Consultoria Apresenta: Bosstown Sound
Por Marco Gaspari
“A obscuridade é o refúgio dos incompetentes.”
Esta frase, de autoria de Jubal Harshal, o alter ego do escritor Robert A. Heinlein em seu livro “Um estranho numa terra estranha”, nem sempre se aplicou às bandas obscuras do rock. E o Bosstown Sound, ou Boston Sound, ilustra isso muito bem.
Movimento que surgiu em 1968 e durou pouco mais de um ano, tentou fazer de Boston a capital do East Coast Sound da mesma forma que São Francisco foi a capital do West Coast Sound.
O problema é que o Bosstown foi um hype forçado, manipulado por alguns executivos da indústria do disco e construído à custa de muita matéria paga na grande imprensa. As bandas não tinham culpa, mas se viram no centro de um fogo cruzado perpetrado pela imprensa underground que, interessada ou não em defender as bandas do West Coast e mostrar sua força perante a imprensa oficial, denegriram de tal forma o movimento que em 1969 ele já era passado. Dezenas de bons grupos, dúzias de bons discos e quase uma centena de jovens cabeludos, alguns com muito talento, não conseguiram resistir ao baque e sumiram do mapa por mais de vinte anos até serem resgatados pelas reedições dos discos em CD.
Para saber maiores detalhes sobre a história do Bosstown Sound clique aqui. E prepare seus ouvidos para julgar até que ponto as bandas de Boston eram incompetentes e mereceram a obscuridade.
1. “Recitation / My Love Is” – The Beacon Street Union: formado em 66, o TBSU tinha a reputação de ser um morteiro ao vivo e praticamente uma biribinha no estúdio. Era uma banda hard, mas seu produtor tinha a mão muito leve (foi responsável depois pelo som dos discos do Partridge Family, o que explica muita coisa). No entanto, os dois discos da banda lançados em 68 pela MGM são dignos representantes da psicodelia da época, sendo o primeiro uma pequena obra-prima. É dele a sequência escolhida aqui, justamente as duas músicas que abrem o disco The Eyes of The Beacon Street Union.
2. “Don’t Tell Me” – Eden’s Children: este power trio tocou junto por apenas seis meses antes de gravar seu primeiro disco pela ABC e tinha em Richard “Sham” Schamach um guitarrista que sabia fazer a diferença. Seus dois álbuns tiveram Bob Thiele na produção. Mais acostumado a produzir artistas de jazz, Thiele conferiu uma pegada jazzy a muitas das músicas gravadas pelo grupo, o que de certa forma deu uma aura de seriedade ao trabalho e fez do Eden’s Children uma das poucas bandas do Bosstown a agradar os críticos. “Don’t Tell Me” é uma boa mostra da guitarra lendária de Schamach em ação.
3. “High Flyin’ Bird” – The Ill Wind: o único disco desta banda de folk-rock lançado pela ABC em 68 revela uma das maiores surpresas do Bosstown Sound: a voz estupidamente versátil de Connie Devanney, uma cantora que podia soar como Janis Joplin em uma música ou Jacqui McShee (do Pentangle) em outra. O disco é ótimo e a música que escolhi mostra que o IllI Wind também soube acolher toda a harmonia que o Jefferson Airplane usava em seus primeiros trabalhos. “High Flyin’ Bird” é mais uma das inúmeras versões do sucesso de Judy Henske (que também foi gravada pelo Jefferson Airplane), mas não fica lhes devendo nada.
4. “Just a Little Bit” – Orpheus: o tipo da banda que se você morder os discos vai se engasgar com o mel. Isso porque o dono do apiário era Bruce Arnold, um mestre das harmonias e baladas pop. Reza a lenda que o Orpheus havia tocado apenas duas horas em público antes de entrar no estúdio para gravar seu primeiro LP, de apenas vinte e cinco minutos. Mesmo assim conseguiu espremer dele um hit com a música “I Can’t Find The Time (to Tell You)”. “Just a Little Bit” é do segundo disco, Ascending, e a banda lançou mais dois, durando até 1971: um recorde para os padrões do Boston Sound.
5. “Baby, Where Are You” – Listening: pouco se falava desta banda em comparação a outras menos interessantes do Som de Boston, o que era uma injustiça já que se tratava de músicos talentosos e de um vocalista muito acima da média. Seu único disco é uma mistura bem dosada de jazz-rock com acid-rock, mas o Hammond B-2 pilotado por Michael Tschudin era ambicioso o suficiente para agregar uma sonoridade que hoje diríamos ser proto-prog. O Listening merecia mais, ou melhor: nós merecíamos mais Listening.
6. “The Great American Eagle Tragedy” – Earth Opera: outra das poucas bandas do movimento poupadas pelos críticos na época. As capas de seus dois álbuns são francamente psicodélicas, mas traem o conteúdo mais para country-rock e folk com pitadas de jazz e ocasionalmente um toque mais hard. A tragédia da grande águia americana é também o título do segundo disco, lançado em 1969. A música é um libelo contra a guerra do Vietnã e atingia em cheio os veteranos que voltavam da “foreign jungle war”. Stallone bem que podia assobiá-la nos filmes do Rambo.
7. “Off With The Old” – Chamaeleon Church: banda lançada pela MGM e que tinha Alan Lorber como produtor. Sua receita produziu um único bolo pop com cobertura de glacê psicodélico e é mais lembrada hoje pelo fato de ter um jovem Chevy Chase como baterista. No entanto, não há como resistir aos toques de cítara do delicioso Sunshine Pop desta canção.
8. “Ellyptical Machine” – Phluph: com apenas um álbum lançado em 68 pelo selo Verve, o Phluph talvez tenha sido a mais punk das bandas do movimento. Apesar de ser muito boa, o autor do texto na contracapa do disco devia estar drogadão: “Cambridge chegou e conquistou… Os ingleses (e São Francisco) estão em fuga… Phluph… é a origem e não a imitação”. A máquina elíptica é engraxada por um órgão poderoso e roda na velocidade de uma guitarra ensandecida.
9. “Peak Impressions & Thoughts” – The Freeborne: seu único álbum, Peak Impressions, é de 1967 e esta é uma banda para quem gosta de guitarra mole, órgão viajante, som encharcado de ácido e os livros do Castañeda. O guitarrista solo da banda, Bob Margolin, enveredou depois pelo blues e ganhou notoriedade, tocando com Johnny Winter e Muddy Waters.
10. “Sparrow Tune” – Bo Grumpus: Felix Pappalardi chegou a tocar em algumas sessões de gravação em 1964 quando a banda era folk e se chamava Bait Shop. Depois só foi ouvi-la de novo em 67 num dos clubes de Boston. Gostou tanto do que ouviu que a levou para a Atco de Nova Iorque e produziu seu único disco que saiu no ano seguinte, agora com o nome de Bo Grumpus graças a uma sugestão da esposa de Felix. É folk e é rock, e tem a mão sempre genial de Pappalardi.
11. “Ballad of The Hip Dead Goddess” – Ultimate Spinach: pode ter sido pretensiosa no som e suas letras de flower-child sensitiva algumas vezes beirar o ridículo, mas passou de banda mais malhada do Bosstown na época para um dos combos psicodélicos mais cultuados hoje em dia. Parece Country Joe & Fish dos primeiros tempos; parece Strawberry Alarm Clock; parece Jefferson Airplane; e não se parece com nada. Lançou dois discos em 68 pelas MGM e um terceiro álbum em 69, mas já totalmente reformulada como banda. Sirva-se: o derradeiro espinafre é alimento para o cérebro.
Excelente!!!!
A citação ao livro que inspirou o Iron Maiden (no caso Adrian Smith) a compor uma das músicas que mais gosto da banda é um easter egg do texto.
Gostei do formato!!! Vamos fazer mais!!!
Bora