Cinco Discos Para Conhecer: Wilko Johnson
Por Marcello Zapelini
Nascido John Andrew Wilkinson em 12/7/1947, Wilko Johnson começou a tocar guitarra na adolescência e comprou sua primeira Fender Telecaster em 1968, ano em que entrou na Universidade de Newcastle. Após graduar-se em Língua Inglesa, Wilko passou algum tempo viajando, deu aulas de inglês e formou sua primeira banda, Pigboy Charlie Band, que se tornaria o Dr. Feelgood em 1971, cavando lentamente seu espaço na cena britânica. Com os cabelos curtos, sempre vestido de preto e andando pelo palco com os olhos esbugalhados, ele acabaria influenciando o movimento punk – Johnny Rotten admitiu que arregalava seus olhos para copiar o guitarrista e Joe Strummer adotou a Telecaster por causa dele.
A estreia discográfica deu-se em janeiro de 1975 com o Dr. Feelgood, lançando Down by the Jetty; o disco se encaixa no subgênero conhecido como pub rock – uma reação aos excessos do progressivo e do glam, o gênero basicamente recuperava o som dos anos 50 e 60 e o modernizava para a década de 70, com muito rock’n’roll, blues e rhythm and blues. Em 1977, após três discos de estúdio e um ao vivo, Wilko deixou a banda – ou foi expulso – e formou o Solid Senders, cujo único disco vendeu pouco e quase o fez abandonar a carreira. Um convite para integrar os Blockheads de Ian Dury em 1980 o convenceu a continuar, e daí em diante ele gravaria dez álbuns solo, bem como um disco em dupla com Roger Daltrey.
Em 2013, diagnosticado com câncer pancreático, Wilko fez uma breve turnê de despedida e, logo depois, submeteu-se a uma cirurgia experimental e, surpreendentemente, curou-se, retomando sua carreira musical, além de atuar em alguns episódios da série “Game of Thrones”. Mas, em 21/11/22, o fim da estrada chegou para o mais improvável guitar hero do rock britânico (vamos convir que, fora das bandas de heavy metal, a segunda metade dos anos 70 não foi muito generosa para os guitarristas ingleses). Assim, para homenagear um mestre pouco conhecido da guitarra, selecionei cinco discos para conhecer Wilko Johnson.
Dr. Feelgood – Down by the Jetty [1975]
Qualquer um dos quatro discos que Johnson gravou com o Dr. Feelgood é digno de figurar aqui, mas escolhi o álbum de estreia porque tudo o que distingue o guitarrista está presente aqui: tocando sem palheta, Wilko Johnson conseguia fazer a transição das bases para os solos sem dificuldade alguma, muitas vezes soando como dois guitarristas ao mesmo tempo. O disco se divide em composições originais de Wilko e algumas covers, como por exemplo o clássico “Boom Boom”, de John Lee Hooker, uma das três músicas em que ele fez o vocal solo. Os destaques são muitos: “Roxette” (primeiro single da banda), “The More I Give”, “That Ain’t the Way to Behave” (outra cantada por Wilko), “Cheque Book” e a instrumental “Oyeh”, de autoria de Mick Green – guitarrista de Johnny Kidd and The Pirates, e um dos ídolos do nosso homenageado. Se o orçamento permitir, procure a Collector’s Edition com um CD extra e toneladas de bônus, e se estiver realmente bem de grana, vá atrás de All Through the City 1974-77, uma box que reúne todos os quatro discos do Dr. Feelgood, mais um generoso punhado de material inédito ou raro fornecido pelo próprio Wilko e um DVD.
Músicos: Lee Brileaux: vocais, harmônica, guitarra; Wilko Johnson: guitarra, piano e vocais; John B. Sparks: baixo; John “The Big Figure” Martin: bateria.
1. She Does it Right
2. Boom Boom
3. The More I Give
4. Roxette
5. One Weekend
6. That Ain’t the Way to Behave
7. I Don’t Mind
8. Twenty Yards Behind
9. Keep it Out of Sight
10. All Through the City
11. Cheque Book
12. Oyeh!
13. Bonie Moronie/Tequila
Solid Senders – Solid Senders [1978]
O único disco do Solid Senders mostra Wilko totalmente à vontade como líder de banda – tanto que seu nome aparece na capa com destaque. O disco é basicamente um Dr. Feelgood com presença significativa de teclados, contendo algumas covers e várias músicas escritas em coautoria com os outros músicos, que dividem os vocais com o chefe. No mais, é basicamente uma grande festa de rock’n’roll, blues e rhythm’n’blues como deve ser um bom disco de pub rock, daqueles que é impossível ficar quieto. A edição em CD traz seis faixas bônus gravadas ao vivo, que foram originalmente disponibilizadas num EP lançado em edição limitada como brinde junto ao disco de estreia. Dentre os destaques do disco, a excelente “You’re in My Way”, “Dr. Dupree”, que tem uma certa influência reggae, a animada “Everybody’s Carrying a Gun” (que Wilko sempre apreciou, mas o Dr. Feelgood não gravou a seu contento), a canalhinha “I’ve Seen the Signs” e, dentre as músicas ao vivo, a versão de “Highway 61 Revisited” de Bob Dylan (baseada na de Johnny Winter) e a de “Rock me Baby”, que revela o coração blues do grande Wilko. Já a balada “First Thing in the Morning” destaca o saxofone de Dave Brooks, e poderia ter sido um sucesso em 1978 – se a Virgin promovesse o disco e se alguém da banda tivesse visual para o estrelato.
Músicos: Wilko Johnson: guitarra, vocais; John Potter: teclados, vocais; Steve Lewins: baixo, vocais; Alan Platt: bateria, vocais + John Denton: piano; Dave Brooks: sax.
1. Blazing Fountains
2. You’re in My Way
3. Dr. Dupree
4. Too Bad
5. First Thing in the Morning
6. Everybody’s Carrying a Gun
7. Signboard
8. Keep Both Eyes on the Road
9. Shop Around
10. Burning Down
11. I’ve Seen the Signs
Wilko Johnson – Barbed Wire Blues [1988]
O terceiro disco solo de Wilko foi lançado em 1988, mas podia ter saído dez anos antes que não faria diferença – aliás, o disco não tem nada da época em sua produção ou repertório, tendo sido selecionado para provar que o guitarrista sempre foi fiel ao som que amava. O repertório é basicamente aquilo que sempre se esperou do guitarrista, com muito rock e blues, e a presença do excelente baixista Norman Watt-Roy, que se tornou seu parceiro musical após a participação no Ian Dury & The Blockheads, ajuda a empurrar Wilko a seu melhor desempenho como guitarrista desde os tempos clássicos do Dr. Feelgood, como fica claro em “Waiting for the Rain”. A frenética faixa-título e “Take Me Back” teriam ficado perfeitas com os vocais roufenhos do velho Lee Brilleaux. Já “The Hook” traz um riff muito usado por Howlin’ Wolf e coloca a harmônica de Charles Shaar Murray em primeiro plano, mostrando que Wilko, em seus discos-solo, sempre deu bastante espaço para os músicos que o acompanhavam. O album se encerra com “Out in the Traffic”, outra música que não teria ficado deslocada nos discos do Dr. Feelgood, apesar do proeminente piano de John Denton. No todo, um disco absolutamente anticomercial para os anos 80, que poderia ser mais conhecido pelos fãs do bom e velho rock’n’roll.
Músicos: Wilko Johnson: guitarra, vocais; Norman Watt-Roy: baixo, vocais; Salvatore Ramundo: bateria, vocais + John Denton: piano; Charles Shaar Murray: harmônica
1. Living in the Heart of Love
2. I Keep it to Myself
3. Waiting for the Rain
4. Turned 21
5. Barbed Wire Blues
6. If You Wan’t Me, You’ve Got Me
7. Letting the Night Go By
8. Take Me Back
9. The Hook (Little Darling)
10. Out in the Traffic
Wilko Johnson & Roger Daltrey – Going Back Home [2014]
Wilko e Roger se conheceram em 2010 após sentarem-se lado a lado durante uma premiação; conversando, descobriram que ambos adoravam Johnny Kidd and The Pirates. No final de 2013, quando o guitarrista se recuperara do tratamento de câncer, os dois se juntaram a ex-integrantes dos Blockheads (Norman Watt-Roy e Dylan Howe – sim, filho do Steve) e ao ex-tecladista do Style Council (Mick Talbot) e gravaram esse disco em uma semana, composto por músicas de diferentes momentos da carreira de Wilko e algumas covers de favoritas. Cada músico tem seu momento de brilho – Steve Weston é uma fera na harmônica! Os vocais de Roger estão em grande forma, com sua voz se aproximando da de Lee Brilleaux em “Going Back Home”. “Can You Please Crawl Out of Your Window”, de Bob Dylan, está perfeita, e “Everybody’s Carrying a Gun” e “All Through the City” não perderam nada de seu poder; por outro lado, “I Keep it to Myself” e “Turned 21” se beneficiam do fato de Roger ser um cantor muito melhor! Para mim, o maior destaque é “Keep on Loving You”, melhor momento guitarrístico do disco. Uma Deluxe Edition traz cinco músicas de estúdio adicionais (três delas em versões de Wilko, sem Daltrey), seis ao vivo com a Wilko Johnson Band e sete outras gravações ao vivo com nossos dois heróis. O álbum chegou ao 3º lugar da parada britânica – posição mais elevada atingida por um disco gravado por Wilko desde que o álbum ao vivo “Stupidity” foi lançado em 76.
Músicas: Wilko Johnson: guitarra, vocais; Roger Daltrey: vocais, violão; Norman Watt-Roy: baixo; Dylan Howe: bateria; Mick Talbot: teclados; Steve Weston: harmônica
1. Going Back Home
2. Ice on the Motorway
3. I Keep it to Myself
4. Can You Please Crawl Out Your Window
5. Turned 21
6. Keep on Loving You
7. Some Kind of Hero
8. Sneaking Suspicion
9. Keep it Out of Sight
10. Everybody’s Carrying a Gun
11. All Through the City
Wilko Johnson – Blow Your Mind [2018]
O último disco de estúdio de Wilko Johnson pode não ser o melhor dele, mas é um bom registro do final da carreira desse grande músico. O guitarrista decidiu entrar em estúdio após o sucesso de “Going Back Home”, e utilizou basicamente os mesmos músicos desse álbum; vale mencionar que esses dois discos foram lançados pelo venerando selo Chess. O disco começa a toda com “Beauty”, e daí em diante segue no mesmo alto astral, com “Marijuana” destacando o trabalho de Steve Weston. Em “Tell Me One More Thing” Norman Watt-Roy brilha no baixo, e Mick Talbot ganha sua chance em “Low Down”. Wilko está mais rítmico do que nunca, mas entrelaça sua guitarra ao órgão de Mick Talbot em “I Don’t Have to Give You the Blues” num dos melhores momentos do disco. As melhores músicas, em termos de guitarra, são “Lament”, instrumental em que seus riffs (que em alguns momentos lembram Keith Richards) formam a base para mais um solo de Steve Weston, e “Say Goodbye”, outra música baseada em riffs mais elaborados. “Slamming”, outra instrumental, fecha a porta do disco com aquela abordagem ritmo-solo que tornou Wilko Johnson um guitarrista bastante respeitado entre seus pares.
Músicos: Wilko Johnson: guitarra e vocais; Norman Watt-Roy: baixo; Dylan Howe: bateria + Mick Talbot: teclados; Steve Weston: harmônica
1. Beauty
2. Blow Your Mind
3. Marijuana
4. Tell Me One More Thing
5. That’s the Way I Love You
6. Low Down
7. Take it Easy
8. I Love the Way You Do
9. It Don’t Have to Give You the Blues
10. Lament
11. Say Goodbye
12. Slamming