DVD: “Loki” [2008]
Por Bruno Marise
É incrível como a palavra “gênio” foi banalizada. Eu mesmo às vezes a uso de brincadeira e só contribuo para estragar um termo que deveria ser atribuído apenas a alguns poucos mortais. E Arnaldo Baptista se encaixa perfeitamente na definição de gênio. Dirigido por Paulo Henrique Fontanelle, “Loki” registra toda a vida do músico desde sua infância, sua trajetória n’Os Mutantes, carreira solo, o ostracismo e seu retorno com a reunião de sua antiga banda. O documentário mescla imagens de arquivo com registros atuais da vida de Arnaldo em Juiz de Fora-MG, onde ele passa boa parte do tempo pintando, atividade que o ajudou em sua recuperação. O que mais me chamou a atenção foram as tomadas raríssimas da carreira solo de Arnaldo, principalmente na fase com a Patrulha do Espaço
Algo que me incomoda bastante em biografias musicais é que geralmente elas tratam mais do aspecto pessoal dos artistas do que de sua obra, a exemplo do que tivemos nos documentários dos Novos Baianos e Raul Seixas. Mas em “Loki”, souberam balancear bem os dois lados. E no caso de Arnaldo, seria impossível isolar sua vida pessoal, já que ela está diretamente ligada à sua carreira. Para quem está perdido, vamos explicar: Arnaldo deixou Os Mutantes em 73, mesmo período em que seu casamento com Rita Lee chegava ao fim. Já bastante abalado com sua saída da banda, o divórcio deixou o música arrasado, que acabou afogando suas mágoas no LSD, deixando o em um estado mental crítico, combinando depressão com viagens de ácido. Em 74, com o seu emocional em frangalhos, Arnaldo gravou seu primeiro trabalho solo, cujo título inspiraria o nome do documentário. Gravado sem guitarra, com a cozinha dos Mutantes e todo calcado no virtuosismo de Arnaldo como pianista, Lóki? é um dos mais impressionantes registros de um ser humano no limiar entre a genialidade e a loucura, onde Arnaldo transpõe toda sua mágoa, tristeza e decepção para os sulcos do LP. Sendo achincalhado pela crítica e um fracasso de vendas, Lóki? ficou esquecido até que anos depois foi redescoberto e hoje é ovacionado como um dos melhores discos do rock brasileiro. Para quem tiver interesse, falamos com mais detalhes dele aqui.
Após tentar montar um novo grupo no final dos anos 70, A Patrulha do Espaço, e gravar mais um disco solo, Singin’ Alone em 82, Arnaldo sofrendo de depressão profunda é internado pela quinta vez num Hospital Psiquiátrico, e durante o reveillón do mesmo ano, se joga da janela de seu quarto, no terceiro andar. Arnaldo sobrevive ao acidente, mas fica com sequelas físicas e mentais para o resto da vida, mas que infelizmente não interferiram em sua genialidade musical. O filme também mostra o encontro do músico com uma antiga fã, Lucinha, que passou a cuidar dele durante a recuperação e acabou se tornando sua esposa, tempo depois.
O documentário termina com o registro da volta d’Os Mutantes em 2006, em uma apresentação na Inglaterra com participação de Zélia Duncan. Os músicos ficaram impressionados com tamanha receptividade do público britânico, e em um dos momentos mais legais do filme, um fã para Arnaldo no meio da rua para dizer o quanto a obra d’Os Mutantes significava para ele e superava outros discos psicodélicos clássicos, deixando o Mutante visivelmente emocionado.
Loki não é apenas uma cinebiografia de um dos mais brilhantes compositores e músicos brasileiros, mas também um registro de como o público e a crítica especializada podem ser cruéis com um artista e jogá-lo às traças quando decidirem que ele não interessa mais. O filme não é só recomendado para fãs de Arnaldo e d’Os Mutantes, mas para qualquer pessoa que leva música a sério e que tem a obrigação de saber quem foi Arnaldo Baptista e ver como um verdadeiro gênio ficou anos esquecido em seu próprio país, enquanto lá fora era tratado como uma divindade. Loki não é nem o mínimo de que Arnaldo merece por sua contribuição para a música mundial, mas já vale como uma homenagem a essa lenda viva do rock brasileiro.