Discografias Comentadas: In Flames (Parte I)
Por Anderson Godinho
Para começar a falar de In Flames é necessário abordar brevemente o chamado Gothenburg Metal ou Gothenburg Sound, ou ainda, atualmente, Death Metal Melódico num sentido mais amplo. Estou falando da inserção de melodia que bandas como At the Gates, Dark Tranquillity e In Flames deram ao death metal que praticavam lá pelos lados de Gotemburgo, Suécia. Trouxeram elementos do heavy metal clássico para o som extremo originado nos EUA. De um modo geral podemos encontrar duetos no melhor estilo Iron Maiden, teclados presentes, mais variações nos vocais entre limpos, rasgados e guturais, músicas por vezes não tão rápidas e com variações e quebras nos ritmos mais frequentes que no death tradicional.
Tratam-se do final dos anos 80 e começo dos anos 90. Reza a lenda que alguns dos membros das três bandas moravam no mesmo lado de Gotemburgo e por vezes se reuniam para beber e curtir um som, e, que a cena metal da cidade não passava de 50 pessoas. É interessante pensar que uma cidade com, na época, menos de 600 mil habitantes e com, até então, um pingado de espaços que tocavam metal produziu algo diferente e relevante. Apesar de indícios (poucos) do que viria com bandas como Grotesque, Ceremonial Oath e nos primeiros materiais de At the Gates, Dark Tranquillity e In Flames, apenas em 1995 é que a coisa começa a tomar uma forma e ganhar espaço pra valer. É com o álbum Slaughter of the Soul, quarto material do At the Gates, também com o belíssimo The Gallery do Dark Tranquillity, e finalmente com The Jaster Race (1996) do In Flames que o tal Gothenburg Sound seria posto a prova.
“– Mas Anderson, Jaster Race é o segundo algum do In Flames!“
Então vamos ao In Flames. A banda é formada em 1990 por Jesper Stömblad, obviamente em Gotemburgo, Suécia, como um projeto paralelo. A ideia era ser mais inventivo e fugir do death tradicional praticado pela Ceremonial Oath, banda principal de Jasper. No entanto Jasper deixa o Ceremonial em 1993, chama o guitarrista Glenn Ljungström e o baixista Johan Larsson para formar o primeiro line-up fixo do In flames. Com essa formação gravam uma demo com três músicas e assinam com o selo Wrong Again Records (W.A.R.), após mentirem sobre ter 13 músicas prontas.
Lunar Strain [1994]
Nessa época, o curioso é que não tinham um vocalista fixo ainda. Para tal função convidam o então membro do Dark Tranquillity, Mikael Stanne que aceita e grava com a banda. Ainda neste álbum Jennica Johansson participa com belos vocais femininos em Everlost. Este álbum é sem sombra de dúvidas o mais pesado e sombrio da banda. A maior parte das composições se aproxima do death tradicional com uma bateria transitando entre àquele e o thrash. Em alguns momentos aparecem elementos melódicos vindos da guitarra principalmente. Peso e agressividade com uma atmosfera muito densa são a tônica. Como destaque temos a clássica “Behind Space”, até os dias atuais tocada em alguns shows, que mostra a gênese do metal de Gotemburgo: criatividade, agressividade e peso. “Everlost pt.1” com uma melodia única: sombria e pesada, e sua sequência “pt.2” com vocal feminino e violão, algo de aplaudir de pé. Ainda na linha melódica podemos colocar “Dreamscape” como exemplo dos bons tempos do In Flames. Temos ainda a temática “Hårgålaten” e, por fim, as pedreiras faixa título e o ótimo death “Starforsaken”. Percebe-se uma banda experimentando muita coisa e sem bater o martelo sob o que viria a ser sua identidade.
Na sequência dos trabalhos a banda lança seu segundo EP, Subterranean, com cinco músicas inéditas. Nesse EP, o trio está bem mais entrosado e com uma sonoridade mais homogênea. Jesper deixa as baquetas e assume a criação melódica nas guitarras junto com Ljungström. Para a bateria dois nomes são chamados: Daniel Erlandsson (Stand Ablaze e Ever Dying) e Anders Jivarp (Subterranean e Biosphere). Os arquétipos do death metal melódico estão lançados em todas as músicas. “Stand Ablaze” e “Subterranean” são mais pesadas, enquanto “Ever Dying”, com uma passagem melódica mais lenta no meio surge como algo diferente. A boa instrumental “Timeless” introduz a última paulada “Biosphere”. Ainda sem um vocalista definitivo, é Henke Forss quem faz a função. Sua técnica é mais extrema e com um gutural carregado mas sem tantas variações. O material é muito bem recebido na crítica e leva o In Flames para a Nuclear Blast.
The Jester Race [1996]
Finalmente chegamos no ano de 1996 com The Jester Race. Este é o álbum que faltava para alavancar de vez o Death Metal Melódico dos suecos. Aqui a banda conta com uma formação completa, sendo que entrariam para não mais sair Björn Gellote na bateria e Anders Fridén, a voz do In Flames que estava até 1993 no Dark Tranquillity. O play ao lado do então vindouro Whoracle, é cultuado atualmente como manual do Gothenburg Sound. Destaques para as ótimas “Moonshield”, que abre o material com muita melodia, gutural constante e potente de Fridén. Na sequência a instrumental “The Jester’s Dance” mostra o amadurecimento do som da banda e a diretriz para o caminho a ser seguido. Dentre os destaques temos ainda as rápidas “Dead Eternity” e principalmente “December Flower”, a interessante faixa título e a instrumental “Wayfearer”. Originalmente lançado com 10 músicas, uma edição limitada ainda traz dois bônus inéditos com a ótima instrumental “Gyroscope” e a esplendorosa “Goliath Disarm Their Davids”. Nessa fase as mentes criativas ainda são Jesper e Ljungström, o que viria a mudar mais para frente e estabelecer novos ares para a banda.
Este álbum é seguido de uma generosa tour pela Alemanha ao lado do Kreator, com passagens por países próximos e, ainda, leva o In Flames para alguns festivais dentre os quais o aclamado Wacken Open Air, em agosto de 1997.
Whoracle [1997]
O In Flames segue o rumo pré-estabelecido, mantem a fórmula e a formação que se alinhava cada vez mais. O resultado é o clássico Whoracle lançado em novembro desse ano. Este álbum é sem sombra de dúvidas um dos três melhores da banda: A fase de ouro começa. Fridén assume um papel importante na criação enquanto o baterista Gelotte assume parte das ideias das guitarras. A temática apocalíptica do álbum é algo de destaque por si só. Temos uma paulada atrás da outra, várias músicas que ainda acompanham a banda saem dessa pequena maravilha: “Jotun” abre mostrando a que veio com um som clássico da banda, depois a violentíssima “Food for the Gods” mostra a vertente death dos caras. A instrumental “Gyroscope” (oficialmente apresentada) é seguida pela bela “Dialogue With the Stars”. Destaco ainda a pedreira “The Hive”, a melódica “Jester Script Transfigured”, a clássica “Episode 666” e por fim “Whoracle”, deixando um gostinho de quero mais. Nesse álbum podemos notar, ainda, a presença de voz limpa em alguns momentos, o que abre uma perspectiva pro futuro da banda. O instrumental sobe um degrau e a alcunha ‘Iron Maiden do Death Metal’ é forjada para a banda, inclusive com mascote e capas que seguem uma linha paralela ao Maiden em relação a riqueza de detalhes. Aliás, outro destaque é a capa desse álbum com muitos elementos escondidos e que só um bom fã da banda irá encontrar, creio que a maioria dos fãs concorda que é a capa mais legal dos caras.
Infelizmente de modo um tanto quanto abrupto dois membros fundadores decidem sair da banda após a gravação do material: Ljungström e Larssom. Algumas vozes, como a do produtor Fredrik Nordstöm (Arch Enemy, Dark Tranquillity, Opeth, Powerwolf, etc), comentam que problemas com álcool atrapalham a banda, principalmente os membros fundadores em questão. Com essas mudanças de formação o então baterista Gelotte vai para as guitarras de vez e Daniel Svensson é recrutado para a bateria, estreando no festival Dynamo Open Air de 1998. A banda expande sua turnê para além do círculo nórdico e germânico da Europa e se torna figura carimbada nos festivais dentre os quais o famoso Grasspop Metal Meeting.
Colony [1999]
Com a formação mais clássica de todas, o In Flames chega ao seu quarto álbum: o aclamado Colony, lançado em maio primeiramente no Japão, e com Fridén nos vocais, Gelotte e Jesper nas guitarras, Daniel Svensson na bateria e incorporando Peter Iwers no baixo. Colony é o segundo do “triunvirato” do In Flames. Os caras mantém o embalo dos dois antecessores, mas agora trazem novos elementos aproveitando-se da maior participação de Anders Fridén na parte criativa. O modo de cantar traz muitas novidades que se tornaram a cara da banda: redução na quantidade e proporção de guturais frente a uma vocalização rasgada. Passagens limpas, porém ainda muito graves e em pequena quantidade. Enquanto isso na cozinha Svensson traz viradas, velocidade, criatividade para a bateria da banda, enquanto Iwers consegue fazer um trabalho mais marcante de baixo. Porém é o dueto Jesper-Gelotte que conduz o vapor, talvez entrando no auge da criatividade com muitas melodias bonitas, solos virtuosos e uma pegada marcadamente NWOBHM como sugere a crítica da época. Vale ressaltar que Jester Race, Whoracle e Colony compõem uma trilogia sobre o antes, durante e depois de um mundo em que os humanos falham perante as máquinas. As letras tematizam sobre aspectos positivos e negativos da existência, e, sua relação com o místico. Entre sagrado e profano, novos clássicos aparecem para nunca mais sair do set da banda. O play contém algumas músicas que seguem muito a linha dos dois materiais anteriores: “Embody the Invisible” – que abre muito bem o disco -, “Coerced Coexistence” e “Resin”, por exemplo. Entretanto as novidades surgem positivamente e com força em “Zombie inc.”, “Inspid 2000” e “The New World”, todas com solos lindíssimos e técnicos, vocal rasgado, passagens limpas e graves de Fridén. A distorção das guitarras também ganha uma repaginada que as deixa mais agudas, enquanto que a bateria apresenta a caixa mais seca. “Scorn” é outro destaque com sua velocidade e pegada reta, quase um metalcore. Outros elementos como teclados e iniciativas com um ar de metal industrial aqui e ali, surgem. Agora dois clássicos merecem o maior destaque: “Ordinary Story “é absoluta no álbum e na discografia da banda. Falar de In Flames é falar dessa música, que traz de uma vez todas as novidades armazenadas ao longo do tempo, de modo único. É um som forte, com um refrão grudento, todos os integrantes alinhadíssimos. A outra é o bônus “Man Made God”, instrumental de responsa, empolga do começo ao fim.
Pela primeira vez a banda desponta no Japão para onde se deslocaria em 1999 para uma tour completa. Além do Japão a banda chega nos EUA por meio do festival Milwaukee Metal Fest no verão de 1999 e de lá direto para mais um Wacken, para então retornar e fazer uma tour mais extensa pelos EUA. Essa aproximação com bandas e público dos EUA será fundamental para a sequência da banda.
Clayman [2000]
Aproveitando a fase, a banda não para e chegamos ao terceiro da lista de álbuns obrigatórios do In Flames, para muitos o melhor de todos, Clayman. Esse CD marca ainda a última grande capa dos plays da banda com características como seu mascote (JesterHead) com aspecto demoníaco, cenários pós-apocalípticos e/ou sobrenaturais. Complicado de explicar o que é este álbum. São minutos de alegria e bateção de cabelo. Novamente surgem clássicos lembrados nas turnês até hoje, outras que são tão boas quanto mas que perderam espaço com o tempo e, das 11 (sem contar os dois bônus lançados no Japão) temos apenas três músicas que podemos considerar normais e mesmo assim são muito boas, preenchem o álbum muito bem. No campo das clássicas temos “Bullet Ride” com sua sonoridade melódica. Temos passagens de guitarra sem distorção (frequentes nesse álbum), riffs bem variados e distribuídos dando à música diferentes pegadas. Na cozinha as linhas de baixo são marcantes. Isso é de certo modo novo na banda que sempre teve o baixo um pouco aquém do resto. A bateria muito criativa e começando com as invenções swingadas que eram algo muito diferente no metal. O vocal predominantemente gritado, mas, com algumas passagens guturais materializa a mudança de rumos que se iniciava. Na sequência a ótima “Pinball Map”, outro clássico, que começa rápido e cai num refrão em vocal limpo. No trecho final passagem gutural e cadência destruidora. Porém é na terceira que temos um dos maiores clássicos da banda: “Only for the Week”. Para grande parte dos fãs esse som simboliza a banda, que, aliás, causou a mudança de lugar do festival Metaltown (Gotemburgo) depois que a galera (fala-se em 80 mil pessoas) pulando disparou o alarme de terremoto da cidade em 2010. Aqui temos tudo em seu devido lugar e na sua devida medida! Refrão pegajoso, bateria pesada. É um som cadenciado. A Voz passeia entre algo gritado e passagens limpas porém arrastadas e graves. Na mesma linha ainda temos a faixa título. Amigos, é clássico atrás de clássico: essa aparece mais pesada com vocal no destaque pela agressividade. Um refrão maravilhoso e a velocidade da bateria e baixo carregando a música em peso. Destaco ainda “Satellites and Astronauts”, uma música linda com efeito de prolongamento na voz, dedilhados na guitarra sem distorção e com um efeito condizente com o da voz, constância da bateria e um baixo determinante no ritmo sombrio da música. Por fim, “Suburban Me, Square Nothing” e a derradeira “Another day in Quicksand”. Representam muito bem essa fase, sendo que a última ainda remonta aos velhos tempos trazendo uma batida que remete à “Whoracle” e “Gyroscope”. A essas alturas vale comentar sobre as letras que são mais abertas para interpretação, o que segundo o próprio Anders foi resultado do fim de um relacionamento que o colocou em uma nova perspectiva de mundo. As letras de modo geral são bem construídas no inglês e ainda encaixam sem percalços nas músicas.
Imagino o impacto que teria se fosse uma banda dos EUA, pois é com esse play que nomes de sucesso atuais como Trivium, Killswitch Engage ou As Lay I Dying se basearam e, principalmente a primeira, tem o sucesso espantoso pelo som que fazem, no entanto Clayman chegou no máximo a 16ª posição na Alemanha. Com este álbum o In Flames consegue atingir maiores públicos e circular dentre os grandes do metal europeu dos anos 90 e 2000. A banda aparece na parte de cima dos folhetos dos grandes festivais europeus ao lado de nomes importantes como Gamma Ray, Rhapsody, Kreator, Axell Rudi Pell, Grave Digger, Dimmu Borgir, Carcass todos no auge. Em 2000 vai excursionar com o Slipknot em uma grande turnê que rende o ao vivo The Tokyo Showdown. Na sequência aparece em importantes festivais como Decibel, Gods of Metal, Tuska e o Wacken novamente só que desta vez um patamar acima, com mais tempo de show e horário melhor. Em 2001 e 2002 a banda continua em tour, expandida para a América do Norte incluso México e Canadá, e muitos festivais por toda a Europa.
A partir daqui uma nova mudança no estilo, entretanto a ruptura é maior e me faz pensar sobre aquela velha e longa lista de “bandas que poderiam/deveriam ter mudado de nome”. Anders ganha mais espaço na banda com o sucesso da investida em Clayman em que usou suas emoções para dar forma aos sons. Nessas alturas a repercussão e projeção da banda a faz ganhar o mundo e se arriscar mais … muito mais…
Eu gosto bastante de ambas as fases do In Flames, mas acho que o pessoal exagera um pouco nas críticas quase se exigindo que a banda seja um AC/DC do estilo. Eu acho que a mudança do som é algo comum principalmente neste estilo melodeath, visto que, a meu ver, chega um momento que satura demais gravar discos e discos nesse mesmo estilo, ainda mais do que no power metal.
Então a mudança para algo mais grooveado é algo que vejo como natural nesse estilo, visto que considero que a criatividade e ideias frescas acabam diminuindo um tanto com a longevidade. Gosto que eles se desafiem e mantêm o peso.
O disco que mais gosto e que mais ouvi é, curiosamente, A Sense of Purpose de 2008, disco que o pessoal malha.
Oi André! Olhe, concordo em partes. Realmente a mudança faz bem as vezes, por exemplo, gosto muito dos últimos 3 do sepultura. Combo InFlames o que considero a fase pós clayman acho MT boa tbm. Agora fico triste por eles não retomarem quase nunca, principalmente na fase atual, o peso dos discos iniciais. Ficaram cada vez menos pesados e mais melosos. A distância ficou muito alta. Pra quem acompanha a banda a mudança foi gradual, mas qm pega hj acha que é outra banda.
Era uma banda que tinha um som único e inimitável, mas resolveram mudar e hoje soam ordinários, como trocentas outras que vemos por aí. Não acho os discos recentes ruins, só comuns como eu disse. Você facilmente encontra outros que fazem igual e melhor. Mas se o objetivo era aumentar a popularidade, pode-se dizer que foram bem sucedidos.
Concordo… Acho até que após essa primeira fase mais pesada e autêntica eles ainda produzem coisas que chamam a atenção e são criativas. Porém os últimos… comuns…