Discografias Comentadas: The Sisters of Mercy
Por Micael Machado
Surgido no meio do movimento punk britânico, na cidade inglesa de Leeds, em 1977, o Sisters Of Mercy (nome tirado de uma composição de Leonard Cohen) era no início uma dupla formada por Andrew Eldritch (vocais e bateria, único membro presente em todas as formações da banda) e Gary Marx (guitarra, vocais). Após o lançamento do primeiro single, Craig Adams assumiu o baixo, e Eldritch passou a se concentrar apenas nos vocais e letras do grupo, com a percussão sendo executada por uma bateria eletrônica, que recebeu o nome de Doktor Avalanche (a qual, apesar dos upgrades tecnológicos ao longo dos anos, seria, ao lado de Andrew, o único “membro” permanente do grupo dali em diante). As “irmãs” lançariam outros singles e EPs após a chegada de Ben Gunn para a segunda guitarra, mas este saiu antes da gravação do primeiro álbum, sendo então substituído por Wayne Hussey.
Conheça agora a curta, mas muito influente, discografia de uma das principais bandas do chamado gothic rock (embora o próprio Eldritch rejeite este termo): as “Irmãs da Piedade”!
First and Last and Always [1985]
Único lançamento daquela que é considerada a “formação clássica” do Sisters of Mercy (Eldritch / Hussey / Marx / Adams / Avalanche), o primeiro álbum das “irmãs” é tido como o melhor por muitos dos fãs. Com todas as letras compostas por Andrew, os dois lados do vinil original são bem distintos entre si, embora o disco encaixe-se perfeitamente no estilo pós-punk da época (também chamado de gothic rock). O lado A, com todas as faixas compostas por Hussey (sendo apenas “No Time to Cry” em parceira com os outros membros), apresenta faixas mais “dançantes”, embora ainda tristonhas e melancólicas, tendo, para mim, os maiores destaques do disco, as clássicas “Black Planet” e “Walk Away“, além da linda “Marian (version)” (de bateria mais marcada, e que possui trechos em alemão) e “A Rock and a Hard Place” (que não tem nada a ver com a faixa de nome parecido gravada pelo Aerosmith). Já o Lado B, onde predominam as composições de Marx (apenas “Possession”, que lembra bastante as músicas da fase mais gótica do The Cure, não foi escrita pelo guitarrista), segue a linha tradicional do pós-punk inglês, com baixo bem destacado, bateria marcada e riffs esparsos de guitarra, além de um certo sentimento de melancolia em seus arranjos. São assim “Nine While Nine”, “Amphetamine Logic” (listada apenas como “Logic” na capa, e um pouco mais “agitada” que suas companheiras de lado), “Some Kind of Stranger” (a mais melancólica) e a faixa título, curiosamente talvez a que mais se aproxime da sonoridade do segundo álbum. A edição remasterizada e expandida de 2006 trouxe outras seis faixas, retiradas de singles, e que, no geral, não fogem do estilo do track list original, com destaque para as tristonhas “Bury Me Deep” (a mais melancólica delas) e “Some Kind of Stranger”, sendo as demais “On the Wire, “Poison Door”, “Blood Money” e “Long Train”.
No final da turnê de divulgação, Gary Marx deixou o grupo, devido a divergências musicais com Eldritch. O último show da turnê (que seria também o último de Adams e Hussey com o grupo) foi filmado e foi lançado em 1985 na forma do VHS Wake. O baixista e o guitarrista deixaram o grupo durante o processo de composição do segundo disco por desavenças musicais com Eldritch, indo depois formar o Mission. Como havia um acordo entre as duas partes (a dupla dissidente e Andrew) para que nenhuma usasse o nome Sisters of Mercy, o vocalista gravou um single (“Giving Ground”) e um álbum (Gift, 1985) como Sisterhood, na tentativa de impedir que a dupla Adams-Hussey utilizasse este nome, ligado a um fã-clube do Sisters. Os dois registros tiveram pouca repercussão em termos de vendas, sendo que, por problemas contratuais, Eldritch foi impedido de cantar (!) em ambos os lançamentos. No álbum, já aparece a baixista e vocalista Patricia Morrison, que, após o fracasso comercial de Gift, seria a parceira de Andrew na volta do Sisters of Mercy, decidida em meio ao processo de gravação do que deveria ser o segundo single do Sisterhood.
Floodland [1987]
O disco de maior sucesso do grupo (e, para mim, o melhor), que a esta altura, além de Eldritch e Doktor Avalanche, contava com Patricia Morrison no baixo, embora o próprio cantor tenha afirmado que sua participação musical no álbum tenha sido mínima. Três faixas se tornaram singles, e referências quando pensamos no nome Sisters Of Mercy: “This Corrosion” (que inicialmente deveria ser um lançamento do Sisterhood), “Dominion/Mother Russia” (cujas duas partes têm a mesma melodia, com letras e temáticas diferentes, sendo possivelmente a minha canção favorita do grupo) e “Lucretia My Reflection” (de temática mais sombria, embora seu ritmo “dançável”). Das outras cinco, destaco “Driven Like the Snow“, com melodia conduzida pelo baixo e teclados gélidos, e que lembra bastante as faixas mais “góticas” do The Cure, e “Flood I”, bastante sombria, com muitos sintetizadores em sua melodia. “Flood II” é menos soturna que a primeira parte, chegando a soar quase dançante, “1959″ é uma faixa acústica somente com piano e voz, sem bateria (de clima bastante tristonho, mas muito bela), e “Neverland (a Fragment)” é uma canção curta e que também apresenta características melancólicas em seu andamento lento. O relançamento de 2008 incluiu outras quatro faixas retiradas dos “lados B” dos singles do álbum: “Torch” (uma canção de melodia bastante triste, com o uso de violões reforçando esta característica, e a voz de Eldritch soando mais “chorosa”, ao invés do seu vocal grave usual), “Colours” (excelente composição, com bateria mais “marcada” e muitos sintetizadores garantindo um clima musical bastante opressivo e angustiante, sendo a melhor das faixas bônus), “Emma” (cover do grupo Hot Chocolate, e uma faixa mais “rocker”, apesar do andamento arrastado, com participação destacada do baixo na condução da melodia, além de interessantes riffs de guitarras ao longo de sua duração) e a versão “completa” de “Neverland”, com mais de doze minutos.
Vision Thing [1990]
Sem Patricia Morrison, que foi expulsa pouco antes do início das gravações, e com John Perry (que havia assumido as guitarras na turnê de promoção do álbum anterior, mas também não participou de todas as gravações, sendo creditado apenas como músico convidado em “Detonation Boulevard”), Eldritch uniu-se aos guitarristas Andreas Bruhn e Tim Bricheno (que entrou quase no final do processo de gravações) e ao baixista Tony James (ex-Generation X e Sigue Sigue Sputnik) – além, claro, do sempre presente Doktor Avalanche – para registrar aquele que é considerado frequentemente como o álbum mais fraco da banda. Vision Thing representa uma ruptura com o estilo do registro anterior, visto que, se naquele os teclados dominavam as composições, aqui eles possuem destaque apenas na agitada “Doctor Jeep” (um dos destaques do track list, apresentando um riff de guitarra que lembra o estilo das bandas grunge como Soundgarden ou Alice in Chains) e em “More” (outro destaque, de começo soturno, mas depois se tornando um rockzão bastante agitado), duas das cinco composições a contarem com os vocais da convidada Maggie Reilly. A melancolia e os tons soturnos de Floodland também foram deixados de lado na maior parte do tempo (exceção para “Something Fast“, que, apesar do nome, é a mais lenta do play, e “I Was Wrong”, faixa com melodia conduzida por guitarra dedilhada, violão e baixo), substituídas por faixas agitadas e até certo ponto pesadas se comparadas a outras da carreira do grupo, com a guitarra dominando as composições e Doktor Avalanche mantendo um ritmo rápido na maior parte do tempo, como ocorre na faixa título, na citada “Detonation Boulevard” (outro destaque) e “When You Don’t See Me” (com um excelente refrão). O track list é completado por “Ribbons”, outra faixa onde as guitarras pesadas comandam, porém aqui com uma atmosfera mais sombria do que no restante do álbum. A edição de 2006 acresceu as faixas bônus “You Could Be the One” (bastante agitada, e até meio dançante), versões alternativas para “When You Don’t See Me” e “Doctor Jeep”, além de versões ao vivo para “Ribbons” e “Something Fast”. Este é, até aqui, o último registro de inéditas do grupo.
Some Girls Wander by Mistake [1992]
Coletânea que reúne os seis primeiros registros do Sisters, feitos entre 1980 e 1983 (portanto, antes do primeiro álbum), sendo eles, por ordem de lançamento: o single The Damage Done (de 1980), estreia em vinil das “irmãs”, à época uma dupla formada por Andrew na bateria e Gary Marx na guitarra, com duas músicas que fogem bastante ao estilo posteriormente adotado pelo grupo (a faixa título, cantada por Eldritch, com sua voz não soando tão grave quanto anos depois, e “Watch”, cantada por Gary), apresentando um andamento mais rápido que o usual em se tratando dos ingleses, e onde o baixo tem papel de destaque, sendo o lançamento completado pela vinheta “Home of the Hit-Men”; o single Body Electric (1982), que marcou a estreia de Craig Adams no baixo e Ben Gunn na segunda guitarra (além de ser o primeiro registro oficial de Doktor Avalanche), e cujas duas faixas (a título e “Adrenochrome”) soam como uma continuação do registro anterior, embora com uma evidência maior das guitarras, e um pouco mais “dançantes”; o EP Alice (1983), que contém a soturna faixa título (com uma batida meio dançante e boas linhas de guitarra), a “tribal” “Floorshow” (cujo ritmo é repetido e expandido na instrumental “Phantom”), e um cover para “1969“, dos Stooges (que, apesar da bateria eletrônica e da falta de “sujeira” nas guitarras, não ficou descaracterizado) – sendo que as duas primeiras formaram o terceiro single do grupo, em 1982; o quarto single do Sisters, Anaconda (de 1983), do qual foi incluído o lado A, justamente a faixa título, um pouco menos sombria do que o usual, em se tratando de Sisters of Mercy; O EP The Reptile House (1983), provavelmente a coisa mais soturna já gravada pelo grupo, onde todas as faixas se caracterizam pela lentidão e um sentimento meio mórbido e macabro, como em “Lights” (que, apesar do título, é uma das músicas mais depressivas e funestas da carreira da banda, encaixando-se perfeitamente no padrão do que se convencionou chamar de gothic rock), “Valentine” (onde o baixo tem destaque com uma linha bastante marcada) ou “Fix”, sendo que “Kiss the Carpet” (que possui uma reprise ao final) é um pouco mais animadinha, assim como “Burn”, mas não se pode dizer que as duas sejam “divertidas”, mantendo um sentimento mais tristonho ao longo de sua duração, com uma bateria marcada e lenta; e, para finalizar, a versão 12″ do single Temple of Love (1983, que marcou a despedida de Ben Gunn), com uma versão estendida da faixa título (uma das melhores composições da carreira do grupo), aqui aparecendo com quase oito minutos, contra os pouco mais de três da faixa original, presente na versão de 7″ do single, que também conta com “Heartland” (sendo que as duas já mostram uma direção mais próxima à sonoridade do primeiro disco), faixa que também foi incluída nesta coletânea, sendo exclusiva da versão 12″ escolhida para este disco a boa cover para “Gimme Shelter“, dos Rolling Stones, um dos destaques desta compilação. Uma mostra do início do grupo, com estilos e orientações diferentes, mas, ainda assim, capaz de agradar aos verdadeiros fãs da Irmãs.
Em 1993, foi lançada a compilação A Slight Case of Overbombing, a qual possui, além dos “sucessos” do grupo, duas faixas inéditas, “Under the Gun” (que apresenta Andrew e Avalanche ao lado do guitarrista Adam Pearson, visto que os outros membros haviam deixado o grupo, e da vocalista convidada Terri Nunn, da banda Berlin) e uma versão regravada de “Temple of Love”, que ganhou backing vocals da cantora Ofra Haza, e o título “Temple of Love (1992)“. Até o lançamento, neste 2021, do disco com as BBC Sessions registradas pelo grupo entre 1982 e 1984 (sobre o qual já tratei aqui no site), esta compilação seria o último lançamento comercial das “irmãs”, visto que Eldritch entrou em conflito com a gravadora EastWest a respeito do lançamento de um novo álbum. O vocalista chegou a gravar um disco inteiro com o projeto SSV, o qual nunca recebeu um lançamento oficial, e manteve desde então o Sisters of Mercy excursionando quase que constantemente (com muitas variações dos músicos que completavam o line up), porém sem nenhum lançamento inédito. Várias canções novas foram sendo apresentadas ao vivo ao longo destes quase vinte anos, sendo possível encontrar versões para muitas delas no youtube, mas um novo álbum de estúdio das “irmãs da piedade” parece bastante improvável. Mesmo assim, o legado do grupo está assegurado, e seu papel como um dos mais influentes grupos do pós-punk britânico, garantido para a posteridade.
O nome da banda está escrito errado no título
Valeu pelo toque, cara. Abraços!