Stick Men – Midori [2016]
Por Micael Machado
Não é a primeira vez que escrevo para o site sobre o Stick Men, trio formado pelo multi-instrumentista Tony Levin (responsável aqui pelo stick e pelas vozes principais), pelo percussionista Pat Mastelotto (ambos membros de antigas e da atual formação do King Crimson) e por outro multi-instrumentista, Markus Reuter, que neste registro fica responsável pela touch guitar, os “soundscaps” e os teclados (para aqueles que estão se perguntando o que seriam stick, touch guitar e soundscaps, sugiro audições sucessivas da obra do King Crimson a partir da década de 1990 para maiores compreensões). Seus lançamentos sempre foram bastante difíceis de encontrar no mercado nacional, por isso, foi com uma agradável surpresa que encontrei alguns de seus discos à venda em sites virtuais em edições brasileiras, especialmente este disco duplo ao vivo chamado Midori, que registra dois shows da curta turnê japonesa do grupo em 2015, onde foram acompanhados pelo também ex-membro do King Crimson David Cross, encarregado do violino e dos teclados nestas gravações.
Registrado a 10 de abril de 2015 na cidade de Tóquio, no Japão, cada CD traz, como dito, a íntegra de uma apresentação do Stick Men para a plateia japonesa, tendo no CD 1 a apresentação vespertina do trio, e no CD 2 a noturna. O bom é que, ao contrário do que ocorre com nomes mais consagrados da música mundial, o repertório de ambos os shows repete pouquíssimas músicas, fazendo com que o conjunto da obra seja ainda mais atraente aos fãs da sonoridade adotada pelo trio (temporariamente transformado em quarteto, pois Cross está presente em todas as músicas, ao invés de fazer participação especial em algumas partes selecionadas, como se poderia supor).
Infelizmente, cabe dizer que, para aqueles curiosos que gostariam de utilizar o registro como “porta de entrada” para a discografia do trio, este será de uso bastante limitado, isto porque o número de composições próprias presentes nas duas apresentações são muito reduzidas. As instrumentais “Hide The Trees” e “Cusp” (com Cross nos teclados) são as únicas presentes no primeiro CD, enquanto “Crack In The Sky” (com Levin nos vocais, e que lembra um pouco as baladas do King Crimson registradas nos discos dos anos 90) é a representante solitária da obra original do Stick Men na segunda bolachinha. Boa parte do registro é composta de improvisações feitas na hora pelos músicos, sem preparação anterior, como muitas e muitas vezes o King Crimson fez durante sua trajetória, especialmente na época em que Levin e Mastelotto faziam parte da formação (seja tocando juntos ou em momentos separados).
Estes improvisos podem soar bastante desafiadores (para dizer o mínimo) àqueles não tão familiarizados com a sonoridade proposta pelo grupo (ou, sou obrigado a citar mais uma vez, àquela adotada pela banda de origem de dois de seus membros, especialmente a partir da década de 1990). Dos quatro registros espalhados pelos CDs, “Moth” lembra bastante os improvisos feitos pelo King Crimson na década de 1970, especialmente pela participação do violino de Cross, músico que também se destaca em “Midori”, onde seu instrumento cria climas bastante interessantes. “Moon” é mais lento, com um belo trabalho de Levin no Stick, e “Blacklight”, precedido por uma vinheta introdutória composta pelos “soundscaps” tão adotados pelo Rei Escarlate a partir da década de 1980 (algo que também ocorre com o citado “Midori”), serve apenas para comprovar que a técnica e a inventividade destes músicos está realmente muito acima da média normal encontrada no mundo da música atualmente.
Claro que, com três membros com passagens pelas fileiras do grupo liderado por Robert Fripp, seria quase impossível que alguma composição desta banda não aparecesse nos shows. Pois alguns dos momentos mais interessantes destes shows ocorrem justamente nestas covers, que, a bem da verdade, soam aqui muito mais como “recriações” do que simples versões, como é o caso de “Industry”, cuja faixa de estúdio original nunca foi muito de meu agrado, mas aqui ganha pelo menos cinco minutos a mais em sua duração, e a presença do violino de Cross dividindo improvisos com a touch guitar de Reuter, ou de “Sartori In Tangier” (esta, uma das minhas favoritas dentre os registros da chamada “trilogia das cores” lançada pelo Rei Escarlate na década de 1980), onde o acréscimo do violino às passagens originais leva a composição para novas paisagens sonoras.
Ao olhar o track list pela primeira vez, pensei que “Shades Of Starless” (uma das poucas músicas que se repetem nos dois shows) se trataria de alguma variação de “Starless”, a obra prima que encerra o disco Red (vocês devem saber de quem, certo?), mas a faixa é quase um improviso, onde durante boa parte do tempo a condução é o item que mais se assemelha à faixa setentista original, sendo que, no primeiro disco, apenas depois da metade de seus oito minutos o violino enfim emenda a melodia original de abertura da prima-irmã mais clássica, sendo que mesmo esta é “desvirtuada” por improvisos e pela participação da touch guitar de Reuter, resultando em uma quase completa recriação da obra original, sendo que cabe destacar que as versões presentes nos CDs são bem diferentes entre si, tanto em duração quanto em arranjo, pois no segundo disco a participação de Cross se inicia mais cedo, e é mais presente que naquela apresentada no primeiro show. Encerrando os dois registros, a dobradinha “The Talking Drum”/”Lark’s Tongues In Aspic, part II”, fora alguns improvisos aqui e ali, soa bastante fiel às versões setentistas interpretadas pelo King Crimson (pois as formações da banda nas décadas seguintes, sem a presença do violino, também tinham suas próprias interpretações para estas faixas, que, obviamente, acabavam soando bem diferentes), especialmente graças à presença de Cross, cujo violino também comparece nas composições originais registradas no disco Lark’s Tongues In Aspic.
Completando o registro, o segundo show ainda traz uma versão “quase’ fiel para “Breathless”, canção registrada originalmente por Robert Fripp em seu álbum solo Exposure, de 1979 (o qual conta com Levin no baixo), e uma bela interpretação para parte da obra “Firebird Suite”, do compositor russo Igor Stravinsky, famosa por ser o tema de abertura dos shows do Yes nos anos setenta do século passado. Os dez minutos desta música beiram o divino, sendo valorizados aqui pelo trabalho do violino, com a parte final, justamente aquela mais conhecida, soando mais agressiva do que a interpretação com orquestra a que o ouvinte do Yes está acostumado, em muito graças aos timbres utilizados pela touch guitar e pelos teclados de Cross.
Produzido pelo próprio Markus Reuter, Midori foi lançado originalmente apenas no mercado japonês, mas, como citei, uma edição sul-americana (que incluiu uma versão para o mercado nacional) foi disponibilizada em 2018, graças a um acordo entre as gravadoras MoonJune Records, Iapetus e Unsung Productions. Sorte a nossa, que temos à disposição por um preço bastante acessível uma obra que mostra que o rock progressivo não precisa ser sonolento e melodioso como muitos não-iniciados podem pensar, mas sim ser cerebral, criativo e genial quando submetido ao talento de músicos tão gabaritados quanto estes. Confira!
Track List:
CD 1:
1. Opening Soundscape – Gaudy
2. Improv – Blacklight
3. Hide The Trees
4. Improv – Moth
5. Industry
6. Cusp
7. Shades Of Starless
8. The Talking Drum
9. Larks’ Tongues In Aspic, Part 2
CD 2:
1. Opening Soundscape – Cyan
2. Improv – Midori
3. Breathless
4. Improv – Moon
5. Sartori In Tangier
6. Crack In The Sky
7. Shades Of Starless
8. Firebird Suite
9. The Talking Drum
10. Larks’ Tongues In Aspic, Part 2