War Room: Richie Kotzen – Into the Black [2006]
Por Diogo Bizotto
Com Adriano KCarão, Bernardo Brum e Mairon Machado
Esta edição da seção “War Room” foca em um dos diversos álbuns lançados pelo guitarrista e vocalista norte-americano Richie Kotzen em carreira solo. Dotado de um estilo eclético, que consegue alternar com facilidade entre gêneros diferentes, do rhythm ‘n’ blues ao heavy metal, Kotzen entregou em Into the Black aquela que talvez seja sua obra emocionalmente mais intensa, transmitindo através das músicas e letras uma carga de sentimentos mais forte que o habitual, fato que até lhe rendeu o primeiro e único aviso “Parental Advisory” em uma capa de disco sua. Richie, que toca todos os instrumentos na maioria de seus lançamentos solo, também fez fama ao ser membro do Poison e registrar ao seu lado o ótimo Native Tongue (1993), que representou um avanço musical elevado e ganho de credibilidade, e do Mr. Big, com o qual gravou Get Over It (1999) e Actual Size (2001). Acompanhe abaixo as reações de meus colegas da Consultoria do Rock ao escutarem pela primeira vez Into the Black, ou até mesmo uma obra do multi-instrumentista na íntegra.
1. You Can’t Save Me
Mairon: Pô, é o Sammy Hagar cantando?
Adriano: Xiii. É METÁU!! Na verdade, a sonoridade é meio grunge, meio essas bandinhas de 1990 pra cá… Vocal na linha Coverdale. Vocês não curtem variar muito o tipo de música, né? Haha.
Bernardo: A evolução lembrou alguns momentos do Audioslave… Menos hard 1980′s, mais 1990′s.
Diogo: A introdução mais lúgubre do que o habitual de “You Can’t Save Me” já dá o tom de Into the Black: um disco mais “sombrio” e deprê para os padrões de Richie Kotzen. A letra, então, ratifica isso que afirmei. Vocalmente, costumo considerar Richie uma cruza entre o David Coverdale da época do Deep Purple e Chris Cornell, mas dessa vez é mais para o segundo que ele está puxando, encaixando-se na proposta deste álbum.
Bernardo: Pois é, as linhas vocais são bem típicas do Cornell!
Mairon: Confesso que não esperava a voz de Kotzen dessa forma. Achei interessante a linha acústica, mas não ouvi nada de mais nesta primeira canção. Popzinho metálico anos 90, sem adicionar nada ao que já foi feito por Audioslave e a fase solo de Sammy Hagar.
Diogo: Não sei o que há de muito pop nesta música, mas tudo bem.
Adriano: Audioslave por si só já é uma banda que não acrescenta muita coisa pra nada.
Mairon: Concordo, Adriano.
2. Misunderstood
Mairon: Mais uma baladinha? Isso é pop, Diogo. Surpreendente a voz do Kotzen. Quem te viu no Poison e quem te vê solo.
Adriano: Legal que já é um disco a menos pra ouvir pra lista de 2006 [da série “Melhores de Todos os Tempos”]. Se eu tivesse 10 anos quando este disco saiu, talvez ele tivesse algum impacto sobre meus ouvidos.
Bernardo: Juro que se não tivesse visto quem era o cantor, ia achar que era um disco novo do Soundgarden/Audioslave. Mesma coisa da anterior: começa pegando leve pro refrão ficar mais intenso. Não é ruim, mas… Espero alguma variação nas próximas músicas.
Mairon: Não sei por que, mas isso me lembra muito os discos solo do Sammy Hagar nos anos 1990, e a citação ao Audioslave creio que é principalmente por conta do instrumental.
Diogo: Da maneira que o track list se revela, “Misunderstood” parece uma sequência planejada para “You Can’t Save Me”, tanto que a transição de uma faixa para outra é tranquila, sem cortes. Muitos que conhecem o Richie Kotzen de seu trabalho com outros grupos e mesmo em discos solo anteriores podem se surpreender com a sonoridade mais “espaçosa” deste álbum. Ele é um “shredder”, mas só o faz quando julga necessário, e não é o caso desta canção.
Mairon: O que é “shredder”?
Bernardo: Fritador? Hahaha.
Diogo: “Esmirilhador” de guitarra.
Adriano: Nesse Dia das Mães [data em que o “War Room” foi realizado], atenhamo-nos à nossa língua-mãe, por favor…
Mairon: Obrigado, Diogo.
3. Fear
Mairon: O nome da canção sinaliza meu sentimento com o restante do álbum.
Bernardo: A linha de bateria parecia que ia introduzir algo do Led… Interessante esta música, tem um clima mais “viajante” nas estrofes. Parece aqueles momentos mais alternativos do Alice in Chains.
Mairon: “When the Levee Breaks” era a introdução. O vocal aqui já é mais o que eu esperava para o Kotzen, mas a música não me agradou. Pior que eu me esforço para tentar gostar desse som mais moderno, mas e difícil.
Adriano: Os “momentos mais alternativos do Alice in Chains” tão me soando mais genéricos que os momentos mais padrão dos grupos de progressivo clássico, por exemplo.
Diogo: Caso alguém não saiba desse detalhe: Richie toca todos os instrumentos neste e na maioria de seus álbuns solo. Isto é, não esperem grooves de bateria como em sua época no Mr. Big, pois ele passa longe ser um Pat Torpey da vida.
Mairon: Interessante Diogo, porque eu já ia comentar que não estava gostando do baterista.
Diogo: Eu entendo a associação que vocês estão fazendo com bandas típicas dos anos 1990, mas acho que Kotzen deixa transparecer com muita evidência suas influências soul nas melodias vocais, coisa que esses grupos que vocês estão citando não faziam.
Bernardo: Inesperado essa guitarra mais distorcida no meio da música. Transição natural, mas surpreendente. Mas devo dizer que ainda não me impressionou.
4. The Shadow
Mairon: Bah, Diogo. Honestamente, você anda muito apaixonado, hein?
Adriano: Hahaha
Diogo: Ouvindo esse timbre de guitarra fica ainda mais claro pra mim que a associação com Soundgarden, Alice in Chains e companhia não faz tanto sentido assim. Enquanto os guitarristas desses grupos espelhavam-se bastante no Black Sabbath e coisas do tipo, Richie toca de maneira bem mais rítimica e sem ater-se tanto a riffs pesados.
Mairon: E sem tanto peso, né, Diogo?
Bernardo: Voltou meio que pro esquema inicial, hein? Pra variar, curti mais os momentos lentos, aqui mais ritmado.
Diogo: Peso pelo peso nunca foi objetivo pro Kotzen, felizmente.
Bernardo: A associação se deu por conta justamente dos momentos mais leves desses grupos, tipo o Superunknown [Soundgarden, 1994] e o Jar of Flies [Alice in Chains, 1994].
Adriano: Essa pelo menos é mais pop e menos rock 1990′s.
Mairon: A pegada dele é diferente mesmo. Tipo, esse solo na “The Shadow” é simples é melhor do que todas as outras canções. O básico me soou melhor do que as invenções por enquanto.
Bernardo: Concordo. Acho que só peca o refrão, que achei meio “burocrático” demais.
Adriano: Essa dá pra ouvir com a gata… Ou com o gato…
Mairon: Vocês conhecem a carreira solo do Sammy Hagar? Tem muito disso.
Diogo: Acho que não é preciso muito conhecimento sobre guitarras pra adivinhar que ele está tocando com uma Fender Telecaster.
Adriano: Não, aí teria que ser um som mais lokao.
Mairon: “The Shadow” é boazinha, mas nada de mais.
5. Doin’ What the Devil Says to Do
Mairon: O nome é bom. Pode ser que venha um blues.
Diogo: Esta talvez seja a melhor música do disco. Melodias vocais magníficas, letra interessante e bem construída, clima que se constrói aos poucos e culmina em um belíssimo refrão. Licks espertos ajudando a criar o clima adequado… Espetacular!
Mairon: Sempre pensei que os discos solos do Kotzen eram inspirados no blues, mas olha, decepcionante. Como baterista ele é muito fraco.
Adriano: Acho que preferi o Change [2003]. Mas faz tanto tempo que ouvi que nem lembro. Só sei que os comentários do Diogo são muito mais ricos do que esse som.
Bernardo: Balada básica e rasgadona, e boa performance vocal do Kotzen. Passável. Acho que é a que mais resume o climão do disco no geral.
Diogo: Ele tem discos com outros bateristas, mas acho mais adequado que um disco tão pessoal como este seja tocado pelo próprio.
Mairon: Elogiável a versatilidade do Diogo. O cara adora Death e essas baladas mela-cueca. Parabéns.
Adriano: Eu acho que essas baladas mela-cueca são o reverso da moeda do Death. Ambas são mais do mesmo sempre.
Mairon: O Death pelo menos fala do demônio com propriedade.
Diogo: Olha, é uma balada sim, mas não tem quase nada de mela-cueca, honestamente. Não tem nada daquelas letras efusivas e melodias fáceis do estilo pra cantar com o público.
Mairon: Discordo, Diogo, com todo o perdão.
6. Till You Put Me Down
Mairon: Oh, até que enfim algo diferente. E bom.
Diogo: Adoro as intervenções guitarrísticas desta. Lembram-me quando o Jimmy Page resolvia aplicar aquilo que ele manjava do blues nas melhores canções do Led Zeppelin.
Bernardo: Gostei das guitarras. Tem as linhas vocais e harmonias mais diferenciadas até agora. E a cozinha tem um groove bem interessante também.
Adriano: Uma batida um pouco diferente, um clima também menos comum – me lembra algo dos anos 1980 – e um bom acompanhamento da guitarra.
Diogo: Gosto dessa sensação de eco na bateria, dá uma impressão de som “quente” mesmo, ou, pra usar uma expressão mais clichê, “orgânico”.
Mairon: Achei as linhas da guitarra mais “hendrixeanas”. O vocal não ajuda muito, mas esta é a melhor até agora, principalmente por conta da linha bluesy. Baita solo!!
Diogo: Baita? Baia e meio!
Adriano: Isso aí, Mairão. Seria até bom se ele cantasse menos, hehe.
Bernardo: Esse solo é o melhor momento do disco até agora. Bem que podia rolar uma só instrumental…
Mairon: Olha só, dois ótimos solos. Ele poderia fazer um disco instrumental nessa linha. Seria muito bom.
Diogo: É uma pena mesmo que ele não tenha tocado esta música em nenhum de seus shows que já pude testemunhar. O que ele esmerilha nessa não é brincadeira. Mesmo assim, tudo soa encaixado.
Mairon: Pena que acabou do nada.
7. Sacred Ground
Mairon: Bah, isso é muito Sammy Hagar.
Diogo: Agora sim ele encarnou o Chris Cornell. Mais direta, hardeira e sem tanto daquele suingue habitual dele.
Bernardo: Hardzona, ainda que meio genérica demais, o refrão é bem “ganchudo”. Esquentaria o clima de um show fácil. A bateria mais reta e rápida ajuda nisso.
Mairon: Ouçam o [álbum de Sammy Hagar] Marching to Mars [1997] e verão as comparações.
Adriano: Pelo menos tá mudando a batida. Como não há muito o que esperar nesses discos atuais, isso é o mínimo.
Diogo: Eu tenho que discordar do Bernardo. Já fui em quatro shows dele e posso afirmar que são as baladaças que mais esquentam o público e trazem mais interação.
Mairon: Você já jogou seu sutiã pro palco do Kotzen, Diogo?
Diogo: Se eu tivesse, eu jogava.
8. Your Lies
Adriano: Mais ~interação~ hehe. Ainda bem que as músicas tão cada vez mais rápidas. Ajuda a não dormir.
Mairon: Bem sinceramente, os discos da fase Sammy Hagar no Van Halen são bem melhores do que este disco… Até porque o baterista e o guitarrista são muito melhores. TRETA!!!
Bernardo: Essa metade mais agitada me anima bem mais. Ainda continua bem melódico, mas o som ganha uma “força” que agrega ao conjunto.
Adriano: Balance [1995] é melhor que o primeiro do Van Halen!
Mairon: O melhor Van Halen é o inicio dos anos 1980.
Diogo: Por mais que eu seja um cara com origens no heavy metal, esse lance de músicas mais rápidas e agitadas funcionarem melhor não serve para mim. Em se tratando do Kotzen, acredito que ele se expresse melhor em canções mais lentas. Claro, isso não é regra, vide músicas como “Socialite” [presente no álbum Mother Head’s Family Reunion, de 1994].
9. Livin’ in Bliss
Mairon: Trilha sonora da novela das nove.
Adriano: Olha só. Coisa nova. Bryan Adams. “She’s only happy when she’s daaaaanciiiiiiiing”. Mais lento, claro.
Bernardo: Realmente. Mó trilhona de filme mesmo.
Diogo: Se vocês querem apontar algo como “pop”, favor apontar esta, muito mais radiofônica que tudo que rolou até agora neste disco.
Mairon: Aqueles romancezinhos baratos da sessão da tarde… Essa é EXTREMAMENTE POP!
Diogo: o grande disco pop rock dele, e o melhor de todos para mim, é Change, de 2003, e esta música faria todo sentido encaixada naquele contexto.
Bernardo: Até backing vocal bonitinho tem. O cara entende desses riscados.
Adriano: Essas últimas músicas ainda tão sendo mais agradáveis que o [álbum de Bruce Springsteen] Darkness on the Edge of Town [1978]. Boto fé, Diogo!
Mairon: Existe algum disco instrumental dele, Diogo?
Diogo: Sim, inclusive discos voltados ao fusion.
Mairon: Passa dispois a lista bra nóis.
10. My Angel
Adriano: Ah, essa parece ser bonitinha. Lenta, mas assumidamente pop. Melhor que aquele lance rock 1990 de antes. Tá até mais soul a parada.
Diogo: Disse que “Doin’ What the Devil Says to Do” é provavelmente a melhor do disco, mas se existe uma canção que coloca uma dúvida em relação a isso é “My Angel”. Melodias vocais, letra, interpretação magnífica… Tudo funciona de maneira a torná-la uma das melhores da sua carreira, e olha que a concorrência é forte.
Mairon: O lado B do disco é melhorzinho, mas, mesmo assim, não me agradou.
Diogo: Sério, quem não gostar desta música merece ostentar um adesivo de “insensível” na testa.
Mairon: E esta última faixa atesta que é para se ouvir este álbum acompanhado da namorada, em um dia de chuva. Com um vinhozinho na mão e uma coxa na outra.
Bernardo: De novo, balada bem feita mas mais do mesmo. As linhas vocais mais intensas agradam mais nesse caso.
Mairon: Dê-lhe carinho, beijinho e amasso pra lá e pra cá. Solinho bonitinho no final.
Adriano: Concordo. Fiquei até afim de viver um novo amor.
Diogo: O final dessa música me lembra um pouco o final de “Purple Rain”, de Prince (é sério).
Bernardo: Pra dia de chuva acompanhado prefiro mais um Leonard Cohen anos 1980, fase galã…
Considerações finais
Mairon: Não gostei do disco. Para ser ouvido ao lado da esposa ou namorada, agarradinho nas coxas e dizendo coisas de amor. Esperava bem mais blues do álbum, que para ruim não serve, mas não me agradou nem um pouco. Ouviria sem problemas, mas não o teria na minha coleção. Porém, fiquei curioso para os discos instrumentais de Kotzen, já que, como guitarrista, ele demonstrou qualidades que eu não ouvi no [álbum do Poison] Native Tongue [1993].
Diogo: Como afirmei na introdução, Into the Black é um dos meus favoritos de Kotzen. Meu preferido é Change, mas achei que seu clima totalmente pop rock garantiria opiniões ainda mais negativas, então optei por este. Parece que a diferença não teria sido muito grande, pois não agradou muito a vocês. Eu não sei por que você esperava tanto blues, Mairon. Essa não é exatamente a “escola” de Kotzen
Mairon: Porque Kotzen deu uma cara diferente para o Poison, bem mais bluesy, e eu esperava algo na mesma linha.
Adriano: Faz tempo que ouvi o Native Tongue e o Change, então nem posso comparar algum deles com este Into the Black. Esse rockzinho básico que vem se arrastando dos anos 1990 pra cá não é minha praia; acho esses timbres vocais, essas batidas e essas composições chatíssimas, então preferi os momentos em que o disco se declarou pop.
Bernardo: O disco não é ruim. Mas não sou fã desse gênero, então achei tudo meio homogêneo demais. Tem momentos que me agradam, e no geral é passável, mas não me desperta grandes paixões não.
Diogo: No final das contas, e apesar das opiniões negativas, isso não quer dizer que o cara esteja “morto” pra vocês, pois a diversidade é um trunfo na carreira dele, que passeia do rhythm ‘n’ blues ao heavy metal com certa facilidade, trafegando ainda por rock, fusion, soul, hard rock, pop rock…
O pessoal fez tanto comentário negativo que fiquei com vontade de ouvir o disco… Não conheço muita coisa da carreira solo do Ritchie Kotzen, acho ele um guitarrista de respeito e um vocalista surpreendentemente bom, mas ainda tenho que explorar um bocado!