Será que é possível viver de rock nos dias de hoje?
Por André Kaminski
Possível é, a questão maior seria é se vale a pena investir pesado nele.
Sabemos que a vida e os objetivos pessoais de cada um são únicos, mas vamos tentar ser o mais genéricos possível de maneira a tentar sair um pouco da completa subjetividade e entrarmos em uma linha mais objetiva.
Primeiro de tudo, você está lá com seus vinte e poucos anos, com a sua banda de rock/metal com uma demo de umas três músicas gravadas e um repertório de covers que você usa para seus shows em bares pequenos que gera aí uns caraminguás divididos entre toda a banda que mal dá de pagar o resto do final de semana. Mas o teu sonho é, imagino, ter uma banda que consiga se auto-sustentar e ganhar aí pelo menos seus 4 mil por mês só com música visando aumentar esse valor com o passar dos anos e o seguimento da carreira. Gravar discos, fazer shows, dar entrevistas, etc.
A questão maior é: como chegar nesse patamar tocando rock/metal nos tempos de hoje?
Não pretendo neste texto ficar analisando exceções ou ficar considerando zilhões de possibilidades. Prefiro ser prático e objetivo e, você concordando ou não com as minhas impressões, que decida o que será melhor para ti.
Mentalidade do público
Se pegarmos o mercado brasileiro (e de certa forma o ocidente no geral), temos uma divisão muito clara entre os gostos mainstream de mulheres e homens. As mulheres dominam o mainstream artístico. Bandas, músicos, cantores, programas de tv e de rádio, novelas e etc tem uma tendência muito maior em se focar nos gostos do público feminino. E a música entra nesse bolo. Se pegarmos o atual sertanejo universitário e o pop atuais e escutarmos os cantos do público, percebemos que o mainstream que gera milhões de reais de shows lotados de cantores sertanejos, Anitta e afins, o público é majoritariamente feminino. O público masculino é muito mais fragmentado em termos de gostos e grande parte dos homens se dividem muito tanto no mainstream quanto nos gêneros mais alternativos e undergrounds como o rock, o hip hop, MPB, folk local e afins. Logo, se você toca rock, você está tocando para um público majoritariamente masculino (e que torçamos, com o tempo atraia ainda mais o público feminino e que as coisas se equilibrem).
Em relação as competições mainstream, a coisa muda de figura. O público masculino domina a grana que rola em competições esportivas, lutas e videogames competitivos. Assim como os homens no mundo da música, os gostos femininos por competições são bem mais divididos entre alguns poucos esportes e competições que as interessam mais.
Levando esses pontos em consideração, no momento é melhor esquecermos de vez o mercado mainstream. Muitos ainda sentem aquela falta quando o hard rock oitentista apelava a esse público e, como de costume, o público feminino era visado com cantores com os peitorais de fora, calças apertadas e cores berrantes que, por sinal, agradavam muito ao público feminino daquela década com todo o apelo glam.
Análise de Mercado
Em termos de mainstream e mídia, o rock está em seu pior momento desde seus primórdios. Não que o estilo já fosse o preferido da imensa maioria, mas já teve momentos melhores em que pelo menos algumas bandas ou estilos tocavam nas rádios e apareciam nas mídias tradicionais. Hoje em dia, o rock foi limado dessas mídias, estando apenas presente nas plataformas da internet que exijam que o ouvinte vá atrás.
A questão é que aquilo que ainda aparece nas mídias tradicionais (ou seja, rádio e tv) ainda é o que chega mais fácil ao público mainstream e cujas bandas e cantores ainda conseguem a tal almejada fama. Se antigamente as bandas cobravam cachê para aparecerem nestes programas, hoje é o contrário: elas pagam para aparecer na tv e divulgarem seus trabalhos. Nas rádios, estas mesmas empresas que gerenciam as carreiras desses artistas pagam as rádios para tocarem suas músicas (e hoje em dia, este se tornou o principal meio de sobrevivência delas).
Novamente, você vindo da classe média-baixa que pagou sua guitarra em 12 prestações não tem chance nenhuma de aparecer neles. Esquema de gravadoras descobrirem novos talentos também morreu. Hoje elas servem mais para que as bandas paguem os aluguéis de estúdio e, vá lá, uma ou outra ainda das grandes lança discos e divulgam nos meios de comunicação especializados (normalmente só com as bandas grandes e já estabelecidas).
O que fazer nesse cenário desanimador?
Primeiro de tudo: Seja um músico excelente
Gosto do que o Kiko Loureiro falou: ele quando era novo, todos os dias acordava cedo e em todos os seus momentos livres ele praticava na guitarra. Tocava covers, compunha riffs, estudava música e testava diferentes afinações e diferentes pedais. Ou seja, ele praticava muito. Esse era o seu trabalho. Montar bandas e tocar covers por aí é fácil. Agora ser bom, criativo, diferenciado e principalmente reconhecido pelo público e pelos músicos à sua volta é muito mais difícil, trabalhoso e demorado. Fazendo isso, já é um passo fundamental para conseguir se diferenciar de outros do meio.
Ele escolheu a guitarra, instrumento que é muito tocado e popular em vários estilos. Há uma concorrência forte entre os guitarristas. Mas e o baixo, teclado e bateria? Aparentemente, a competição nestes instrumentos parece ser bem menor. Por que ao invés de treinar somente as bases de um baixo, você não aprende a solar também? Por que você não testa uns pedais para efeitos diferentes no baixo e compõe um instrumental com ele? Nos teclados, temos dezenas de presets diferentes. Por que você só treina a parte de piano e não experimenta outros presets tentando encaixá-los em uma composição sua?
A música não pode se restringir a apenas imitar o que as bandas grandes fazem. Soar diferenciado ainda é algo que muita gente admira. Busque uma cara e um som próprio.
Veja Cliff Burton. Ele não só era um grande baixista por saber tocar bem. Ele era um baixista extremamente diferenciado de todos os outros de sua época. Ele era o melhor músico do Metallica. Ele ainda é o melhor músico dentro de qualquer coisa do catálogo do Metallica.
Rede de Contatos
OK, agora você é um músico muito foda. Parabéns pelo seu empenho. Mas estamos longe ainda disso retornar em grana. Você precisa de uma rede de contatos bastante extensa.
Poste seus vídeos no youtube, faça uma página nas redes sociais, demonstre o teu trabalho, interaja muito bem com aquelas ainda poucas pessoas que admiram o seu trabalho, gere engajamento com eles para que te admirem ainda mais. Um exemplo. O fã comenta:
“- Excelente cover, parabéns.”
Um comentário genérico mas de alguém que ainda gosta de ti. Responda:
“- Muito obrigado. Tem alguma canção que acha que eu conseguiria me sair bem?”
Gere assunto com o teu público.
“- Você é um grande tecladista, parabéns”
“- Obrigado, na tua opinião, você acha que devo estudar mais as linhas do Jimmy Page ou do David Gilmour?”
Empenhe-se nas redes sociais. Tanto com a página da tua banda quanto a sua própria. Isso não é gastar tempo, é investir nas pessoas e potencial público que pode depois ir no seu show ou comprar a camiseta da tua banda. E outras pessoas vendo, irão querer interagir contigo. E se conseguir manter essa fidelidade, aqueles que virão te ajudarão a crescer mais e mais.
Além disso, vá atrás de outros músicos e produtores de casas de shows oferecendo o teu trabalho e parcerias. Você vai receber muitos “nãos” na sua cara, mas é aquela coisa: se sua página no facebook tiver apenas 1000 curtidas e depois do seu empenho conseguiu ter 10 mil curtidas, a chance de receber um “sim” aumenta.
Conclusão
Tem ainda muitas coisas que poderia mencionar mas aí o texto irá se estender demais. Respondendo a pergunta do título, será que é possível viver de rock nos dias de hoje? A resposta é sim. Mas demanda muito trabalho e esforço. Infelizmente, poucos tem mesmo a possibilidade de conseguir trabalhar tanto visto que você tem o seu emprego normal, tem a questão do restante da banda se empenhar tanto quanto você e as dificuldades pessoais que todo mundo enfrenta.
O que se deve ter em mente é: você realmente quer ser músico? Você tem essa gana? Você tem condições de enfrentar todas essas dificuldades?
Eu torço bastante para que realmente consiga. O rock precisa muito de mais gente boa e criativa fazendo sons.