Tralhas do Porão: Ultimate Spinach
Por Ronaldo Rodrigues
O rock psicodélico norte-americano ficou bastante conhecida pelo West Coast Sound. Também pudera – as bandas psicodélicas mais célebres, longevas e bem sucedidas (ao menos em termos de reputação) do estilo eram californianas: The Doors, Jefferson Airplane, Grateful Dead, Quicksilver Messenger Service, Big Brother and Holding Co., Country Joe & The Fish, Moby Grape, etc. Contudo, o restante do país não ficou assistindo isso de camarote como pode parecer. Bandas de outros estados visavam surfar a mesma onda e, em particular, um camarada bastante ousado e de métodos pouco ortodoxos, decidiu não só fabricar uma banda para rivalizar com essa turma; ele queria construir uma cena inteira. Isso se desenrolou em Boston (na costa leste americana) e o responsável pela empreitada chamava-se Alan Loeber. A história, bastante insólita, do que se chamou Bosstown Sound pode ser vista em mais detalhes nesse brilhante texto do nosso colaborador Marco Gaspari (leia aqui).
Nesse texto, contudo, vamos explorar um pouco mais a história de uma das bandas do Bosstown Sound – o Ultimate Spinach. A banda foi formada por Ian Bruce-Douglas, um jovem garoto que não era o mais rockeiro de sua turma, mas que se arriscava em muitos instrumentos diferentes. Em meados dos anos 60, Douglas começou a tomar LSD e acessos de inspiração lhe ocorriam, o que o motivou a procurar outros músicos para botar pra fora essas ideias. Os primeiros recrutados não eram bons o suficiente para que Douglas se lembrasse deles, mas a coisa começou a melhorar quando ele conheceu o guitarrista e vocalista Geoffrey Winthrop. Winthrop tinha algumas composições bem bonitas, na linha pop do The Mamas and the Papas. Em 1967, juntaram mais uma turma – que incluía a vocalista/guitarra Barbara Hudson, o baterista Keith Lahteinen, o guitarrista Ted Meyers e o baixista Richard Nesse – e levantaram um dinheiro para gravarem suas primeiras demo. O próprio Douglas acreditava mais no material de Winthrop do que em suas próprias composições, mas mesmo com elas, nenhuma gravadora de Nova York se interessou pelo material. Alguns produtores chegaram até a dizer que a banda tinha potencial, mas precisava amadurecer mais. Douglas, em retrospectiva, admitiu que eles estavam certos. Mais alguns meses de ensaio e uma nova demo chegou nas mãos do já citado Alan Loeber, que logo se tornou empresário e promotor do grupo. Então, o Ultimate Spinach era uma banda que no fim de 67 tinha repertório, um contrato, empresário e sessões de gravação agendadas, além de uma residência na casa noturna Unicorn Coffeehouse, em Boston.
Como a banda foi formada a partir de uma miscelânia de músicos, que não se conheciam previamente e tampouco eram amigos, é de se esperar que o relacionamento do grupo não fosse dos melhores. Alan Loeber (a quem a banda posteriormente se referia como “o parasita”) também trazia instabilidade ao ambiente, pelas pressões comerciais e artísticas que exercia, privilegiando o repertório mais “doidão” de Douglas em detrimento das composições mais estruturadas de Winthrop; Winthrop e Nesse já eram casados e este último já tinha um filho; Barbara era uma garota conservadora de apenas 18 anos e, basicamente Douglas era o único que tinha um estilo de vida condizente com a música psicodélica que sua banda estava executando. O nome da banda foi dado por Douglas, inspirado pelas alucinações de uma de suas muitas viagens de LSD.
O material do primeiro disco, Ultimate Spinach, capta bem o que transitava na cabeça de Douglas e o que Loeber entendia como o som capaz de fazer frente ao San Francisco Sound – uma intensa mistura de música lisérgica, com todo o sabor da época, vocais em coro, experimentos com efeitos de guitarra e de teclados, uso de instrumentos diversificados e exóticos, etc. O primeiro álbum da banda foi lançado logo nos primeiros dias de 1968, pela MGM, e traz em seu conteúdo todo aquele ar contestador da época, especialmente voltado para o discurso anti-guerra e para as curtições alucinógenas. Os esforços de Loeber em promover a cena que ele estava construindo rendeu, ao menos inicialmentem bons frutos – Ultimate Spinach teve boa vendagem e chegou a figurar na parada de álbuns da Billboard. Além disso, Boston começou a ficar pequena para o Ultimate Spinach e a banda começou a rodar por outros estados, chegando até a tocar no Filmore junto com outros nomes importantes da época.
Nem o lampejo de sucesso fez as coisas se assentarem na banda e, logo após o lançamento do disco, Douglas já estava correndo atrás de substitutos para a banda. O primeiro a se mandar foi o baterista Keith Lahteinen, substituído por Russ Levine. Douglas estava com frequentes problemas respiratórios e nesse meio tempo, Loeber pressionando por novas gravações na qual ele próprio incluiria canções. Os músicos da banda já nem mais se falavam; Douglas tentava compor novo material de forma fragmentada e Loeber, ao invés de apaziguar os ânimos, ficava incentivando reclamações de Winthrop e Nesse sobre Douglas, enquanto ele fazia o mesmo da parte de Douglas para os demais. Douglas descreve essa fase como um pesadelo; no fim das contas, como ele era o compositor principal do grupo, acabou conseguindo prevalecer na banda, com a partida de Winthrop e Nesse. Ele também queria demitir Levine, mas esse insistiu em ficar, ainda que continuasse a reclamar dele para os demais. Aos trancos e barrancos, o segundo disco do Ultimate Spinach foi concluído e batizado de Behold and See, contando com os membros da formação anterior (com exceção de Russ Levine). O segundo álbum já mostra a banda mais entrosada, com uma qualidade de som melhor e, novamente, ideias psicodélicas bastante convincentes de Douglas. “Mind Flowers”, com seus quase 10 minutos, é o grande destaque do disco. Uma coletânea representativa da psicodelia americana do período não ficaria completa sem essa faixa. O novo álbum não foi bem sucedido, ficando na rabeira do top 200 da Billboard, acompanhando o rápido desmoronamento da estratégia de marketing de Loeber para a Bosstown Sound.
Geoffrey Winthrop foi despedido do grupo pouco depois de gravar suas partes no disco; para seu lugar foi chamado para a banda um jovem Jeff Baxter, que faria parte da primeira formação do Steely Dan e depois integraria o Doobie Brothers. Mas Douglas se mandou e deixou a banda a cargo da jovem Barbara Hudson, que seguiu em frente por meras obrigações contratuais com Loeber. O terceiro álbum do Ultimate Spinach, lançado em 1969, é um catado de canções de seus diversos membros (Russ Levine na bateria e seu irmão Mike no baixo, além de Barbara e Jeff), com um som bem mais básico e agradável voltado para as guitarras, mas praticamente sem relação com os dois trabalhosanteriores. Era a despedida definitiva do Ultimate Spinach.