Shows Inesquecíveis: Elton John (Fortaleza, 26 de fevereiro de 2014)
Por Eudes Baima
Para antecipar mísseis de intolerância, vou logo limpando o terreno: Elton John tem, se contarmos do lançamento do primeiro LP, 55 anos de carreira, dos quais foi brilhante durante 10. E são pelos 10 primeiros anos de carreira que o cantor e pianista será imortalizado. Obviamente, nos 45 anos seguintes, Elton não deixou de soltar, aqui e ali, gemas preciosas pela estrada cada vez menos dourada. Mas, a partir dos anos 80, dificilmente teremos um disco seu plenamente satisfatório, mesmo que eu tenha feito campanha entre ao amigos para que ouçam os ótimos The Captain and The Kid (2006) e The Union, dividido com outro monstro da virada dos 60 para os 70, Leon Russel, lançado em 2010.
Problema é que nesses 10 primeiros anos, Elton cultivou uma obra recheada de discos clássicos, marcos de uma época, mas com prazo de validade indefinido. LPs como Elton John (1970), Tumbleweed Connection (1970), Madman Across the Water (1971), Honky Château (1972), Don’t Shoot Me I’m Only the Piano Player (1973), Goodbye Yellow Brick Road (1973) e Captain Fantastic and The Brown Dirt Cowboy (1975) figuram facilmente em listas de melhores de todos os tempos, como, aliás, a seção com este nome, aqui na Consultoria, tem demonstrado. E mesmo discos menos lembrados, como Caribou, de 1974, Blue Moves, de 1976 e A Single Man, de 1978 trazem momentos marcantes. Não sou o primeiro a observar o prodígio produtivo de Elton e Bernie Taupin, forjado num tempo tão curto, equilibrando qualidade e quantidade num ritmo estonteante.
Nesse período, Elton John acumulou tanto triunfos artísticos como vendas maciças, trafegando por baladas pungentes e belas, mas fazendo incursões também em rock’n’roll intenso, boogie-woogies cinquentistas e até mesmo em números semi-progressivos. Bom, é por isso que ainda lembro que fez todo o sentido eu ter ido a um show de Elton John, ainda mais sabendo que o vozerão estava todo lá e os dedinhos continuavam ágeis e eficazes ao teclado, enquanto que a banda da melhor idade que o acompanhou detona o melhor rock’n’roll que o dinheiro pode comprar. Mas… o tempo passou e ver Elton na tórrida Arena Castelão naquele 26 de fevereiro de 2014 deixou também um gostinho de estar vendo Elvis, nos anos 70, cantando num cassino em Las Vegas. Ainda mais na frieza de um imenso estádio de futebol.
Com efeito, estádios não são ambientes adequados para concertos de rock. A distância e o vazio entre público e artista inevitavelmente levam a uma frieza, só quebrada pelos hits conhecidos ao ponto da plateia cantar junto. Não é por acaso que a expressão “rock de arena” guarda sempre uma pontinha pejorativa. Essa sensação de distância e falta de interação, no caso da parada em Fortaleza da turnê Follow the Yellow Brick Road, foi intensificada pela plateia envelhecida e alheia à discografia do cantor que compareceu à bela mas abafada capital cearense com a estranha finalidade de acrescentar um show internacional em seu currículo pessoal. É preciso dizer ainda que a casa não lotou, o que não é desdouro para quem, de todo jeito, reuniu algo como 20 mil pessoas num meio de semana, com expediente no dia seguinte.
O show foi antecipado pela divulgação do set list que acendeu a expectativa dos velhos fãs, uma vez que composta majoritariamente por clássicos dos tempos áureos, fazendo jus ao título da excursão, com pouca concessão ao pop sem graça que Elton passou a praticar nos anos 80, mas que fez sua caixa registradora tilintar feito louca, depois de um certo ostracismo que se seguiu ao LP A Single Man, de 1978. E de fato, Elton começou destroçando nossos corações com uma longa e progressiva interpretação de “Funeral for a Friend”, a histórica faixa que abre Goodbye Yellow Bricks Road, com solos intensos do pianista e do espetacular e subestimado guitarrista Davey Johnstone, mas meio anticlimática para a maioria do público pouco conhecedor do repertório. “Bennie and The Jets”, tocada num arranjo pesadão e animado, com o baterista Nigel Olsson começando a tomar a cena com uma condução seca e contundente, acordou o público, mas não o suficiente.
A primeira comoção, porém, só veio com “Candle in The Wind”, mais conhecida do público, foi ilustrada por uma emocionante sequência de fotos de Marylin Monroe, para quem Elton compôs a canção. Este momento abriu uma seção arrasadora em que Elton enfileirou joias do quilate de “Levon”, “Tiny Dancer” e uma “Holliday Inn” de cuja beleza eu não lembrava mais, pontuada por delicados solos ao violão de Johnstone. A sem graça “Believe”, que Elton tocou não sem antes dizer que “acredita no amor”, permitiu respirar antes que o cantor voltasse a enfileirar clássicos do porte de “Philadelphia Freedom” e, do seu talvez maior hit no Brasil, “Skyline Pigeon”, que fez cinquentões e sessentões soltarem o gogó em plena praça de esportes.
Outra das poucas vezes em que o estádio veio abaixo, claro, foi com a canção título da turnê, cantada em coro pela plateia, seguida por uma das muitas pérolas que Elton jogaria a porcos com cara de “ora veja naquela noite“, “I’ve Seen That Movie Too” e por uma belíssima “Rocket Man” que Elton introduz, para desnorteio das senhoras de idade média presentes, com um longo solo bachiano. “Hey Ahab”, do disco com Leon Russel, manteve o nível musical, mas metade do público desceu aos péssimos bares para pegar mais uma cerveja quente. A razoável “I Guess That’s Why They Call It the Blues” não foi suficiente para acordar a audiência, ainda mais que veio puxando a sequência mais sem graça da noite, com a bela “The One”, que se salva do álbum do mesmo nome, e da pouco conhecida “Ocean Way”.
O hit “Sad Songs” também não sacodiu a roseira, enquanto mais umas pérola lançada aos porcos, “All the Girls Love Alice”, “Home Again” e “Diving Board” foram recebidas com novas ondas de fria educação pela plateia pouco versada. A turma voltou a aplaudir com vontade quando Elton atacou o mega hit “Don’t Let The Sun Go Down on Me”. Elton fechou o set com uma sequência roqueira, tocada com vibração, que, apesar de começar com a fraca “I’m Still Standing”, seguiu com petardos como “Your Sister Can Twist” e “Saturday Night’s Alright for Fighting”. Depois foi só voltar para o abraço com “Your Song” e “Crocodile Rock”, quando, afinal, a educada mas pouco calorosa plateia finalmente rockou.
No balanço da noite, Elton e a banda jogaram com profissionalismo e garra, lançaram mão de um repertório bastante respeitável, tiraram alguns clássicos mais obscuros da gaveta, mas o show foi tremendamente prejudicado pela indiferença da maioria do público, o que reflete um pouco a situação do artista no mercado brasileiro, com imensos hits, mas sempre pontuais. Hoje chega a ser difícil encontrar nas lojas seus discos dos anos 70, por exemplo.
Não foi nenhuma epifania, mas valeu os suados reais pagos na entrada, que certamente, nos dias de hoje, dificilmente se repetiria para mim.
Set List
Funeral for a Friend/Love Lies Bleeding
Bennie and the Jets
Candle in the Wind
Grey Seal
Levon
Tiny Dancer
Holiday Inn
Mona Lisas and Mad Hatters
Believe
Philadelphia Freedom
Goodbye Yellow Brick Road
I’ve Seen That Movie Too
Rocket Man (I Think It’s Going to Be a Long, Long Time)
Hey Ahab
I Guess That’s Why They Call It the Blues
The One
Oceans Away
Someone Saved My Life Tonight
Sad Songs (Say So Much)
All the Girls Love Alice
Home Again
Don’t Let the Sun Go Down on Me
I’m Still Standing
The Bitch Is Back
Your Sister Can’t Twist (But She Can Rock ‘n Roll)
Saturday Night’s Alright for Fighting
Encore:
Your Song
Crocodile Rock