Tralhas do Porão: Yezda Urfa
Por Ronaldo Rodrigues
Podemos ter a impressão de que todas as bandas que gravaram álbuns cultuados e desejados pelos colecionadores buscaram incessantemente o sucesso. Mas não é bem o caso. O Yezda Urfa era uma banda de alto nível técnico e grande potencial, que não se incomodou em não ter um selo, ter seu álbum distribuído, nem fazer shows. Felizmente, em sua curta trajetória gravaram dois ótimos álbuns de rock progressivo.
O Yezda Urfa foi formado por Marc Miller (baixista, vocalista), Mark Tippins (guitarrista, vocalista), Brad Christoff (baterista), Phil Kimbrough (tecladista) e Rick Rodenbaugh (vocalista principal). O grupo se formou no estado de Indiana, apesar da dupla Marc/Mark ter nascido no estado vizinho de Illinois, onde fica Chicago. Marc Miller veio de uma família de músicos e começou na guitarra; já Mark Tippins ganhou uma guitarra de presente do pai só aos 12 anos. Marc Miller entrou em um grupo de colegas de escola, do qual vários tocaram guitarra. Os mais habilidosos ficaram com o posto e Miller assumiu o baixo. Dentre esses colegas, estavam os futuros colegas de Yezda Urfa – Brad Christoff e Phil Kimbrough. Já Marc Tippins rodou mais pela área e tocou com vários grupos adolescentes da área de Portage, Indiana. Em 1973, os caminhos de Miller e Tippins começaram a se cruzar. Miller havia deixado o grupo formado na escola, com Christoff e Kimbrough. Os dois estavam montando um grupo folk-acústico e convidaram Mark Tippins para dele fazer parte. Contudo, a influência do rock progressivo naquela época estava demasiadamente forte para ser ignorada. O formato acústico logo foi deixado de lado e o trio passou a buscar novos membros para migrar para a eletricidade necessária para o progressivo.
O grupo passou a ensaiar longamente e o nome foi definido a partir da junção de nomes aleatórios de mapas e dicionários. A palavra Yezda é de origem iraniana e Urfa é a variação do nome de uma cidade turca. As influências eram claras – Yes, Genesis, King Crimson, Gentle Giant, Premiata Forneria Marconi, ELP, mas também incluíam nomes como Spirit e CSN&Y. Os primeiros shows do Yezda Urfa foram todos auto-produzidos, com bandas locais e tendo o círculo social da banda como público. Vendo a dificuldade em conseguir se apresentar e a dificuldade de se auto-produzir, a banda passou a focar em ensaiar e buscar registrar suas composições. E essa acabou sendo a sina do Yezda Urfa. O repertório para um primeiro álbum já estava pronto, com a maioria das composições assinadas pelo guitarrista Mark Tippins, mas nenhum dos músicos estava muito afim de bater em centenas de portas para obter um contrato. A saída foi então fazer uma prensagem privada e assim foi feita – apenas 300 cópias de Yezda Urfa, o primeiro álbum autointitulado, foram produzidas em 1975 e distribuídas de forma amadora pela área. O disco foi gravado em Chicago e foi por ali que a banda fez os poucos shows de sua carreira.
É uma triste constatação ver que um horizonte tão limitado tenha sido destinado a um material tão rico. O álbum traz uma música eclética, com um trabalho formidável de bateria e baixo, composições empolgantes, guitarras furiosas, teclados expressivos e bons vocais. O cérebro do ouvinte é sacudido pelas intensas variações que a banda imprime. Não é som para quem tem apenas uma apreciação lateral do rock progressivo – é um mergulho nas profundezas do estilo. Outra coisa que impressiona é que apenas 3 dias foram gastos em todo o processo, bastante tenso por conta do prazo apertado para concluir, incluindo overdubs de instrumentos acústicos e de percussão orquestral, como sinos e vibrafones. Ainda que alguns pequenos erros de execução sejam perceptíveis, o senso de urgência da gravação fica nítido, o que dá um frescor próprio ao álbum. Apesar de ter sido um processo financiado pela própria banda, a qualidade da gravação é plenamente apreciável e alinhada ao padrão da época.
Mas a banda não desanimou – continuaram compondo e ensaiando. As pretensões comerciais eram mínimas, mas as ambições musicais continuavam elevadas. Visando obter um resultado ainda melhor, a banda descolou um estúdio mais bem equipado nos arredores de Chicago para gravar o novo álbum, batizado de Sacred Baboon. A banda se preparou melhor financeiramente (Brad Cristoff conciliava um trabalho regular com a banda e ganhava um bom salário) e pode gravar o álbum com mais calma. O processo todo consumiu alguns meses e o resultado é nitidamente mais apurado que o do primeiro álbum. Entrosados e dispondo de melhor estrutura, Sacred Baboon é outro arroubo progressivo, que conta inclusive com vários trechos reaproveitados e rearranjados do álbum autointitulado. Seja pelo vocal de Rick Rodenbaugh, pelo baixo de Marc Miller ou a bateria de Brad Cristoff, há alguma lembrança do Flash, de Peter Banks, combinado com loucuras à la Gentle Giant.
Como a brincadeira estava ficando cara demais e sem retorno algum, os músicos começaram a se dispersar, ainda que mais algumas composições foram trabalhados após o lançamento (também em prensagem privada) de Sacred Baboon. Mark Tippins e Phil Kimbrough continuaram tocando juntos em um projeto chamado Crafty Hands, tocando um tipo de música mais tranquila e pop, contando também com os vocais de Rick Rodenbaugh, com um álbum lançado em 1982. Com o advento da internet, a banda foi sendo redescoberta e deixou de ser privilégio de uns poucos colecionadores. Esse interesse gerou o convite para a banda se reunir em 2004 e tocar para milhares de fãs no importante festival Near Festival. O show gerou um álbum ao vivo, com o material da apresentação.
Até coloquei o primeirão deles para tocar (aqui no computador claro, já que em vinil nunca verei). Eu curto muito essa banda, as desconhecia sua história. Acho a produção do primeiro álbum fantástico, e essa crueza que o Ronaldo fala no texto é o charme a mais. As passagens de moog, as linhas dobradas dos vocais, a bateria viajante, é um som muito legal de curtir.
O ao vivo é um disco nostálgico, e apesar da evolução na seriedade sonora do segundo disco, ainda fico com a criatividade do primeirão.
Valeu Ronaldo
Aproveitando Ronaldo, você percebe alguma semelhança de Bacamarte com a faixa “3, Almos Yea”? Eu acho quase que um plágio …
Bem legal, Mairão! Antes de pesquisar a história da banda, nunca tinha me atentado que tratava-se de uma prensagem particular. Apesar de crua, a gravação tem muita qualidade! E a moçada não economizava ehehehe. E sim, se parece muito com o Bacamarte essa faixa que você citou eheehehe…principalmente pelos timbres e a estrutura da composição. Mas acho praticamente impossível que um tenha conhecido o outro!
Abração!
Duvido que o pessoal do Yezda tenha conhecido o Bacamarte, mas não duvido do Mario Neto. Aquele cara pode tudo! hehehe
Tenho o Sacred Baboon em vinil há anos. Foi uma banda cultuada tardiamente, já que, como acontecia com a maioria das bandas obscuras de prog americano, era desprezada por parecer uma cópia sem inspiração de yes e gentle giant. Até achavam legal, mas… Ah, esses que tudo sabem, tudo rotulam…