“Get in the Ring” – O Guns N’ Roses chama a imprensa para porrada
Por Fernando Bueno
No início dos anos 90 o Guns N’ Roses era, sem dúvidas, a maior banda de rock do mundo. Em 1991, no meio de um já enorme sucesso, lançaram dois discos duplos simultaneamente, algo inimaginável para qualquer outro grupo. Claro que desde seu debut, o fantástico Appetite For Destruction (1987), já se tinham passado quatro anos, tempo suficiente para criar bastante material, com a banda quase no pico do auge do seu sucesso e as duas partes de Use Your Illusion só foi o último degrau para que eles chegassem ao topo. Lembro de todo o burburinho da époc desses lançamento e é incrível que nesse ano teremos o aniversário de 30 anos de tudo aquilo. O leitor pode estar lembrando que entre esses lançamentos saiu GN’R Lies no qual aproveitaram o material de um EP, Live ?!*@ Like a Suicide (1986) mais algumas músicas que foram gravadas de forma acústica. Na prática não é um álbum, mas dois EPs diferentes juntos em um mesmo disco. E no volume dois de Use Your Illusion veio uma faixa que por muito tempo eu deixei de lado e é sobre ela que falarei a partir de agora.
Se era quase unanimidade de público – muito “metaleiro” trevoso de hoje em dia começou a ouvir rock com a banda lá naquela época, só não admitem – com a crítica especializadas eles eram um caso de amor ou ódio. Muito da controvérsia era causado por conta do conteúdo das suas letras e pela atitudes dos músicos, pois a vida de drogas, álcool e sexo eram expostas explicitamente. Então aqueles críticos que não achavam que a banda tinha qualidade, possuíam material de sobra para criticar a banda. Entretanto, de uma forma ou de outra, eles acabavam dando publicidade e chamando atenção para o grupo no melhor estilo “fale mal, mas fale de mim”. Por outro lado algumas críticas incomodaram os músicos, principalmente Axl, o principal alvo de todas críticas mais pesadas.
Para quem não sabe do que se trata “Get in the Ring” vou tentar resumir, antes de me estender um pouco logo depois. Axl, Slash e Duff McKagan compuseram uma música direcionada para a crítica especializada do rock em que enfileiram impropérios e palavrões e, como se já não estivesse bom o suficiente, cita nomes! A saber, Mick Wall, Andy Sercher e Bob Guccione Jr. Como que se chegou a tudo isso? Pode ser a pergunta que vocês estão fazendo agora, então vou tentar explicar todo o contexto. No fim das contas esse tema se tornou o nome da turnê, gerou e vendeu todo tipo de merchandising na época com camisetas, pôsteres e todo tipo de bugigança.
“A banda mais perigosa do mundo”!!!
Essa era o modo que os Guns N’ Roses eram conhecidos ao redor do mundo. Lembro de alguém falar isso na transmissão do Hollywood Rock que foi feita na televisão na época. Também foi o título de um livro lançado por Mick Wall em 1991 (Guns N’ Roses: The Most Dangerous Band in the World). Mick, um amigo de Axl Rose até aquele momento, chegou a se arrepender do conteúdo do livro anos depois dizendo que foi maldoso, mesquinho e indigno. Também disse na época que estava ansioso para ouvir o que o “último dos gigantes do rock” estava para lançar e que era um fã. Porém outras fontes dizem que o motivo de tudo isso foi uma história que Wall teria inventado para causar um tumulto entre o Guns N’ Roses e o Motley Crue. Wall é hoje bastante conhecidos pelos roqueiros tendo escrito ao longo dos anos biografias de nomes como Metallica, Black Sabbath, Iron Maiden, AC/DC e vários outros.
Já Andy Secher, era da Hit Parader, revista super conceituada na época. Chegou a chamar a banda de Guns N’ Posers, mas o real motivo mesmo é assunto até hoje em fóruns de fãs da banda. Ninguém encontra uma matéria ou uma opinião do mesmo padrão que a dos outros dois para que a “honraria” fosse digna. Sugerem até nomes que poderiam estar no lugar do dele. Isso sugere que as desavenças entre Secher e Rose (ou algum outro membro da banda) pode ser de caráter mais pessoal. Algum estranhamento em um encontro dos dois.
Por último, Bob Guccione Jr, que é filho do fundador da Penthouse, por conta de atritos com o pai, saiu da revista de pornografia e fundou sua própria revista, a Spin Magazine, agora focada em música e no rock mais especificamente. Bob teria dito que Axl era patético e que todo o talento que atribuíam a ele era um exagero. Ele também divulgou uma lista de assuntos que os críticos eram proibidos de abordar em entrevistas com os músicos do Guns N’ Roses. Assuntos como ganhos financeiros, por exemplo. Na faixa Axl usa o fato de o pai de Bob ter uma revista de pornografia e provoca “Por que você está puto? Porque seu pai consegue mais bucetas que vocês”. O desdobramento de tudo isso foi uma resposta às provocações da música em que os críticos são chamados para um ringue. Guccione, um praticante de artes marciais à anos, disse “quero ver ele vir me pegar”. Axl nunca mais tocou no assunto.
A música foi gravada para parecer que seria uma versão ao vivo, talvez para dar uma impressão de maior espontaneidade ao que estavam querendo fazer. Seu esboço foi trazido por Duff e se chamava “Why do you look at me when you hate me”, que é exatamente a primeira estrofe da música. Começa indagando por que alguém que não gosta do outro se importa tanto em denegri-lo, já que poderia ignorá-lo. Também diz que devolverá em dobro todo tipo de sentimento negativo desejado. Alguns podem achar que Axl estaria sendo hipócrita, pois acabou de cantar que não entendia alguém se importar com outro que não gosta de você. Porém, na época o que um autor imprimia em uma revista, jornal ou qualquer tipo de publicação acabava se tornando definitivo pois não havia uma mão dupla na relação crítico/artista como temos hoje na internet em que o acusado muitas vezes entra na página do acusador para debater ou até mesmo a informação é transmitida ao público direto da fonte, ou seja, o próprio artista se comunica com seus fãs por meios de suas redes sociais. Na época a imprensa tinha um poder muito maior de manipular informação. Então, em muitos casos, era até uma covardia quando um escritor, um crítico, denegria uma pessoa, pois esta não tinha muitos meios de rebatê-lo. Claro que o Guns N’ Roses na época era muito grande e tinha muitos microfones na sua frente para tentar se explicar de todas as situações que eram colocadas. Mas mesmo assim, era sim difícil de contornar tudo até porque Axl e os outros nunca foram muito centrados e explodiam sempre que eram muito confrontados, principalmente quando achavam o conteúdo das críticas injustas.
Na sequência da música Axl tenta mostrar que todos têm seus problemas e seus esqueletos no armário (“Just like you I got my vices”/”Assim como você, eu tenho meus vícios”). E termina dizendo que gostaria de esmagar as cabeças (dos críticos) com um martelo.
Aí vem a parte que cita os três nomes e imortaliza os três críticos. Essa parte é bem específica, pois diz “e isso vai para todos vocês, vagabundos da imprensa”. A revista Circus também foi citada como instituição e não tem uma pessoa sendo representada aqui. Os músicos cantam que todas essas revistas exploram os fãs com as mentiras que contam e que eles queriam apenas antagonizar os autores. Por fim diz que não gosta deles e que, resumindo, vai dar porrada em todo mundo.
Quase no fim um coro de plateia entoando quase como uma torcida de futebol “get in the ring”, e essa parte do público foi gravada ao vivo mesmo e é interessante saber como a banda fez para que o público fizesse isso, pois a música ainda não existia e a participação dos fãs mostra um clima e empolgação como se eles estivessem cantando algo já muito conhecido. Comento lá no início que não dei muita bola para a faixa no início. Muito disso é pelo fato de não entender exatamente o que estava acontecendo e todo o conceito que ela trazia, porém quando compreendi tudo ela imediatamente subiu no meu conceito.
Pelo jeito Mick Wall levou na esportiva ter sido incluído nominalmente. E é exatamente esse ponto que eu gostaria deixar para os leitores debaterem. Por mais degradante que fosse, como você se sentiria em ser imortalizado em uma música de um álbum de incrível sucesso como foi o Use Your Illusion II? Claro que em um primeiro momento pode ter sido um choque, imagina a sensação de cada um deles na primeira vez em que ouviram a música. O turbilhão de sentimentos deve ter sido algo inacreditável! Mas no fim das contas, sem fazer julgamento do conteúdo do que esses críticos escreviam à época sobre a banda, é uma forma de reconhecimento e que o que escreviam acabou sendo importante. Se o próprio músico se incomodou com o que foi escrito, imagina os fãs.
O GUNS foi o capítulo final no estrelismo dos rock-stars…Depois deles este estrelismo caiu no ridículo, primeiro com o estouro do grunge, que combatia justamente esta afetação toda, apesar de ser tão afetado quanto, só que de outra maneira, e depois com a entrada em cena do hip-hop, no qual os “problemas” são resolvidos à bala! Além do mais, tudo o que aconteceu com o Guns, ou seja, shows caóticos, tretas com a imprensa, antipatia do meio musical, etc, foi uma repetição diluída do que aconteceu com o Led Zeppelin, só que em vez do grunge foi o punk que “combateu” aquela pose toda…
Junto do Metallica, foram as últimas de bandas de rock mais pesado a estarem realmente no mainstream. Depois vieram Oasis, Coldplay e outras com muito mais apelo pop.
É aquela coisa né, serve para ter história para contar depois.
Por um lado, esse tipo de coisa até deixava a época mais interessante de se acompanhar. Querendo ou não, esse tipo de música é o microfone que queriam para responder aos críticos da época. Não lembro de alguma música que, especificamente, cite nomes.
Por outro lado, é o que o Cleibsom disse logo acima: era mais uma forma de estrelismo, o último dentre as grandes bandas do rock.
Nunca entendi pq o GNR nunca levou certas músicas dos Illusions para as turnês, e Get in the Ring é uma delas. Outras que adoraria ver executadas ao vivo são Shotgun Blues, Dont Damn me, Back off Bitch e Locomotive.