Cinco Discos para Conhecer – Bootlegs do Pink Floyd
Por Ronaldo Rodrigues
Para quem não conhece o termo, bootlegs são discos não autorizados pela banda, produzidos por fãs com material captado também sem autorização. Em geral, bootlegs trazem as performances “cruas”, tal qual foram executadas. Discos ao vivo oficiais tendem a ter um tratamento melhor, inclusive captando performances de diversos shows diferentes (ou uma série de shows) visando oferecer ao ouvinte uma performance perfeita, sem erros ou problemas técnicos. Nas pesquisas para esse tema sempre me deparo com o seguinte questionamento em um texto de referência – o que seria um bom bootleg? A pergunta é realmente muito boa. A resposta que desenvolvi diria que um bom bootleg consegue conciliar uma performance muito boa, uma qualidade de som ao menos razoável (há muita subjetividade nessa parte) e um bom setlist (representar bem uma tour, trazer algo inédito ou incomum). Se tudo isso ainda vier com uma boa história para contar no pacote, tudo fica ainda mais interessante. Já fizemos esse trabalho de pesquisa de bootlegs para outras duas grandes bandas dos anos 70 – Genesis e Led Zeppelin (veja aqui e aqui). Essa seleção de discos visa trazer um misto de todas essas coisas para um dos gigantes do rock dos anos 70 – Pink Floyd.
Os concertos do Pink Floyd eram muito concorridos, já que a banda sempre soube trazer ao público mais do que música – havia projeções, shows de luzes, improvisações e efeitos sonoros, bem como a presença de orquestras e instrumentos exóticos em suas apresentações. No início da carreira, o Pink Floyd era um ícone underground. Em poucos anos se transformaram em uma banda cult, que foi gradativamente tocando em lugares e festivais cada vez maiores, até dominar o mundo com o mais famoso álbum relacionado ao rock progressivo – Dark Side of the Moon, de 1973. Depois disso, as cifras e as plateias passaram a ser difíceis de contabilizar.
Do ponto de vista musical, o Pink Floyd ocupa um lugar distinto dentro do espectro do rock progressivo, já que nenhum de seus componentes era um músico virtuoso e extremamente técnico em seu instrumento (o que era uma praxe no estilo). Ainda sim, a banda era afeita a compor suítes, criar músicas longas com muitos climas diferentes, fazia longas improvisações ao vivo, explorava a fundo a sonoridade de seus instrumentos e fazia álbuns conceituais. É interessante notar que o Pink Floyd tinha o costume de desenvolver seu repertório no palco, o que aconteceu especialmente nas turnês que precederam os álbuns Dark Side of the Moon, Wish You Were Here e Animals, presentes nos bootlegs em muitas versões ainda em maturação dos arranjos. Vários bootlegs do Pink Floyd foram remasterizados e incorporados em edições comemorativas de lançamentos oficiais, como nas reedições dos já citados Dark Side of the Moon e Wish you Were Here ou na coletânea Early Years 1967-1972 (que engloba as excelentes aparições da banda em especiais da BBC).
Montreux Casino [1970]
Tocar no tradicional festival de música de Montreux na Suíça era um atestado de que a banda vinha chamando a atenção na Europa. O Pink Floyd já havia tocado em diversos países europeus e várias vezes nos EUA até então, mas na época de Atom Heart Mother o nível de sucesso e reconhecimento do Pink Floyd subiu vários degraus. A ousadia de juntar banda e orquestra (de forma bem sucedida) era ainda uma novidade nos terrenos do rock e o Pink Floyd levou essa ousadia para o palco em 21 de novembro de 1970 para o palco do cassino de Montreux (a banda faria mais um show no dia seguinte no mesmo local). Em algumas ocasiões da turnê de Atom Heart Mother, o Pink Floyd executava a suíte do disco em questão com a participação de orquestra, o que era o ponto alto de suas apresentações. Mas esse bootleg não só traz esse souvenir em boa qualidade de som e performance – o repertório inclui faixas dos discos anteriores (exceto a parte estúdio de Umagumma), abrindo com uma explosiva versão de “Astronomy Domine”, do primeiro álbum. “Fat Old Sun” é tocada com um lindo solo de guitarra de David Gilmour e ótimas intervenções de Rick Wright em uma longa sessão instrumental (uma das melhores versões dentre outras da mesma época) e a faixa “Embryo”, nunca lançada oficialmente, é executada em versão cheia de improvisos inspirados. “Atom Heart Mother”, a suíte, aparece duas vezes no setlist – uma só com banda e outra com banda, orquestra, sonoplastias e coro. O melhor de tudo é que ambas as versões são fantásticas. São cerca de 2 h de show com boa qualidade de som e grande performance dos músicos. O Pink Floyd voltaria a Montreux no ano seguinte.
Hollywood Bowl [1972]
Cerca de 2 anos depois, em setembro de 1972, o Pink Floyd já contabilizava uma discografia respeitável, entre trabalhos de estúdio e trilhas sonoras. Do fim de 1970 até aquela data, o Pink Floyd já tinha lançado Meddle e Obscured by Clouds, e estava preparando o novo álbum Dark Side of the Moon. O setlist desse show na Califórnia reflete toda a intensidade desse período. A primeira parte do show é ocupada pelo espetáculo Eclipse, que mostrava o que viria a ser o novo álbum que a banda trabalhava. A faixa ‘The Travel Sequence” seria adaptada e substituída por “On the Run”, sendo uma faixa instrumental com um groove muito interessante. “Time” já estava com sua melodia vocal definida (bootlegs de shows anteriores da mesma turnê mostram ela em desenvolvimento); “Great Gig in the Sky” tem teclados no lugar das vocalizações que apareceriam no álbum e uma sequência de acordes diferentes da versão definitiva. Richard Wright nos teclados e Roger Waters no baixo estavam em grande noite, ainda que o segundo já deixava claro desde o princípio que era um vocalista extremamente limitado. A segunda parte do show tem um repertório similar ao que foi apresentado no concerto em Pompeii no ano anterior, com faixas de Saucerful of Secrets e Meddle.
Los Angeles [1975]
A tour de Dark Side of the Moon havia sido um sucesso estrondoso. Só pelo barulho da plateia no início desse bootleg é possível sentir o tamanho da audiência da banda (cerca de 17000 pessoas) na noite de 26 de abril de 1975, no Sports Arena em Los Angeles, EUA. Wish You Were Here ainda não havia sido lançado (saíria apenas em setembro), mas a banda já estava experimentando músicas para o novo álbum (Animals), que só saíria em 1977. E curiosamente, tal qual na época de Eclipse/Dark Side of the Moon, esse “experimentos” eram parte da abertura dos shows. No caso em questão, temos versões prévias de “Sheep” (“Raving and Drooling”) e “Dogs” (“You Gotta be Crazy”) logo de cara, ocupando cerca de 30 minutos do show, e depois de forma setorizada, faixas de Wish You Were Here (“Shine on You Crazy Diamonds”, partes 1 e 2 e “Have a Cigar”), anunciadas pela banda como “músicas para o novo álbum”, para depois seguirmos pela íntegra de Dark Side of the Moon e o fechamento do setlist com “Echoes”. É interessante notar que as faixas de Wish You Were Here já estavam muito próximas do que viriam a aparecer na gravação do álbum, com a “Have a Cigar” cantada em duo por Gilmour/Waters (em estúdio ela seria cantada por Roy Harper, como convidado). “Echoes” já tem mais cara de 1975 do que de 1971 (lembra até mesmo “Time”), tendo a participação de backing vocals e saxofone. Banda entrosada e clima de mega produção é o que há nesse bootleg de boa qualidade sonora.
Oakland 1977
Animals havia sido lançado em janeiro de 1977 e a tour que se seguiu foi, de um lado um sucesso comercial e artístico, por outro o retrato de uma banda rachada no meio de uma briga abissal de egos. Mesmo no ambiente tenso entre os integrantes, o resultado musical apresentado nesse show em particular não sente nenhuma influência negativa desses problemas. A abertura desse show, ocorrido em maio de 1977, com “Sheep” é estrondosa, com uma performance precisa e cheia de efeitos na voz, no baixo e nos sintetizadores. A primeira parte do show apresenta o álbum mais recente da banda na íntegra e traz “Dogs” um pouco mais veloz que em estúdio, com um gás extra e solos maravilhosos de Wright e Gilmour. A qualidade de som desse bootleg é surpreendente, pois é possível ouvir com muita nitidez detalhes de todos os instrumentos. A banda também já contava com a guitarra base de Snowy White e o saxofonista Dick Parry. Depois de Animals, é a vez da banda apresentar a íntegra do álbum anterior, Wish You Were Here, com bela versão da faixa título aos violões e piano. A sessão final traz dois momentos de Dark Side of the Moon (“Money” e “Us and Them”) e a faixa “Careful with that Axe, Eugene”, para concluir epicamente esse show. Curiosamente, essa faixa não frequentava os setlists da banda desde 1973 e nunca mais foi tocada pela banda junta em nenhuma outra ocasião.
Miami 1987
Aqui já temos a banda em um momento completamente distinto do retratado nos álbuns anteriores – sem Roger Waters, na turnê que resultou no álbum Delicate Sound of the Thunder, como uma banda já consagrada em todos os aspectos e com um ritmo de produção fonográfica muito menos intenso. O clima é total de superprodução, com uma grande banda de apoio, neste show ocorrido em novembro de 1987. A abertura é precisa com “Shine on You Crazy Diamond” seguidas de músicas do recém-lançado A Momentary Lapse of Reason, em versões bastante parecidas com as equivalentes em estúdio (“Signs of Life”, “Learning to Fly”, “Yet Another Movie”, “A New Machine”, “The Dogs of War”, “Sorrow” e “On the Turning Away”). As improvisações ficaram no passado. A segunda parte do show traz uma retrospectiva da carreira da banda nos anos 70, envolvendo “One of these Days” (a mais antiga de todo o set), faixas de DSTOM e WYWH e de The Wall, todas relidas com aquela sonoridade mais pomposa e polida dos anos 80. A qualidade técnica da banda é indiscutível nesse registro e vale a pena para quem gosta sobretudo das melodias e dos climas que a banda sempre apresentou em alto nível.
Belos bootlegs, com exceção do último, o qual eu não aprecio o track list, e acredito que o Delicate Sound of Thunder cobre bem esse período. O mesmo com o PULSE para a fase Division Bell.
Pink Floyd e Yes foram pioneiros em levar suas músicas para os palcos antes mesmo de chegarem as lojas, sendo que ambos faziam questão de tocar seus discos na íntegra em suas apresentações pouco depois do lançamento. Já fica a expectativa para ver um cinco discos de bootlegs do Yes por aqui. Há muitos shows sensacionais.
Dos bootlegs que poderiam aparecer do Floyd tb são o Floyds of London (que depois apareceu na caixa da BBC), The Man and the Journey e o do show na Holanda ao lado de Frank Zappa. A qualidade de gravação deste último não é das melhores, mas é um grande registro do Floyd vivendo a psicodelia.
Valeu Ronaldo.
Belíssimo texto sobre uma excelente banda! O Floyd pós-Dark Side não era mais afeito a improvisações no palco, mas, pelo menos até o “disco da vaca”, seus shows eram cheios de improvisos e “desvios” que tornavam as apresentações imprevisíveis aos fãs (basta comparar as versões de estúdio das músicas presentes no disco ao vivo do Ummagumma para perceber isto).
Tenho alguns bootlegs do Floyd, mas, curiosamente, não ouvi nenhum dos citados. Tenho de correr atrás. Para ampliar a lista, citaria o London ’66-’67 (que parece que foi oficializado depois, e contém uma das mais “viajantes” versões de “Interstellar Overdrive” que conheço), o do show de Veneza em 1989 (como dito no texto, em outro período da história da banda, mas ainda assim interessante), um bootleg intitulado “United”, com a íntegra da apresentação no Live 8 e alguns ensaios para o show (o qual vale, sobretudo, pelo valor histórico) e o já citado e sensacional “The Man and the Journey”, que traz versões diferentes para faixas já lançadas (ou que seriam reaproveitadas tempos depois pela banda), além de algumas que foram abandonadas no decorrer da trajetória do grupo, além de vários outros com sobras de estúdio e versões alternativas, neste caso até mesmo com “versões alternativas” de alguns dos álbuns oficiais, o que mostra que o Floyd trabalhava muito em suas músicas antes de chegar ao “acabamento final” do seu “produto”!
Na expectativa por mais listas como esta!