Traços da Origem: Fonte “IRON MAIDEN”
Por Ricardo Lira
O logo da banda Iron Maiden é um dos mais conhecidos e caracterizados no mundo musical e está associado tanto ao seu merchandising quanto à imagética heavy metal no geral. Todo fã do Iron Maiden se orgulha de usar uma camisa dessas tanto ou mais que a camisa do seu clube favorito.
Nos primórdios da banda, em 75 e 76, entretanto, a estilização do logo que os tornaria populares inexistia. Nem mesmo um cartaz de show apresentava mais do que o nome da banda escrito à mão pelo landlord do pub. Ao longo de 76, o Maiden deu o primeiro passo para a personificação do seu nome com o uso da fonte Old English em pôsteres de shows. Na segunda-metade de 77 surgiam os primeiros anúncios com uma nova e misteriosa fonte, culminando nos lançamentos comerciais e permanecendo inalterada de 1980 até hoje.
Antiga e recente fontes utilizadas nos cartazes
A história já é conhecida, mas a permanência do mistério em relação a esta fonte não pôde evitar o fluxo de curiosos correndo atrás de uma resolução ao longo dos anos. Muitos títulos de artigos depois, produzidos por revistas e sites da Internet, que incluem termos como “História”, “Mistério” e “Origem”, ninguém sabe realmente o nome dela, quem foi seu criador ou em que catálogo se encontra.
Antes de entrarmos no assunto, precisamos voltar aos “relatos oficiais” que colocam Steve Harris como criador do logo e na sequência analisarmos cada caso posterior que o contradiz. Mas antes ainda, é preciso dizer que criar um LOGO é completamente diferente de criar uma FONTE. Enquanto um type/font designer precisa criar centenas de caracteres de acordo com tipografias, caligrafias, contrastes, formas, proporções etc., um logo designer poderia ter o trabalho mínimo de selecionar uma fonte, fazer um simples recorte e aplicar uma única cor se quiser.
Dito isto, vamos aos tópicos.
Steve Harris como criador do logo Iron Maiden.
O que mais lemos por aí sem dúvida é que Steve Harris teria declarado ser o criador do logo da banda. Alguns também disseram que ele teria criado a fonte (hoje fora de questão), e outros ainda chegaram a dizer que o Iron Maiden se baseou na conhecida fonte Metal Lord para gerar o seu logo (justamente o contrário!).
Percebi que vários desses autores reciclaram de outros artigos quando lançam perguntas básicas ao final que poderiam muito bem ser pesquisadas. A não ser que exista alguma entrevista de Harris descrevendo em detalhes a composição do logo (o que duvido muito) não é necessário ir muito longe para entender de onde procede o “Harris declarou ter criado o logo da banda”.
Meu amigo e autor de livros sobre a banda, Luis Mariano, me ajudou a lembrar em que locais Steve Harris menciona o logo. Destaco duas fontes oficiais que são a biografia oficial Run to the Hills (ed. 2003) e o CD In Profile. Li e ouvi basicamente Harris dizendo que estudou para ser um desenhista arquitetural, chegando a fazer artwork para suas bandas anteriores e para alguns pôsteres dos primeiros shows do Maiden. O engraçado é que na biografia Run to the Hills, não é Harris quem diz diretamente ser o responsável pelo logo, senão o próprio autor Mick Wall (pág. 35). Como esta é a segunda série biográfica da banda, não precisa de muito pra desconfiar que a primeira biografia já teria insinuado isto. Mick Wall só teria repassado a informação.
Trecho da biografia oficial Running Free (ed. 1985):
[TRAD.]
Nos anúncios posteriores, o logo Maiden – desenhado pessoalmente por Harry – foi embelezado por um símbolo de vida-curta consistindo de lábios cuspindo sangue, como uma versão Stephen King da famosa boca dos Rolling Stones (p. 13)
O CD In Profile, lançado em 1998, traz entrevistas dos Maidens entrecortadas pela voz de um locutor, onde Steve diz praticamente a mesma coisa que nas biografias, só que em áudio. É bem rápido e sem detalhes. Harris nunca entra em detalhes sobre o logo.
Se você conhece alguma outra fonte onde Harris elabora mais sobre o assunto, seria interessante ouvir, embora não vá interferir nos resultados. Finalmente, toda essa história se originou também da interpretação que muitos fizeram do informativo na contracapa do EP The Soundhouse Tapes:
Parece que Harris fez tudo nesse EP, mas (e me corrijam se eu estiver errado) um designer normalmente não produz boa parte do conteúdo de capa. Tirando as fotos que, é claro, são de terceiros, o que Harris produziu foi: “Label” que é a arte do miolo do vinil, “Sleeve design” que é a disposição na capa dos elementos pré-criados (o logo Iron Maiden, as fotos, a fonte estilo Monotype Corsiva do título principal e o nome das faixas), e “Artwork” os textos e linhas remanescentes feitos à mão pelo baixista (exceto o texto de Neal Kay).
O logo Iron Maiden faz parte dos insumos usados em “Sleeve design” e não é mencionado à parte. Em grande parte dos discos lançados por artistas você não vai ver informações do tipo “Font design by” ou “Type design by”. Elas são encomendadas por um diretor de arte ou pela empresa que vem creditada no álbum como Designer. É uma informação privada e, talvez, por causa de problemas autorais, seja melhor permanecer assim. Muitas dessas fontes só foram identificadas ao longo do tempo, enquanto outras simplesmente foram desenhadas como logo.
Derek Riggs como criador do logo.
Nem seria o caso citarmos Derek Riggs já que ele só passa a trabalhar com o Maiden no momento em que a banda se prepara para entrar no mercado fonográfico, em 79. Mas é importante já que ele precisou responder várias vezes que só faz a ilustração.
Dennis Willcock como criador do logo.
Depois das imprecisões das fontes oficiais e dos rumores cada vez mais crescentes de que Steve Harris nunca desenhou o logo Iron Maiden, mais pessoas foram desencavadas para ajudar a solucionar o mistério. No site Maiden-World.com, na parte Artigos, há um relato muito esclarecedor de Ray Hollingsworth – assistente que trabalhou com Dennis Willcock no Crowes Art Studio, em Londres, na época em que ele era o vocalista da banda. Do texto, que não é grande, ressalto este trecho:
[TRAD.]
A fonte original era semelhante a Metal Lord, mas se minha memória não me falha, juntamos as letras em ‘Iron’ e ‘Maiden’. Lembro-me claramente das letras ‘as off’ chegando em uma cartela de fotos para serem cortadas e posicionadas para formar o estilo do nome. Posso até me lembrar de Dennis encomendando o tipo e trazendo-o para minha mesa. – maiden-world.com/articles/iron-maiden-fonts-typography.html
Fica claro que Dennis encomendou a fonte (type) do catálogo de uma empresa para montar o logo. Se ele e Ray desenharam o logo a partir de uma fonte, então eles criaram o logo Iron Maiden.
Neste artigo, Hollingsworth também diz que a fonte era semelhante à Metal Lord. Mas muito cuidado aqui. Ele não está dizendo que a Metal Lord já existia e sim que a fonte que usaram em 77 era semelhante a única typeface que o público conhece que é a Metal Lord! Infelizmente ele não sabe ou lembra que fonte era essa.
Para não haver dúvidas, leiam este trecho de Raymond Larabie, que criou a Metal Lord em 1996:
[TRAD.]
Metal Lord foi completamente redesenhada, espaçada e ajustada. É um pouco mais pesada do que costumava ser e, graças à descoberta de material de referência adicional, tem um design ligeiramente diferente. A versão original da Metal Lord foi vagamente extrapolada a partir das letras no logotipo do Iron Maiden usando os poderes da imaginação[…]. Mais tarde, descobri que a mesma fonte foi usada em 1976 para o pôster do filme de David Bowie, The Man Who Fell to Earth, bem como na capa de um livro imobiliário de 1979. Com esses recursos extras, consegui reunir uma representação melhor desta fonte. Ainda não consegui descobrir quem desenhou a original. – dafont.com/metal-lord.font
Metal Lord é a primeira referência a uma typefont Iron Maiden. É exatamente recriar um modelo para ter e usar, já que não se encontra a original.
Vic Fair como criador da fonte.
O filme de Nicholas Roeg, The Man Who Fell to Earth, pôs em cheque quem acreditava que o Iron Maiden de modo geral havia criado essa fonte. O pôster fora desenhado em 1976 por Vic Fair, que foi obviamente especulado como sendo o criador da fonte. Não de novo! Ele foi creditado como designer, produziu toda a capa, incluindo a ilustração, mas não criou a fonte Sim, já perguntaram isto pra ele. Logo ela já existia…
É provável que o pôster tenha servido de inspiração para Dennis e Ray durante a escolha da fonte e na composição do logo, mas só. Servir como “inspiração” ou ser “baseado em” tanto pode ter vindo de The Man Who Fell to Earth quanto de qualquer outro artista que a tenha usado nos anos 70, como veremos mais pra frente.
Por curiosidade, na capa francesa há uma variação da misteriosa fonte que talvez tenha sido usada para permitir o espaçamento dos blocos de texto da versão inglesa. Que espécie de mistura fizeram, não sei, mas destaco como essa variante faz uma espécie de ponte com o logo da banda Thin Lizzy, desenhado por Jim Fitzpatrick.
Apesar de não serem semelhantes, pode-se dizer que o “H” de ambos os logos é bem parecido. Comparem também a lombada no “D” de “David” com a do “L” de “Lizzy”. E em menor grau o “T”.
A primeira aparição dela foi na capa do LP Fighting de 1975. Uma época bem próxima! E guardem bem esta informação: Jim Fitzpatrick desenhou o logo diretamente; ele não criou uma typeface com os caracteres, ou seja, a fonte.
Artistas que usaram a fonte nos anos 70.
Revendo os artistas que também fizeram uso da misteriosa fonte, temos o violonista inglês Gordon Giltrap que lançou uma espécie de trilogia nos anos 70 com os álbuns Visionary (1976), Perilous Journey (1977) e Fear of the Dark (1978). São as primeiras ocorrências, de vários álbuns produzidos por esse artista, da fonte Iron Maiden.
Espere. Há um detalhe: agora vemos um “r” (e talvez um “p”) minúsculo. Letras minúsculas praticamente inexistiam em nossa análise. A Metal Lord, como foi baseada no Iron Maiden, foi criada apenas com maiúsculas (rolem até o quadro lá em cima e vejam).
A cantora grega Nana Mouskouri teve seu álbum Nana Mouskouri At the Albert Hall reeditado como Nana Live, em 1978, onde entra a fonte Maiden.
A reedição parece se tratar de uma rara versão vendida por correio, segundo o site eil.com. Sem precisar dizer, a versão original difere completamente dela.
A ocorrência mais antiga encontrada por vários pesquisadores é o LP Green Eyed God da banda Steel Mill. Mais ou menos como aconteceu com Nana, sua reedição de 1975 difere da fonte do original de 1972, apesar da ilustração ser mantida.
Reparem ainda mais letras minúsculas à medida em que voltamos no tempo…
Será que Steel Mill é mesmo o mais antigo? Se for, não haveria uma chance de Helmut Henske, creditado em “Design [cover design], Painting” no Discogs ser o criador desta fonte? Sinto muito, mas não novamente. Conversamos sobre os créditos nos LPs não incluírem os tipógrafos das fontes. O que pode acontecer é Helmut saber de que catálogo ele ou sua empresa encomendaram a fonte.
Mas vamos seguir em frente.
Sim, há um LP mais antigo do que o Steel Mill. Ele foi lançado por uma banda chamada Secret Oyster e seu álbum se chama Sea Son, lançado em 1974.
A ilustração e direção de arte são por conta de Peder Bundgaard, que, não se enganem também, ilustrou toda a capa e não recebe crédito algum pela fonte misteriosa.
E agora as coisas começam a esquentar…
Hollyhead NTA.
Certo dia eu lia uma Melody Maker muito antiga, quando um anúncio de página inteira me chamou a atenção. O personagem do LP do anúncio me lembrava o baterista Thunderstick do Samson, mas o mais estranho era a época em que uma pessoa em S&M era mostrada em uma capa de LP! Parei pra analisá-la quando me detive na fonte…
Esta compilação de bandas chamada Charisma Disturbance foi produzida pela Charisma Records em 1973. Ela é sem dúvida a mais antiga ocorrência da fonte misteriosa até o momento. E como nos outros casos, achei que seria impossível saber quem a havia criado.
Mas desta vez foi diferente. Acreditem ou não, procurando no Discogs, lá estava a informação.
Design [Lettering] – Hollyhead NTA*
Hollyhead NTA é a associação do nome do designer gráfico Bush Hollyhead com a empresa NTA (Nicholas Tirkell Associates). Por esta capa ser muito simples, é possível separar o que cada um fez aqui de forma clara.
Os demais créditos são:
Photography By – Armando Gallo, Barrie Wentzell, BBC*, Mick Rock
Sleeve – Hipgnosis (2)
Sleeve Notes – Tony Stratton Smith
Notem como a capa fica no nome de uma empresa (Hipgnosis), que a monta conforme os insumos que recebe: fotografia, desenhos, fontes etc. O personagem principal S&M é fotografia, a fonte menor com os nomes das bandas foi encomendada pela Hipgnosis, e “Lettering” é o design gráfico do título da coletânea.
Então finalmente temos um nome!
Bush Hollyhead foi designer gráfico e ilustrador e várias das suas obras surrealistas podem ser vistas na Internet. Só que nesta capa, e sendo a única ilustração que ela possui, seu trabalho é o próprio título da coletânea. De forma que Bush a criou artisticamente, mas não a tipografou, não criou uma fonte com todos os caracteres. Como vimos no caso lá em cima de Jim Fitzpatrick com o Thin Lizzy. Bom, eu suponho que Hollyhead também não tenha criado uma typeface (argumentos mais à frente).
Eu corri atrás do contato de Bush e topei com designers que trabalharam ou foram alunos dele. Um deles, quando viu a capa do vinil, respondeu que era a cara de Bush esse tipo de design de fonte, mas que eu devesse procurá-lo e me fez o favor de passar seu contato. Tentei duas vezes e Bush não me respondeu. De fato, ele veio a falecer de morte trágica dois meses depois da minha última tentativa. Soube disso através da Sra. Avril, esposa de Georgie Hardie – que trabalhou com Bush – que amavelmente me respondeu e pediu desculpas através de Georgie, pois ele não tinha mais informações sobre essa arte.
Por “Hollyhead NTA” estar associado unicamente a este trabalho de Bush (e estou me baseando apenas na Discogs, portanto cuidado), eu diria que este é o nome original da letra Iron Maiden. FONTE não é o caso. Novamente, é provável que Bush não tenha feito a typeface com todos os caracteres. Se ela existe em algum catálogo industrial (e existe, como vimos na sessão Dennis Willcock), ela teria algum outro nome e teria sofrido adaptações ou modificações. No meu entender, se uma letra saiu de um painel artístico e passou a ser vendida em um catálogo, algum trabalho precisou ser feito a fim de definí-la como uma typeface.
Semelhanças e diferenças nos traços.
Para finalizar, e agora que temos um originador dessa letra-Maiden, gostaria de fazer um caminho reverso de como ela foi modificada com o tempo até possivelmente virar uma fonte em um catálogo comercial. Tal estudo talvez nos dê algum indício.
Focando nos primeiros anos de aparição dela, 1973 e 1974, vemos que, além da maioria dos caracteres serem minúsculos, seu corpo em relação ao logo Iron Maiden é mais afinado.
Em 1974, Peder Bundgaard praticamente desenha seu logo tirado da fonte de Bush Hollyhead. Notem as semelhanças.
A primeira coisa que se confere é o “t” de Bush, com seu longo traço seguido à risca. O “r” e o “s” são praticamente os mesmos, o “e” de Peder tem uma perna reta e o “c” sofreu uma inclinação de corpo. Como o “S” e o “O” maiúsculos são inteiramente novos, estes sim talvez tenham sido adaptados pelo próprio Peder ou por um designer contratado.
Em 1975, Steel Mill segue o legado de Bush Hollyhead com uma estilização de respeito, já que o nome inteiro da banda está em maiúscula. Só o título da obra é que não.
Nada extraordinário. A princípio, o “S” é o mesmo de Peder e as demais letras seguiram a perna puxada do “C” e do “e” de Bush. O “M” foi o mais inteligentemente desenhado e sem dúvida alguma dá uma primeira cara Maiden ao estilo.
Aqui, o “G” é uma espécie de metade do “O” da Secret Oyster, enquanto as outras letras seguem basicamente Bush, incluindo o “d” que é um tipo “b” invertido e polido. Bem pensado e invertido também foi o pequeno “o”. O novo “y” é o melhor deles e faz o que Peder não conseguiu no logo de 74.
Chegando em 1976, destaco o que chamo da fase onde a fonte teria entrado no catálogo comercial. Gordon Giltrap e David Bowie são artistas renomados e tal fonte agora chegaria abertamente ao público. Tanto a fonte do LP Visionary de Gordon Giltrap quanto a capa italiana de The Man Who Fell to Earth são mais encorpadas, menos espaçadas e visualmente mais profissionais.
Gordon recorre (não a pessoa dele, claro) ao “r” minúsculo para permitir a junção de todos os caracteres, ao passo em que o “L” maiúsculo é o único não estilizado. A versão italiana de Bowie talvez faça o mesmo à sua maneira. Nela temos o “h” e o “s” minúsculos de Bush e os “L” e “T” da Steel Mill.
Pode parecer estranho, mas acredito que chegaram na versão encorpada e definitiva da fonte Maiden unindo-se 2 mídias do Charisma Disturbance cujos estilos são distintos. Vejam as imagens e tirem suas conclusões.
Agradecimentos: Mike Dempsey, Paul & Karen Rennie, Lynn Trickett, Raymond Larabie, Mike Chudleigh, Luis Mariano Rojas e Avril & Georgie Hardie
Muito bom!!!
Excelente pesquisa Lira.
Parabéns pela habitual dedicação!
Só gostaria de utilizar essas fontes nas redes sociais como por exemplo em biografias, mas acho que essa façanha não é pertinente …