Consultoria do Rock Apresenta: O Rock Nacional Anos 60
Por Marco Gaspari
O pontapé inicial do rock’n’roll aqui em campos tropicais foi dado em 1955 por Nora Ney, numa versão de “Rock Around the Clock” que aqui foi batizada de “Rondas das Horas”. A Deusa da Fossa (como Nora Ney era conhecida) passou a bola para Cauby Peixoto que tabelou com Agostinho dos Santos antes de cruzar para os irmãos Tony e Celly Campello, nossos primeiros artilheiros do rock.
Ou seja: o Brasil já tinha alguma tradição roqueira quando adentrou o gramado para disputar o campeonato dos anos 60. E fez bonito, tanto com a seleção da Jovem Guarda quanto do Tropicalismo. Podemos dizer até que tivemos alguns craques, instrumentistas e letristas endiabrados que souberam driblar a falta de recursos dos nossos estúdios de gravação, a pobreza dos instrumentos nacionais e a cabecinha provinciana dos homens que comandavam nosso mercado do disco.
Vamos então para o jogo exibição, com um time de músicas que em minha opinião batiam um bolão. Podem não ser as mais conhecidas ou representativas, mas são todas figurinhas carimbadas, daquelas para completar o álbum e trocar por uma panela de pressão Clock nas boas casas do ramo.
01. “O Vampiro” – Jorge Mautner: Oops! O que uma música composta em 1958 está fazendo em uma lista de rock nacional dos anos 60? Mautner, que ontem completou 80 anos, só deixou um registro na década, um compacto simples lançado em 1966 com as músicas “Radioatividade” e “Não, Não, Não”. Mas elas não chegam nem perto da importância de “O Vampiro”, que provou ser Mautner, aos 18 anos, um tropicalista precoce, quase uma década adiantado em relação ao movimento. Quando Caetano Veloso ouviu esse quase-sambinha-folk-com-violino-safado pela primeira vez o queixo caiu, e ele soube reconhecer que o seu sangue tropicalista já escorria na poesia de um músico genial. Saravá, Jorge Mautner, o filho predileto de Xangô!!!
02. “Abrengo Brongo” – The Sunshines: o grupo era carioca e seu LP mais badalado é o segundo, O Último Trem, lançado em 1967. Até mesmo Renato Barros, líder do Renato e Seus Blue Caps, reconheceu que eles eram fortes concorrentes na época da Jovem Guarda. O guitarrista solo era Walter Davila Filho (como o próprio nome diz, filho do comediante Walter Davila) que, junto dos filhos do também comediante Brandão Filho (era uma banda filial), caprichava nas versões de sucessos internacionais, como era bem comum nessa época. Escolhi, no entanto, uma música instrumental presente no disco de estreia (1966) e que era de autoria do grupo. Fosse Quentin Tarantino brasileiro ou The Sunshines americano e “Abrengo Brongo” estaria com certeza em alguma trilha sonora do diretor.
03. “Suicida” – O’Seis: mais conhecido hoje em dia como o pré-Mutantes, O’Seis juntou integrantes de duas bandas, o Wooden Faces e as Teenage Singers. Foram empresariados pelo artista plástico Antônio Peticov e durante os dois anos de vida só não fizeram chover na Terra da Garoa. É de 1966 seu único compacto simples lançado pela Continental com as músicas “Suicida” e “Apocalipse” (participaram também de um compacto da banda Gemini II). O vocal em “Suicida” é do Arnaldo (que completa sessenta e cinco anos exatamente na data de hoje) e a música hilária é realmente de cortar os pulsos.
04. “Não Vou Cortar o Cabelo” – The Bubbles: banda carioca das boas, mais uma que tinha filhos de artista na formação (os irmãos Cesar e Renato Ladeira eram filhos da atriz Renata Fronzi e do radialista Cesar Ladeira). Durou de 65 até virar a Bolha nos anos 70, passando por várias formações. Jards Macalé os convidou para ser a banda de apoio de Gal Costa no comecinho dos 70 e na empreitada eles acabaram indo parar no festival da Ilha de Wight, onde se apresentaram com a fina flor do tropicalismo exilado. “Não Vou Cortar o Cabelo” é de 66, versão de um sucesso da banda uruguaia Los Shakers.
05. “Down Down” – Os Baobás: até conhecerem Ronnie Von, o nome original desta banda de São Paulo era The Rubber Souls. Foi no programa do Pequeno Príncipe que o próprio tratou de rebatizá-la (mais uma). E como tocavam os garotos d’Os Baobás! A versão de “Paint It Black (Pintada de Negro)” é sensacional. “Happy Together” idem. E por aí vai. Mas acontece que eles também tinham composições próprias. E cantadas em inglês. Escolhi “Down Down”, lado B do segundo compacto simples, pela capacidade que ela tem de nos transportar para um daqueles sábados à noite de 1967, num clube fumacento qualquer da Sunset Strip, em plena Los Angeles.
06. “I’m Not Talking” – The Galaxies: lançado em 1968, o único disco desta banda paulistana é uma preciosidade. Formada por um inglês, uma americana e dois brasileiros (tinha um terceiro, guitarrista do Baobás, que não aparece na ficha técnica por motivos óbvios), desfila uma sucessão de faixas psicodélicas e garageiras repletas de guitarra fuzz. São muitas as versões no disco, todas maravilhosas, mas eu escolhi “I’m Not Talking” por ser do Yardbirds e para homenagear o Mairon Machado. (Cortada por conta de Direitos Autorais)
07. “Abre, Sou Eu” – Beat Boys: é aquela banda que acompanhou Caetano no III Festival de Música Popular Brasileira, em 67, quando ele concorreu com “Alegria, Alegria”. Era formada por músicos argentinos e brasileiros e seu único LP saiu no ano seguinte. Tony Osanah e Willie Verdaguer são seus músicos mais famosos. Nesse disco também tem a famosa “Meu Tamborim”, versão do clássico bubblegum “My Green Tambourine”, do The Lemon Pipers. A banda era ótima, mas o sotaque mui amigo do Tony Osanah ofendia os sensíveis e refinados tímpanos tupiniquins.
08. “Eu Sou Psicodélico” – Serguei: Sérgio Augusto Bustamante jura que não tomava drogas, mas era o louco de plantão. Gravou três compactos simples nos anos 60 e eu escolhi esta música por causa de um protesto que ele fez em 67 na Av. Rio Branco (Rio de Janeiro), trepado sobre a estátua do Pequeno Jornaleiro: “Abaixo o colorido bélico, eu sou psicodélico”, ele gritava. Acabou indo parar no DOPS, tendo que se explicar para a repressão que estava em dúvida se ele era comunista, drogado ou apenas efeminado. Grande figura esse nosso eterno roqueiro.
09. “Que Bacana” – Suely e os Kanticus: Suely Chagas e o guitarrista Rafael Vilardi eram do O’Seis e as músicas do único compacto simples lançado em 68 pela Philips (o lado B traz “Esperanto”) eram composições do baixista Richard Carasso. Mas é a lenda Lanny Gordin quem rouba a cena. Sua guitarra fuzz é como ser eletrocutado aos poucos por um carrasco sádico. “Que Bacana” ganhou o Festival Universitário de São Paulo, bancado pela TV Tupi, e acredite se quiser: eu vi pela televisão.
10. “Pare de Sonhar com Estrelas Distantes” – Ronnie Von: estou escrevendo este tópico de joelhos, que ainda assim é reverência pequena comparada à grandeza de Ronnie Von. Filhinho de papai diplomata, Ronnie teve que contrariar e frustrar a família para botar sua carinha bonita na TV e abraçar a carreira de ídolo da juventude. Seus três discos psicodélicos, gravados entre 68 e 70, no auge da fama e nadando contra a corrente do bom senso comercial, fariam qualquer rainha da Inglaterra mandar a RAF abater a estúpida da cegonha que errou o endereço e, em vez de Londres, entregou o bebê em Niterói. Tem tanta coisa boa nesses discos que a música “Pare de Sonhar com Estrelas Distantes”, do álbum A Misteriosa Luta do Reino de Parassempre contra ao Império de Nuncamais, de 1969, foi escolhida na base do minha mãe mandou bater nesta daqui. (Cortada por conta de Direitos Autorais)
11. “Pega a Voga, Cabeludo” – Os Brazões: duas guitarras, uma gemendo no wah wah e a outra ensandecendo no fuzz, baixo e uma percussão que bebeu na fonte do Santana. Assim era Os Brazões, a banda que acompanhava Gal Costa no final dos anos 60. Gravaram um único álbum em 1969 e são dignos representantes do tropicalismo no rock e até mesmo no fusion. “Pega a Voga, Cabeludo” era uma música porreta de Gilberto Gil.
12. “Fossa Boboca” – O Bando: eles eram Os Malucos, mas quando resolveram acrescentar mais um baterista mudaram o nome para O Bando, caindo logo nas graças do André Midani, o todo poderoso da Philips brasileira. Não demorou muito e já estavam gravando um LP tropicalista até a medula, a começar pelos arranjos de Julio Medaglia, Damiano Cozzela e Rogério Duprat. Lançado em 1969, o Lp mistura cancioneiro popular, tropicalismo e rock. É deles inclusive a versão famosa de “Que Maravilha”, música de Jorge Ben que eles defenderam e ganharam o Festival da TV Tupi.
Obs: Já sei que vai ter neguinho reclamando: “Escreveu, escreveu e não pôs nada dos Mutantes”. Mas pensa bem, se é para apresentar Mutantes, Roberto e Erasmo, Caetano, Gil e Gal, Renato e Seus Blue Caps, Jet Black’s, Os Incríveis e outros tantos baluartes manjadíssimos, é porque a coisa está mal. Na realidade, lamento não ter falado d’Os Abutres, Analfabitles e mais uma penca de bandas obscuras de 1 ou 2 compactos. Se fizesse isso, esta matéria não teria mais fim.