Clouds – Durere [2020]

Por Thiago Reis

A banda Clouds, liderada por Daniel Neagoe, já esteve recentemente nas páginas da Consultoria do Rock, com o recém lançado Despartire. Agora voltaremos um pouco no tempo, mais especificamente no ano de 2020 para destacar o álbum Durere (do romeno “dor”, “aflição”, “sofrimento”). O disco, gravado entre setembro de 2019 e janeiro de 2020 contou com o já citado Neagoe nos vocais e orquestrações, Indee Rehal Sagoo (guitarra), Mihai Dinuta (guitarra), Irina Movileanu (violino e backing vocals), Alex Costin (baixo) e Luca Breaz (bateria), contando ainda com as participações especiais de Andrei Oltean (flauta) e Emil Ciuperca (guitarra solo).

O álbum foi lançado no Brasil via Cold Art Industry, em uma bela versão acrílica com slipcase fechado e logotipo prateado, livreto em verniz com oito páginas, OBI, pôster exclusivo em 24×36 cm frente e verso, card 10×15 cm, limitado a 300 cópias e com uma faixa bônus exclusiva para o Brasil (“I Fear the Light”, com a participação de Kostas Panagiotou da banda Pantheist nos vocais), ou seja, imperdível para qualquer colecionador e fã da banda e do estilo Atmospheric Death/Doom Metal. Durere, de acordo com o próprio Neagoe, é um tributo à vida, família e amigos. Uma forma de lembrar a todos que somos mortais, uma forma efêmera de passagem no planeta Terra. E que tudo que deixamos para trás e nossas ações que define quem somos. Neagoe ainda destaca os diversos problemas ao longo da gravação de Durere, principalmente a morte e o luto que atingiu fortemente os membros da banda. Com essa breve descrição, podemos já perceber que as músicas nos levarão em uma viagem a diversos sentimentos.

Vamos então embarcar nessa viagem já com a primeira faixa chamada “Cold Guiding Light” que já se inicia com um dedilhado de violão bem denso e atmosférico, nos guiando para os vocais limpos e que já expressam dor e sofrimento, dois sentimentos bem presentes neste trabalho. Logo em seguida aparecem elementos como riffs pesados e lentos, guturais atrelados a violinos muito bem colocados, auxiliando na criação de um clima propício para a proposta de Neagoe. Após mais de cinco minutos de música, podemos conferir um destaque maior aos violinos e ao gutural, com a guitarra, baixo e bateria ficando em segundo plano, para justamente levarem ao ouvinte a uma viagem ao sofrimento e a dor da perda. Mas o melhor está guardado para o final com um solo de guitarra simples porém cheio de feeling, acrescentando uma nova dimensão para a música.

“Empty Hearts” é a próxima, com seu início enigmático, nos transportando para alguma floresta fria, densa e escura. A bateria entra bem lenta, acompanhada de um vocal limpo e cheio de emoções, cantando letras inspiradas como “Empty hearts, drained of all emotions, lying bare and naked and still, crushed within these iron fists”. O gutural entra para contrastar com a parte “limpa” dos vocais, em uma experiência que eleva o nível da audição. No trecho “I’ve lost my Faith, I’ve lost my strenght to carry on, to leave all this world behind, yes I know, it’s my own fault”, podemos perceber toda a emoção e sofrimento de Neagoe ao cantar, que poderíamos afirmar que o vocalista está interpretando com imenso feeling e passando ao ouvinte sua própria experiência com o luto.

“Images and Memories” começa com um belo piano e ao fundo (bem ao fundo) podemos perceber algo parecido com uma marcha fúnebre. Corais aparecem também ao fundo, abrilhantando ainda mais a introdução da música. Mais uma vez Daniel escolhe acertadamente iniciar com os vocais “clean”, mostrando de forma bem honesta os seus sentimentos acerca da morte e do processo doloroso do luto. Na presente faixa podemos perceber um predomínio maior dos elementos ligados ao atmospheric doom, com os guturais aparecendo quase aos cinco minutos, nos transportando a mais uma grande dose de sentimentos referentes a passagens como “we close our eyes and drift away, no matter how or where or when, we are the same clouds in the sky”, culminando com um belíssimo solo de guitarra.

“Above the Sea” também tem seu início no piano, de forma brilhante, apontando um contraste em relação à faixa anterior, nos trazendo paz de espírito em relação ao luto e às memórias, também com a bela contribuição dos corais e violino. Daniel entra de forma magnífica com seus vocais, que mesmo sendo “clean” como nas outras, apresenta uma diferente interpretação, corroborando com o sentimento inicial que a faixa apresenta. Entretanto, através dos guturais iniciam-se certos questionamentos como no trecho “forgotten lives destroy my heart in grief, would it all keep me now, lead in turned waves or forbidden prayers?”. O belo piano do início da canção está de volta com um belo coral de vozes que culminam em uma grandiose parte, com riffs de guitarra muito bem colocados, um acompanhamento preciso da bateria e vozes cantando o belíssimo trecho “Once my dreams are torn, I look in the shadows, I wisper: I need to go”. Os guturais estão de volta para evidenciar a dor, o sofrimento cantando novamente esses mesmos trechos citados acima. De forma genial, o piano volta para encerrar uma das mais belas faixas do álbum e de toda a carreira da banda.

“The Sailor Waves Goodbye” apresenta um belo dedilhado de violão, realmente nos remetendo a um momentos de adeus. Uma das melhores interpretações vocais de Daniel Neagoe se encontra no início com uma interpretação emocionante de trechos como “Waking hour fading once with the Wind, I see the way it has to be, I see it all within…One life we had to choose, one soul we had to loose”. Como de costume, os guturais entram em um momento de maior sofrimento na letra, muito bem acompanhados por uma bela orquestração. A bateria também é destaque, alternando momentos mais cadenciados e guiados pelos riffs de guitarra, com situações em que Braez utiliza os dois bumbos. Vocais sussurrantes aparecem junto do violão, para cair novamente nos vocais guturais. O final é bastante emocionante, com instrumental concentrado em um belo arranjo de piano e violão.

“A Father’s Death” mostra o quanto Durere é um trabalho instrospectivo e retrata bem o momento que a banda passava, com o luto. Belos riffs, um acompanhamento magnífico no violino, que retrata bem a dor da morte de um parente próximo são os grande destaque da canção, que curiosamente é a primeira até o momento a se iniciar com os vocais guturais, que logo dão a vez ao “clean” com a frase marcante “one last breath and it’s over, one last look at the sky, it won’t back, forever”. Mesmo com a volta dos vocais guturais, podemos mergulhar nas melodias e letras de Daniel Neagoe, uma verdadeira viagem para pessoas que já passaram por momentos de luto e sofrimento. A melhor parte é guardada para o final, com apenas piano e a voz de Daniel sussurrando letras profundas e belas, realmente algo emocionante, culminando com o inspirado trecho “a father’s death will show his child, his mortality”.

“The End of Hope” apresenta riffs bem dramáticos, acompanhados de uma maravilhosa orquestração é recheada de sentimentos, liderados pelos vocais limpos e carregados de emoção de Daniel Neagoe. Podemos conferir ao fundo a flauta de Andrei Oltean, passando ainda mais sentimentos através da música. O solo de guitarra é de se tirar o chapéu, com poucas e certeiras notas. O álbum se encerra de forma magnífica e certeira, com uma letra que resume muito bem todo o contexto do álbum no trecho final “this is the end of sorrow, a trip to no man’s land, say farewell, raise your hands and fly away”.

A versão normal do álbum se encerra com “The End of Hope” e para a versão nacional da Cold Art Industry, encontramos ainda “I Fear the Light” como bônus, que mantém o alto nível das composições de forma bem evidente. Um bônus não apenas para “cumprir tabela”, mas uma música que realmente agrega ao trabalho.

Durere mostra o amadurecimento de Daniel Neagoe, evidenciando ainda mais o Clouds na cena de Atmospheric Death/Doom Metal mundial. Um trabalho feito perante grandes dificuldades, principalmente o luto por pessoas próximas à banda, mostram como o verdadeiro artista pode transformar algo negativo (o luto e a perda) em positivo (a sua arte, carregada de verdade, de sentimentos legítimos).