Datas Especiais: 50 anos de Chicago Live at Carnegie Hall
Por Mairon Machado
Muito antes do Chicago ser uma potência pop comandada por Peter Cetera nos anos 80, o grupo americano já era uma banda impactante. Para começar, o grupo era formado por sete membros, a saber o já citado Cetera (baixo, vocais), Terry Kath (guitarra vocais), Robert Lamm (teclados, vocais), Lee Loughnane (trompete, percussão, guitarras, vocais de apoio), James Pankow (trombone, percussão, vocais de apoio), Walter Parazaider (flauta, saxofone, clarinete, percussão, vocais de apoio) e Danny Seraphine (bateria). Como podemos ver, são três vocalistas oficiais, e mais vocais de apoio que caracterizaram as harmonias vocais entoando as letras políticas e românticas da banda ao longo de sua carreira. O trio formando o naipe de metais é monstruoso, com três músico gabaritadíssimos para esse papel. Seraphine é um dos bateristas mais injustiçados do rock, sendo que tocava qualquer estilo com uma segurança rara. E por fim, Lamm, Kath e Cetera além de vocalistas excepcionais, também tocavam demais seus instrumentos, sendo Lamm e Kath nomes que deveriam aparecer muito mais nas listas de melhores dos teclados e guitarra respectivamente.
Seus três primeiros álbuns são talvez o único caso na história da música a serem todos lançados no formato duplo, inclusive com gatefold, e com a impressionante mixagem quadrifônica (também presente nos cinco álbuns subsequentes do grupo, com exceção do aqui apresentado hoje). Para aumentar ainda mais a grandiosidade, a partir do segundo disco, ao longo da primeira metade dos anos 70 vieram vários lançamentos com encartes exclusivos e pôsters gigantes, uma das grandes novidades que o Chicago trouxe para o mercado consumidor e colecionador. Por fim, a hegemonia do Chicago era tamanha logo na sua fase inicial que eles foram a primeira banda “de rock” a tocar durante uma semana inteira, entre 5 e 10 de abril, para um Carnegie Hall (berço do jazz nova iorquino) sold out, ou seja, com ingressos esgotados. Um fato tão importante quanto esse não poderia ser deixado de lado, e assim, culminou no lançamento de seu primeiro álbum ao vivo, Live at Carnegie Hall, que na data de ontem, completou 50 anos.
Mas óbvio que não seria qualquer disco ao vivo em se tratando do hepteto. Ele também tinha que ser grandioso, e após muitas discussões e especulações, e com o pessoal da gravadora Columbia de cabelos arrepiados, no dia 25 de outubro de 1971 Live at Carnegie Hall foi lançado em um magnífico formato quádruplo (subsequentemente lançado em formatos individuais duplos, com os volumes I e II em um álbum e os volumes III e IV em outro), em um box caprichadíssimo, trazendo além dos quatro LPs em encartes exclusivos, um livreto de 20 paginas, trazendo fotos da banda bem como todas as datas de shows do Chicago desde sua primeira apresentação, em 22 de maio de 1967, um pôster gigante do Carnegie Hall, um pôster gigante da banda e um colossal pôster da banda ao vivo. Para se ter uma ideia do tamanho desse pôster colossal (veja imagem abaixo), os pôsters gigantes são no formato 3 x 2, ou seja pegue uma capa de vinil normal e simule 3 colunas por duas linhas. O pôster colossal é no formato 6 x 4, ou seja, seriam seis colunas por quatro linhas de capas de vinil, totalizando o impressionante tamanho de 24 capas de vinil (!). O bendito ocupou todo meu sofá, sendo que os pôsters do Carnegie Hall e da banda, que já são grandes, parecem umas coisinhas sobre ele.
Vamos ao som, que também é gigante. Após as conferências dos instrumentos, e a apresentação da banda, o Chicago começa já detonando com “In The Country”, magistral faixa de Chicago (1970), também conhecido como Chicago II, mostrando um riffzão do naipe de metais, e um trabalho sensacional de baixo e guitarra. Comandados pela grave voz e as passagens de guitarra impressionantes de Kath, a faixa é perfeita para abrir as próximas três horas de audição, seguida de “Fancy Colours”, outra de Chicago, a qual surge com o brilhante hammond de Lamm e os vocais adocicados de Cetera, modificando-se para uma dançante canção na qual a banda exalta suas harmonias vocais com um talento incomparável, além de Parazaider fazer estripulias diversas na flauta, passando por um breve duelo entre hammond e uma guitarra pesadíssima de wah-wah.
Na sequência, o grupo retorna para Chicago Transit Authority (1969), o álbum de estreia, trazendo uma mistura de duas canções daquele disco, “Does Anybody Really Know What Time It Is” e “Free Form” começando com uma longa apresentação solo de Lamm ao piano, nos deixando hipnotizados por 10 minutos com suas linha jazzística, aquela deliciosa melodia do trompete, e uma letra que até uma marmota bêbada consegue cantarolar. Faixa fantástica, e assim, como um estalar de dedos, encerramos os quase 25 minutos do Lado A. Ainda há mais sete lados para vir, e já estamos ajoelhados diante da vitrola.
Terry Kath (acima) e Robert Lamm (abaixo)
Seguimos então com Chicago Transit Authority, através da sensual “South California Purples”, uma magistral faixa onde Lamm manda ver no hammond, Kath pisoteia seu wah-wah sem piedade e claro, o naipe de metais dá um banho de participação, incrementando a massa sonora criada pelos demais instrumentos com passagens marcantes em nosso cérebro. O solo de Kath é a primeira amostragem de por que eu o considero um dos gigantes da guitarra, carregando de feeling mas também muita técnica e swing, algo difícil de misturar, e que leva a música por mais de metade de sua duração. Pena que faleceu cedo … A ovação da plateia ao final não precisa dizer mais nada. Chegamos a “Questions 67 And 68”, imponente faixa de Lamm e cujos vocais duelados entre ele e Cetera chegam a arrancar lágrimas. Adoro o trabalho de baixo de Cetera aqui, suave mas ao mesmo tempo muito forte nas melodias, acompanhando a bateria, que assovalha tudo em um andamento incansável. E os metais, buda que partiu, que coisa linda. Lado B encerrado, é hora de pegar uma água (ou algumas cervejas), por que o show está só começando.
O lado C pula para Chicago III, começando com a funkeada “Sing A Mean Tune Kid” e 13 minutos novamente avassaladores. Naipe de metais destruindo, wah-wah comendo solto, piano martelando o piso e os vocais grudando vários “yeahs yeahs” em nosso pensamento. Além disso, mais uma aula de Kath na guitarra, agora abusando de escalas jazzísticas, enquanto Lamm e Seraphine parece estarem em um frenesi alucinógeno. Que solo, para tirar o fôlego! Destruídos com a ferocidade de “Sing A Mean Tune Kid”, os ouvintes são massageados pela singela beleza de “Beginnings”, faixa linda para se declarar ao seu amor, com Lamm cantando magnificamente, e a guitarra de Kath embalando corações. É a quinta faixa do álbum de estreia dos americanos a aparecer em Carnegie Hall, e encerra o Lado C com os metais mandando ver sobre a ginga de bateria, guitarra e baixo.
Peter Cetera (acima) e Danny Serahine (abaixo)
“It Better End Soon” e seus cinco movimentos ocupam todo o lado D. Nesta faixa que originalmente também ocupa quase todo o lado D de Chicago, temos de tudo. São 16 minutos do Chicago quase progressivo, começando por mais um veloz solo de guitarra, o riffzão do naipe de metais, o vozeirão de Kath estourando as caixas de som, o baixo de Cetera socando nossa cara na parede, passando por solos individuais de flauta, onde Parazaider apresenta alguns temas tradicionais, acompanhado pela leve percussão de Seraphine. Kath também nos abrilhanta os ouvidos com um veloz e furioso solo, acompanhado por muita percussão e todo o groove do baixo de Cetera. Kath também declama (a berros) um grandioso poema antiguerra, batizado de “Preach”, que inclusive está no livreto que acompanha o álbum.
Vamos para os Volumes III e IV, ou melhor, o terceiro e quarto vinil de Live at Carnegie Hall, retornando para Chicago Transit Authority com a faixa de abertura daquele álbum, “Introduction”, uma das melhores faixas da carreira dos americanos, com os metais criando um riff marcante, a bateria avassaladora de Seraphine e os vocais graves de Kath sacudindo a casa. As viradas e pontes da canção encaixam-se muito bem em discos progressivos de bandas como King Crimson ou Gentle Giant, com uma perfeição incrível, e o solo de trompete, com o dedilhado de baixo de Cetera, é simplesmente de chorar. Mas segure as lágrimas, por que o que Kath faz na guitarra não é apenas para chorar, mas para arrancar os cabelos pensando como o cara consegue tocar tão rápido. Que sonzeira! Faixa espetacular para iniciar alguém na obra do Chicago. “Mother” e “Lowdown”, faixas que abrem o Lado C de Chicago III, encerram o lado E de Live at Carnegie Hall, apresentando mais influências progressivas, e com destaque para o acompanhamento de baixo de Cetera durante o sensacional solo dos metais na primeira, cantada por Lamm, e para o ritmo dançante da segunda (dê-lhe wah-wah e baixão estourando as caixas de som).
Walter Parazaider (acima) e James Pankow (abaixo)
Para o lado F, seguimos com Chicago III, através das três primeiras partes de “Travel Suite”: o country rock de “Flight 602”, lembrando Buffalo Springfield ou até mesmo Poco; “Motorboat to Mars”, momento solo de Seraphine, usando muito dos tons e viradas rápidas, em um estilo muito peculiar de tocar; e “Free”, uma pancada anti-vietnã no nível de “Introduction”, na qual é difícil dizer o que é mais destacado, se as harmonias vocalizações, as intervenções dos metais, o ritmo avassalador da cozinha Cetera-Seraphine, os vocais arregaçados de Kath, o saxofone alucinado de Parazaider ou as viradas precisas do hepteto. Outra baita sonzeira para destruir a casa. Depois de arrasados com “Free”, somos levados para Chicago e a balada “Where Do We Go From Home”, conduzida pelo piano de Lamm e a voz de Cetera, já dando indícios do que um dia o Chicago conseguiria fazer com melosidades, encerrando o terceiro disco com o bluesão “I don’t Want Your Money”, de Chicago III, e mais uma pequena aula de Kath ao wah-wah, preparando então o caminho para o LP final.
A dançante “Happy Cause I’m Goin Home”, de Chicago III, chega com as vocalizações e o embalo da guitarra de Kath, mas o grande destaque vai para o magistral solo de flauta de Parazaider. Na sequência, entramos para a suíte “Ballet for a Girl in Buchanan”, com suas sete partes, e originalmente gravada em Chicago. Essa faixa é um desbunde total. Logo na abertura, os metais apresentam o riff progressivo de “Make a Smile”, repleto de quebradas, muito complexo. A voz soul e rouca de Kath surge embalada pela poderosa cozinha de Cetera e Seraphine, e os metais tomam conta, com passagens e riffs fantásticos. Kath comanda o embalo e também faz um solo primoroso, veloz, arregaçante, abusando das escalas jazzísticas, enquanto a quebradeira come solta ao fundo. Repentinamente, a canção muda, e em uma escala decendente, temos mais uma amostra progressiva do Chicago (“So Much To Say, So Much To Give”), levando ao solo de trompete de “Anxiety’s Moment” e as intrincações Zappianas de “West Virginia Fantasies”. Se colocassem isso para eu ouvir, ia chutar que era algo de Zappa na fase The Grand Wazoo ou Over-Nite Sensation, tamanha a intrincação. Então, sob muitos aplausos, o piano de Lamm começa a dedilhar delicadamente em “Colour My World”, e após a bela letra, mais um lindo solo de flauta por Parazaider. “To Be Free” é a penúltima parte da suíte, com mais um espetáculo dos metais, fechando então com “Now More Than Ever”, que resgata a letra de “Make Me Smile”.
O último lado é talvez o melhor de todos. “Puxa, mas depois de tudo que você escreveu ainda dá para melhorar?”. Sim, e muito. Abrindo os trabalhos do lado H, o trombone sinistro de Pankow em “A Song for Richard and His Friends”, canção inédita na qual Terry Kath mostra por que era um dos maiores ídolos de Jimi Hendrix. É um show de alavancadas e feedbacks para poucos, emulando trechos de “Free Form Guitar” (Chicago Transit Authority). Como que a guitarra aguenta tanta alavancada não dá para explicar. Os metais também fazem misérias, em uma intrincada sessão puramente progressiva. A guinada bluesy da canção, através da entrada do solo de hammond, é genial! Temos então mais um belo show dos metais, e claro, Kath mandando ver em seu solo veloz e com as escalas jazzísticas sendo dedilhadas com uma precisão robótica. Repentinamente, voltamos a quebradeira inicial, encerrando uma canção fantástica.
Na reta final, “25 or 6 to 4”, de Chicago, coloca o salão do Carnegie Hall para dançar. O riff dos metais surge, e logo imaginamos que esse riff poderia estar na abertura de um programa esportivo. As passagens de metais, o vocal gritado de Cetera e um refrão forte irão fazer você sair pulando pela casa entoando o nome da canção, e cara, o que os metais participam aqui … E Kath de novo nos brilha com outro grandioso solo, acompanhado pelo baixão de Cetera e o ritmo incansável da bateria. Demais! O ritmo avassalador de Seraphine continua em “I’m a Man”, de Chicago Transit Authority. Lamm, Cetera e Kath dividem os vocais, e também a atenção de seus instrumentos durante a primeira metade da canção, com Cetera puxando a guitarra e o hammond fazendo o riff central. Na segunda, temos o longo solo percussivo, comandado pelo ritmo de Seraphine, e com os membros do naipe de metais mandando ver em diversos instrumentos percussivos, fechando com chave de diamante esse brilhante e subestimado álbum ao vivo.
Live at Carnegie Hall alcançou a terceira posição em vendas nos Estados Unidos, sendo até hoje o álbum quádruplo mais vendido da história, e foi durante muito tempo o Box Set mais vendido de todos os tempos, sendo superado apenas em 1987 por Live/1975-85, a caixa de 5 LPs de Bruce Springsteen, mas fracassou na Europa. Muitos jornalistas criticaram o Chicago pelo excesso do álbum, seja pela longa duração, por registrarem até os momentos de afinação e conversas com a plateia, e claro, pelos extras do box. Dentro da banda, Cetera e Pankow também criticam a mixagem do disco, qualificando-a como pobre, sendo que Pankow acusou o naipe de metais de soarem como Kazoos – o famoso mirlitão, ou cornetinha de aniversário – o que discordo fortemente, mesmo tendo ouvido a mixagem posterior, considerada muito melhor, quando do lançamento em CD triplo, ou na versão DELUXE, que traz réplicas de todo o material lançado no box original, além de quatro CDs, sendo um deles somente de faixas bônus.
Falando nesse relançamento, as canções do CD bônus, a saber “Listen” (6/4/1971), “Introduction” (6/4/1971), “South California Purples” (5/4/1971), “Loneliness Is Just A Word” (8/4/1971), “Free Form Intro (Naseltones)”, “Sing A Mean Tune Kid” (8/4/1971), “A Hour In the Shower” (8/4/1971) e “25 or 6 To 4” (6/4/1971), todas registradas naqueles dias de Chicago no Carnegie Hall, atestam ainda mais a grande perda que foi Terry Kath. O cara faz misérias em solos velozes mas repletos de muito feeling. Lamm também é outro que está tocando muito bem ao piano nessas canções, e que acrescentam mais uma hora de música para as já 3 horas de duração do box original.
Voltando então ao lançamento principal, Loughnane é o mais forte, alegando que o álbum nunca deveria ter sido lançado. Mas sou muito contrário a essas opiniões. Acho a qualidade de gravação muito boa, que nos remete diretamente para dentro de uma sala como o Carnegie Hall, não só como colecionador que aprecia os incríveis mimos que estão neste lançamento, ou pelas ótimas músicas que entretem por três horas, mas principalmente, por que Live at Carnegie Hall nos mostra como uma banda gigante como o Chicago pode soar em um palco, deixando também aquela dúvida de como que uma banda com composições tão incríveis pode ter mudado tanto de estilo ao longo dos anos. Para ouvir e se deleitar!
Track list
1. In The Country
2. Fancy Colours
3. Does Anybody Really Know What Time It Is? (Free Form Intro)
4. Does Anybody Really Know What Time It Is?
5. South California Purples
6. Questions 67 And 68
7. Sing A Mean Time Kill
8. Beginnings
9. It Better End Soon
10. Introduction
11. Mother
12. Lowdownd
13. Flight 602
14. Motorboat To Mars
15. Free
16. Where Do We Go From Here
17. I Don’t Want Your Money
18. Happy Cause I’m Going Home (Ballet For A Girl In Buchannon)
19. Make Me Smile
20. So Much To Say, So Much To Give
21. Anxiety’s Moment
22. West Virginia Fantasies
23. Colour My World
24. To Be Free
25. Now More Than Ever
26. A Song For Richard And His Friends
27. 25 or 6 To 4
28. I’m A Man
Obra-prima. Foi anunciada uma box com TODOS os shows completos em CD – não sei se terá edição em vinil. Os cinco primeiros discos do Chicago são todos muito bons!
Opa, não sabia dessa informação Marcello. Vou atrás. E realmente, os cinco primeiros são fantásticos, e os dois primeiros ao vivo tb. Abraços