistol, a primeira faixa de Surgical Steel a ter sido divulgada, chamando a atenção de fãs e imprensa, que tiveram um fortíssimo prenúncio de que o Carcass não decepcionaria, colocando no mercado material para fazer bonito frente a seus lançamentos tidos como clássicos e digno de assumir a posição de favorito do grupo para muitas pessoas. Além disso, uma pequena surpresa ainda dá as caras no álbum, na forma de sua última canção, “Mount of Execution”, um épico death metal, com seus mais de oito minutos, que é aberta ao violão e desvela-se cada vez melhor, evidenciando o nível de maturidade atingido pelo grupo, que consegue fazer uma música como essa soar cativante mesmo sendo recheada de variações, alternando andamentos distintos a fim de cunhar uma das mais interessantes e excitantes obras já criadas pelo Carcass.

Caso você já seja fã da banda ou do gênero, possivelmente já sabe de tudo o que citei nesta resenha e, quase que obrigatoriamente, concorda com os elogios tecidos. Caso não, e o death metal sequer seja uma opção a ser considerada na sua paleta de estilos musicais, talvez seja justamente este disco que irá ajudá-lo a expandir sua audição para um novo universo a ser explorado. Surgical Steel nasceu clássico, pois, acima da performance dos integrantes do Carcass e da ótima produção, é composto por músicas realmente inspiradas e empolgantes. Necroticism – Descanting the Insalubrious e Heartwork ainda têm a seu favor o tempo e o fato de terem desbravado novos territórios em meio ao extremismo musical, mas não hesito em afirmar que Surgical Steel está hoje tão alta conta quanto esses discos entre os admiradores mais atentos, que não superestimam a nostalgia. Reafirmo: para mim nasceu clássico.

Track list:

1. 1985
2. Thrasher’s Abattoir
3. Cadaver Pouch Conveyor System
4. A Congealed Clot of Blood
5. The Master Butcher’s Apron
6. Noncompliance to ASTM F 899-12 Standard
7. The Granulating Dark Satanic Mills
8. Unfit for Human Consumption
9. 316L Grade Surgical Steel
10. Captive Bolt Pistol
11. Mount of Execution

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