The Cure – Wish (30th Anniversary Edition) [2022]
Por Micael Machado
Entre 2004 e 2006, o grupo britânico The Cure relançou os sete primeiros álbuns de estúdio de sua discografia em edições “deluxe” duplas, com muitas faixas bônus retiradas de demos e apresentações ao vivo durante a trajetória da banda em seus primeiros anos. O oitavo álbum, Disintegration, teve sua versão “deluxe” em 2010, em um formato triplo já comentado por mim aqui no site. O próximo passo, logicamente, seria lançar a edição “deluxe” de vinte anos do nono disco, Wish, em 2012, visto a versão original ser de 1992. Mas o tempo foi passando, e os fãs não ouviam nada a respeito desse lançamento, nem de nenhum outro do grupo, a não ser por rumores. Se cogitou um novo disco de estúdio da banda (já anunciado diversas vezes, mas, no momento em que escrevo, ainda não lançado no mercado), um disco solo do cantor, guitarrista, compositor e “chefe da porra toda” Robert Smith”, um CD/DVD reunindo versões ao vivo dos três primeiros álbuns executadas em shows na Austrália em 2011 com a presença do ex-membro Laurence “Lol” Tolhurst na percussão, e até a possibilidade da banda lançar três discos inéditos diferentes simultaneamente no mercado. De concreto, apenas o lançamento da edição “deluxe” da coletânea de remixes Mixed Up, originalmente lançada em 1990, e que surgiu no mercado em 2018. Até que, finalmente, em novembro de 2022, a banda lançou a edição “deluxe” de Wish, marcando os trinta anos do álbum original, ainda hoje seu maior sucesso comercial, tendo debutado na primeira posição das paradas inglesas e na segunda nas paradas americanas quando de seu lançamento, e sobre a qual falaremos neste texto.
Originalmente lançado em um vinil duplo (e um CD simples), Wish é mais comumente lembrado por conter aquele que talvez seja o maior sucesso comercial do grupo, a canção “Friday I’m In Love”, um dos maiores acenos à “pop music” feitos pela banda até então. Mas o disco é muito mais do que isto. No encarte desta edição de 30 anos (outras citações dele aparecerão ao longo deste texto, fiquem atentos), Robert Smith diz que queria “uma direção diferente daquela que o grupo tomou em Disintegration”, e que o álbum Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me, de 1987, serviu mais como uma referência para a sonoridade do novo disco do que o registro anterior. De fato, em muitos aspectos, Wish soa como uma espécie de Kiss Me-parte 2: ambos são duplos, tem tons vermelhos predominando na capa, e a variedade de estilos musicais abrangidos por Bob e seus comparsas (a saber, Simon Gallup no baixo, Porl Thompson nas guitarras e teclados, Boris Williams na bateria e o então estreante Perry Bamonte nos teclados e guitarras) é enorme perto dos discos anteriores a 1985 lançados pelo conjunto. Nas doze faixas da versão original, encontramos músicas de acento descaradamente pop, como a citada “Friday I’m In Love” (“assim que terminamos de gravar, a banda sabia que tinha o seu single que agradaria às rádios”, declara Robert no encarte, usando a expressão “radio friendly single” para descrever a canção), “High”, “A Letter To Elise” (não por acaso, os três singles retirados do álbum), “Doing The Unstuck” (uma das poucas músicas da carreira do The Cure com uma letra que se pode considerar “alegre” e “positiva”) e “Wendy Time”; baladas de cortar o coração, como “Apart” (“uma faixa atmosférica e tocada com muita emoção, mas que virou uma de nossas ‘canções perdidas'”, segundo Bob, visto a banda não executá-la com frequência em turnês posteriores), “Trust” (“uma das melhores coisas que já fizemos”, segundo declaração do líder no encarte) ou “To Wish Impossible Things” (“que, de fato, pode muito bem ser minha faixa favorita no álbum”, segundo Smith, e que conta com a participação especial da musicista Kate Wilkinson na viola); canções de tom mais “épico” e “guitarrístico” como “From The Edge Of The Deep Green Sea” (“meu melhor momento tentando ser como Jimi Hendrix”, declara Bob), “Cut” e “Open”; e o encerramento com “End”, uma canção densa e arrastada que, de certa forma, retoma o formato de “faixa de encerramento intensa” que o Cure manteve entre Faith e The Head On The Door (sobre esta faixa, Smith declara que queria “terminar o disco com uma música que realmente soasse como se fosse mesmo ‘o fim’, deixando no ar a pergunta de para onde a banda iria depois disso tudo”). Para esta versão de 2022, o disco foi remasterizado pelo próprio Smith, pois ele sentia que “o álbum original não soava bem como deveria. Os níveis estavam muito altos, não havia uma dinâmica no som, mas eu não pude fazer nada a respeito na época, pois já estava envolvido nos preparativos para a próxima turnê da banda”. Esta nova versão, a meus ouvidos, pareceu realçar alguns dos backings vocals em diversas canções, e de fazer o mesmo a muitos dos solos de Thompson no disco (Porl que, aliás, tem neste álbum alguns de seus melhores momentos ao lado da banda, na minha opinião, com um trabalho muito criativo e impressionante nas guitarras, especialmente em “From The Edge…”, “Cut” e “End”).
A edição de trinta anos do disco foi lançada em CD simples (“standard edition”) e em vinil duplo (nas versões preto e “picture”) remasterizados, todos com o mesmo track list da edição original, mas o formato mais interessante para os fãs é a edição em CD triplo, o qual agrega dois CDs com raridades e faixas inéditas registradas durante a confecção do álbum (surpreendentemente, todos os formatos saíram em edição nacional, pela gravadora Universal Music). O segundo CD desta edição tripla é bastante semelhante, em conceito, aos discos extras das edições “deluxe” lançadas entre 2004 e 2006, trazendo as quatro primeiras demos registradas pela banda para o disco (gravadas ainda em novembro de 1990, no estúdio The Live House, portanto bem antes do grupo se mudar para o Manor Studios em Oxford em setembro de 1991 junto do produtor Dave Allen e o engenheiro Steve Whitfield para as gravações do disco), demos instrumentais para faixas que depois ou entrariam no álbum (“To Wish Impossible Things”, “Apart”, “Trust”) ou seriam lançadas como B-sides nos citados singles do disco (“This Twilight Garden”, “Scared As You”, “Play”, “A Foolish Arrangement” e “Halo”), além de demos para nove canções totalmente inéditas até então: as lentas e densas “t7” e “Abetabw”, as agitadas “Heart Attack” e “t6” (esta, levada pelo wah wah), as mais voltadas ao pop “Now Is The Time”, “Miss Van Gogh” e “t8”, a calma e suave “Swing Change” e a surpreendente “Frogfish”, faixa considerada no encarte como “funky” por Smith, e que conta com um ritmo suingado e a presença de um saxofone ao longo de sua duração, o qual não está explicitado quem o toca, mas acredito ser Porl, que tocou o mesmo instrumento no disco The Top (sobre as faixas com nomes “t” mais um número, Robert explica no encarte que era assim que nomeavam as demos trazidas por Perry, que tinha o apelido interno de Teddy na banda. Bob ainda diz que as demos de Simon também eram nomeadas “s” mais um número, mas que, como o baixista dava a elas seus próprios nomes, elas acabaram virando faixas como “Miss Van Gogh”, “Now Is The Time” ou “Abetabw”). Todas as faixas foram compiladas por Smith, que declara no encarte que o grupo “tinha quase quarenta ideias para trabalhar no disco quando chegou ao Manor”, e que “haviam quase trinta faixas realmente muito boas que eu poderia ter escolhido (para esta edição), faixas que nos possibilitariam ter construído várias versões diferentes daquela em que Wish resultou”.
No terceiro CD, além de remixes que já haviam aparecido no lado B dos três singles lançados (para “Open”, “High”, “Doing The Unstuck”, “Friday I’m In Love” e “A Letter To Elise”), de um remix inédito feito durante as gravações para “From The Edge Of The Deep Green Sea” (chamado no encarte como “WIP mix”, ou “work in progress mix”) por Smith e Allen, de uma versão ao vivo inédita de “End” gravada nos mesmos shows que resultariam no álbum ao vivo Paris em 1993, e da inédita instrumental “A Wendy Band” (outra faixa lenta e densa), estão presentes as quatro faixas instrumentais do raro EP Lost Wishes, lançado apenas em K7 em 1994: a bela e climática “Uyea Sound”, as baladas “Cloudberry” e “Off To Sleep…”, e a roqueira “The Three Sisters” (segundo Smith, as quatro – assim como “A Wendy Band” – “poderiam muito bem ter sido incluídas no álbum, mas eu apenas não tive tempo de finalizar as letras para elas”).
A banda segue excursionando pelo mundo, inclusive com previsão de vir ao Brasil ainda em 2023, e com um novo disco já gravado e podendo ser lançado no mercado a qualquer momento (ou apenas daqui há alguns anos, dependendo da disposição de Smith). Wish segue sendo um dos grandes destaques em sua discografia, e esta versão “deluxe” é, definitivamente, obrigatória para os verdadeiros fãs do grupo. Agora, é aguardar pelas versões especiais dos próximos álbuns de estúdio… será que 2026 trará a edição de trinta anos de Wild Mood Swings? Veremos…
Track List (edição com três CDs):
CD1: Remastered 2022
01. Open
02. High
03. Apart
04. From The Edge Of The Deep Green Sea
05. Wendy Time
06. Doing The Unstuck
07. Friday I’m In Love
08. Trust
09. A Letter To Elise
10. Cut
11. To Wish Impossible Things
12. End
CD2: Previously Unreleased Demos
01. The Big Hand (1990 Demo)
02. Cut (1990 Demo)
03. A Letter To Elise (1990 Demo)
04. Wendy Time (1990 Demo)
05. This Twilight Garden (Instrumental Demo)
06. Scared As You (Instrumental Demo)
07. To Wish Impossible Things (Instrumental Demo)
08. Apart (Instrumental Demo)
09. T7 (Instrumental Demo)
10. Now Is The Time [Instrumental Demo)
11. Miss Van Gogh (Instrumental Demo)
12. T6 (Instrumental Demo)
13. Play (Instrumental Demo)
14. A Foolish Arrangement (Instrumental Demo)
15. Halo (Instrumental Demo)
16. Trust (Instrumental Demo)
17. Abetabw (Instrumental Demo)
18. T8 (Instrumental Demo)
19. Heart Attack (Instrumental Demo)
20. Swing Change (Instrumental Demo)
21. Frogfish (Instrumental Demo)
CD3: Rare & Previously Unreleased Tracks
01. Uyea Sound (Dim-D Mix)
02. Cloudberry (Dim-D Mix)
03 Off To Sleep… (Dim-D Mix)
04. The Three Sisters (Dim-D Mix)
05. A Wendy Band (Instrumental)
06. From The Edge Of The Deep Green Sea (Partscheckruf Mix)
07. Open (Fix Mix)
08. High (Higher Mix)
09. Doing The Unstuck (Extended 12” Mix)
10. Friday I’m In Love (Strangelove Mix)
11. A Letter To Elise (Blue Mix)
12. End (Paris Live 92)