Discos Que Parece Que Só Eu Gosto: Morbid Angel – Illud Divinum Insanus [2011]
Por Diogo Bizotto
Fogo. Marteladas. Machadadas. Esse foi o tratamento oferecido por alguns fãs do Morbid Angel quando, em 2011, adquiriram suas cópias de Illud Divinum Insanus, disco que interrompeu um hiato de oito anos sem que o grupo norte-americano lançasse um novo álbum. A expectativa, como não poderia deixar de ser, era enorme em relação ao trabalho, que referendaria definitivamente a volta do baixista e vocalista David Vincent à banda após sua saída, ocorrida em 1996, depois do lançamento de Entangled in Chaos, único registro ao vivo do quarteto da Flórida. No entanto, não foi apenas o altíssimo grau de ansiedade que acabou por frustrar as expectativas dos admiradores do Morbid Angel. Quem ouviu Illud Divinum Insanus certamente teve uma surpresa que foi muito além da longa espera, encontrando justificativa no conteúdo do disco, que instantaneamente ganhou a pecha de polêmico.
Mas o que poderia ser tão diferente a ponto de revoltar justamente os fãs do quarteto liderado pelo guitarrista Trey Azagthoth? Que o público death metal geralmente é mais fechado a experiências sonoras, isso é fato inegável. Nesse caso específico, porém, trata-se de uma banda que sempre primou por fugir da estagnação, nunca seguindo uma linha pré-determinada, fazendo com que suas obras apresentassem diversidade de ideias e conceitos desde seus primórdios. Sequer Blessed Are the Sick (1991), segundo álbum do grupo, assemelha-se tanto ao primeiro, o clássico Altars of Madness (1989). Apesar disso, o Morbid Angel sempre foi visto como uma espécie de “reserva moral” do gênero, e Illud Divinum Insanus foi considerado uma afronta a esse status. Mesmo o baterista Pete Sandoval, que precisou deixar o grupo para a gravação do disco e sua subsequente turnê a fim de realizar um tratamento de saúde, sendo substituído por Tim Yeung (Hate Eternal, Divine Heresy), foi reticente em relação ao lançamento.
As motivações para a rejeição ficam claras tão logo a climática introdução “Omni Potens” (que lembra os interlúdios presentes em Blessed Are the Sick) finaliza e abre espaço para “Too Extreme!”, exibindo um Morbid Angel mais industrial do que death metal, chocando quem esperava uma sequência natural de Heretic (2003). A estrutura da música, bastante reta, assemelha-se mais a um bate-estaca frenético levado ao extremo, algo fortemente evidenciado pela bateria, soando mais eletrônica do que nunca, e pelos timbres processados de guitarra.
A maior parte do público odiou. Críticos se dividiram. Particularmente, gostei da faixa, que, apesar de não ser uma das melhores do disco, talvez seja a mais sintomática da fusão que o grupo decidiu apresentar em Illud Divinum Insanus. Você me pergunta: fusão? Sim, pois na música ainda existem elementos que remetem ao Morbid Angel de outrora, caso dos vocais do baixista David Vincent, que soam mais cavernosos do que nunca, repaginando o gutural mais extremo apresentado em Domination (1995) com maturidade e experiência.
Vincent, inclusive, foi apontado por muitos como responsável pelo direcionamento do álbum em função de seu trabalho com o Genitorturers, banda liderada por sua mulher, a vocalista Gen, que pratica uma sonoridade mais industrial. O fato é que os créditos em Illud Divinum Insanus não ajudam a determinar melhor a influência de cada integrante nas músicas, pois todas elas são atribuídas a “Morbid Angel”, não a um membro em específico.
Considerando que a presença de Trey Azagthoth costumava ser preponderante na maioria das composições até Heretic, talvez isso signifique, sim, uma interferência maior do baixista e vocalista, ainda mais levando em consideração algumas declarações do músico na época do lançamento, afirmando que o rótulo “death metal” havia se tornado insuficiente para determinar o tipo de música praticado pelo grupo, que, segundo ele, seria simplesmente música extrema. Nas palavras do próprio Vincent: “Extremo é extremo, o que inclui diferenças extremas entre as músicas. Extremo para mim significa literalmente não haver limites. Assim que alguém começa a segmentar as coisas, surge um problema. Isso soa como limitação criativa, e a verdadeira criatividade não tem esse tipo de limitação”.
Apesar disso, nem tudo foge daquilo que se esperaria ouvir do quarteto. “Existo Vulgoré” é a primeira de várias canções que têm, sim, potencial para agradar aqueles que acompanham a banda desde o final dos anos 80 e não são muito afeitos a mudanças. Apesar das evidentes diferenças em relação ao material mais experimental, isso não quer dizer que essa realidade torne Illud Divinum Insanus um álbum desconjuntado. Pelo contrário, há uma interessante coesão que transcende a variedade das composições, encontrando justificativa na boa produção (por mais que muitos discordem), executada pelo próprio grupo, e no panorama extremo em geral do disco, fugindo do padrão pré-determinado de extremismo, no qual peso se confunde com qualidade.
Voltando a “Existo Vulgoré”, há de se ter muita má vontade para negar a evidente qualidade que brota da música, sob todos os aspectos. Tim Yeung, dessa vez sem os aparatos eletrônicos de “Too Extreme!”, mostra serviço na função originalmente ocupada pela lenda Pete Sandoval, abusando da velocidade nos bumbos. Azagthoth, acompanhado pelo norueguês Destructhor, destila linhas que não apenas fazem bonito frente ao apresentado nos discos anteriores, como faz melhor. David Vincent então, impressiona com a potência de seus marcantes guturais, retomando a posição como um dos mais importantes vocalistas voltados ao lado mais extremo do heavy metal. Cabe citar que, apesar do experimentalismo manifestado ao longo do álbum, a banda ainda teve uma decisão conservadora (e acertada, diria) de lançar um videoclipe para “Existo Vulgoré”, e não para outra faixa cuja possibilidade de aceitação seria menor.
“Blades For Baal” é outra que, caso os ouvintes se prestem a ouvi-la com atenção, tem tudo para fazer com que o disco seja melhor avaliado por aqueles que o rejeitaram. Muitos reclamaram que os vocais sobrepuseram-se em excesso às guitarras, mas, ao menos para mim, essa ênfase (levemente) menor no volume das guitarras na hora da mixagem é justamente um dos fatores que me fizeram gostar mais desse disco em relação aos lançados durante a época em que Steve Tucker ocupou a posição de Vincent no grupo, a saber, Formulas Fatal to the Flesh (1998), Gateways to Annihilation (2000) e Heretic. Nem tanto nos dois primeiros, mas especialmente emHeretic, as guitarras acabaram pesando em excesso na comparação com o restante da massa sonora, tornando-a um tanto desequilibrada.
Ok, duas faixas mais tradicionais em seguida? Hora de assustar os fãs! “I Am Morbid”, introduzida em falso “ao vivo”, é cadenciada e certamente deve soar “limpa” demais para os parâmetros de extremismo que os fãs esperavam, além de ser construída sobre uma base bastante simples, mas que, para mim, soa muito bem, especialmente por contar com uma interessante sequência de solos. “10 More Dead” é mais uma que enfatiza a força das linhas vocais de Vincent como condutor da maior parte do disco, mas não deixa de trazer guitarras interessantes, como é o caso de seu riff principal, além de um solo dissonante e cheio de alavancadas, como Azagthoth adora criar.
Em “Destructos Vs the Earth/Attack” certamente residem grande parte das razões para o ódio direcionado a Illud Divinum Insanus. Quase nada na faixa remete ao que a banda já havia composto, em fase alguma da carreira, soando próximo, talvez, de uma versão mais leve do Fear Factory, mas sem a mesma competência do grupo liderado pelo guitarrista Dino Cazares. Condução quadrada, vocais limpos e uma série de efeitos tornam a faixa uma das mais atípicas de toda a carreira do grupo, perdendo apenas para “Radikult”, outra a abusar de efeitos e da paciência daqueles que não estavam nem um pouco a fim de ouvir Vincent freneticamente repetir “kill a cop-cop, kill a cop, kill-a-kill-a-kill-a-cop”, muito menos com vocais limpos, nem Azagthoth executando linhas menos trabalhadas em função de complexidade e dissonância.
Entre as duas últimas citadas, porém, outras duas músicas ajudam a atestar minha tese de que, caso algumas faixas fossem limadas, Illud Divinum Insanus seria aclamado como mais uma grande obra do quarteto. Trata-se de “Nevermore” e “Beauty Meets Beast”, dotadas de características que estabelecem conexão com o que grupo estava habituado a executar sem deixar de manter a bandeira do pioneirismo hasteada. Bumbos velocíssimos, riffs triturantes, solos cheios de técnica, linhas vocais criativas e, principalmente, a marca das composições de qualidade, daquelas cujo extremismo não faz com que deixem de ser memoráveis com poucas audições. Ao menos para mim, nem mesmo o encerramento com a insana “Profundis – Mea Culpa”, mais uma a mixar elementos industriais e eletrônicos ao death metal do grupo, faz com que o lado positivo, que é totalmente preponderante no álbum, seja suplantado por experimentalismos que sequer são do meu desagrado.
Dando sequência à saga de irritar os fãs, o grupo lançou, em 2012, o disco duplo Illud Divinum Insanus – The Remixes, que consiste em uma enorme compilação de faixas presentes no álbum retrabalhadas por artistas ligados à cena da música eletrônica, desconstruindo-as quase na totalidade e adicionando os mais diversos efeitos e texturas. Certamente trata-se de um trabalho ousado, mas que não necessariamente tem a acrescentar à carreira do quarteto, nem é garantia de qualidade. Em particular, ouvi apenas uma vez as gravações e não senti vontade alguma de repetir a experiência, ao contrário do lançamento original, que por pouquíssimo não entrou na minha lista compilando os dez melhores lançamentos de 2011, perdendo posição, na seara do death metal, para os lançamentos de Krisiun e Autopsy.
Track list
- Omni Potens
- Too Extreme!
- Existo Vulgoré
- Blades For Baal
- I Am Morbid
- 10 More Dead
- Destructos Vs the Earth/Attack
- Nevermore
- Beauty Meets Beast
- Radikult
- Profundis – Mea Culpa