Datas Especiais: 55 anos de In-A-Gadda-Da-Vida
Por Mairon Machado
Em 1968, o psicodelismo californiano estava começando a perder forças. Seus principais nomes (Big Brother & The Holding Company, Quicksilver Messenger Service, Moby Grape e Country Joe & The Fish) estavam passando por reformulações, que acabariam levando ao fim precoce dos mesmos. Apenas o Jefferson Airplane conseguia manter seu status intacto, ao mesmo tempo que suas letras (e suas músicas) sofriam grandes mudanças, longe do psicodelismo inicial e voltada para temas sociais, como guerras, religião e família.
Uma nova geração de grupos californianos surgia para desbancar os “velhos grupos”, com muito mais LSD nas letras e nas músicas, e com shows muito mais viajantes. Longas canções, improvisações sem fim, temas não só sobre paz e amor, mas também sobre misticismo, magia, entre outros, passaram a aparecer em nomes como It’s a Beautiful Day, The Loading Zone e, o mais importante deles, Iron Butterfly.
Formada em 1966, em San Diego, o grupo nasceu como um quarteto, tendo Doug Ingle (vocais, órgão), Greg Willis (baixo), Jack Pinney (bateria) e Danny Weis (guitarra), além do percussionista Darryl DeLoach, responsável também por ceder o local no qual o grupo ensaiou durante suas primeiras semanas de existência. Não tardou para ofertas de shows surgirem para os garotos, que faziam uma mistura psicodélica nas linhas do que o Jefferson Airplane havia feito em seu álbum de estreia (Takes Off, de 1966), e com o assédio de shows, a oportunidade de migrarem para Los Angeles apareceu.
Willis e Pinney decidiram não seguir com o grupo e continuar seus estudos (a idade dos guris variava enre 18 e 20 anos), mas Ingle e Weis pegaram as mochilas e se mandaram, ao lado de Jerry Penrod (baixo) e Bruce Morris (bateria), que não ficou muito tempo, sendo substituído por Ron Bushy. Em Los Angeles, os shows e o boca-a-boca fizeram com que os primeiros empresários aparecessem, e desta forma, surge um dinheiro extra para alugar um estúdio e gravar o primeiro álbum.
Porém, as dificuldades em conseguir um contrato com uma empresa fizeram com que Weis, DeLoach e Penrod desistissem da empreitada, voltando para San Diego. Para seus lugares, entram Lee Dorman (baixo) e o novato Erik Brann, com apenas dezessete anos, e a partir daí, a sorte mudou para o grupo. Um grande contrato surgiu para uma turnê pela Califórnia, assim como a ATCO Records (subsidiária da Atlantic Records) resolveu apostar no quarteto, lançando o álbum de estreia, Heavy, em 22 de janeiro de 1968.
Os méritos desse LP são vários, mas destaco apenas três. Primeiramente, Ingle e Bushy respeitaram as gravações originais, e não adicionaram nenhum overdub (dando os direitos autorais para quem os cinco que o tinham gravado). Segundo, o som do Iron Butterfly diferenciava-se dos “concorrentes”. Apesar do principal instrumento ser o órgão (assim como o The Doors), o peso que o grupo propôs era absurdo para a época, quase como um precursor do heavy metal (e por isso, o nome do álbum serHeavy). Terceiro, e diretamente vinculado ao segundo, a guitarra do Iron Butterfly em nada possuía do timbre criado por John Cippolina (guitarrista do Quicksilver Messenger Service), e sim, uma distorção assustadora e enigmática, que ganhou o mundo em clássicos como “Possession”, “Unconscious Power” e principalmente, “Iron Butterfly Theme”.
Heavy entrou entre os 100 mais (atingindo a posição 78), e claro, a ATCO rapidamente liberou a verba para o segundo LP. Para cômpor as canções, o grupo inspirou-se nos seus shows, e, mesmo com a contrariedade da gravou, resolveu apostar em uma longa improvisação que apareceu naturalmente no decorrer das apresentações. Foi essa improvisação, batizada de “In-A-Gadda-Da-Vida”, que também batizou o nome do segundo álbum, lançado exatamente há 55 anos.
O disco abre com as marcações de “Most Anything You Want”, trazendo o riff central do órgão e as vocalizações que levam ao vocal de Ingle, em uma leve canção típicamente californiana, com o baixo de Dorman chamando bastante a atenção, Brann fazendo um solo muito tímido e Ingle soltando os dedos em um solo concorrente aos solos de Ray Manzarek (The Doors). A mesma linha é adotada na clássica “Flowers and Beads”, possuindo um tom de romantismo extremamente mela-cuecas para a época, principalmente pelos acordes de guitarra e os vocais sussurrados de Ingle. Aqui, as vocalizações – duelando com o órgão – e o baixo novamente se destacam.
A acidez esperada surge em “My Mirage”, com uma bela introdução e um andamento soturno, um show de vocalizações e o andamento reggae da guitarra de Brann, enquanto “Termination”, que conta com os vocais principais feitos por Dorman, apresenta um riff que virou característico do hard setentista. Gosto muito dos dedilhados e das pontes feitas por Brann nessa canção, exalando melodia com notas singelas, mas muito bem encaixadas.
O lado A encerra-se com outro clássico, “Are You Happy?”, repleta de peso e com mais um show de vocalizações feito por Ingle e Dorman, além do órgão, baixo e da guitarra se sobrepondo no trecho final, com Bushy imitando uma locomotiva em uma performance avassaladora, sendo impossível não fazer um air-drum nesse momento. Destaque também para o ácido solo de Brann, sem soar virtuoso, mas muito barulhento e repleto de feeling.
O lado B é todo dedicado para a faixa-título, que surge com o dedilhado mais conhecido do órgão de Ingle, trazendo o riff hipnotizante que sacudiu os pubs americanos (e por que não mundiais) no final da década de 60. O arranjo fantasmagórico da canção, com o órgão e a guitarra executando sempre as mesmas notas, e a cozinha acompanhando preguiçosamente, assustam logo de cara, e claro, a voz grave e rouca de Ingle causa ainda mais transtornos ao corpo do vivente. Com apenas dois minutos da canção, já chegamos no começo da longa viagem instrumental que irá durar quase toda a canção, com Ingle fazendo um solo simples, sem virtuose, acompanhado eternamente pelo riff central executado por baixo e guitarra.
Na sequência, é a vez de Brann ser o centro das atenções, pisoteando o wah-wah e arrancando uivos da guitarra, os quais, para um garoto de apenas dezessete anos, são muito bem feitos. Imagino como era a festa quando o pessoal ouvia esse som ao vivo, com os braços levantados, o corpo balançando sem um movimento fixo, e o LSD sendo passado de língua em língua, para com os olhos fechados, curtirem ainda mais a viagem. Brann larga o wah-wah e pisa na distorção, extremamente suja, advinda de “Iron Butterfly Theme”, e o volume do som diminui, chegando então no principal momento de “in-A-Gadda-da-Vida”.
Esse momento é o solo de Bushy, o qual foi inspirado nas tribos africanas. Não há virtuosismo, rufadas ou viradas estonteantes. Apenas a marcação constante do bumbo e uma série de batidas que criam diferentes ritmos, os quais aumentam de velocidade quando Bushy troca a marcação no bumbo pela marcação no chimbal. Esse foi um dos primeiros solos de bateria a serem gravados por uma banda de rock. Os solos de bateria eram comuns em grupos de jazz (vide Max roach, Louis Bellson e Buddy Rich, apenas para citar alguns), mas o de Bushy foi pioneiro. Apesar de não ser longo, serviu de inspiração para que meses depois, John Bonham gravasse “Moby Dick”, e Ginger Baker gravasse “Toad”.
O riff repete-se por diversas vezes, levando-nos para mais uma sessão percussiva, com Dorman cavalgando em seu baixo enquanto bateria e guitarra fazem muitos barulhos. O órgão executa um tema extremamente assustador, e a guitarra faz barulhos incomuns, com Brann abusando de distorções e alavancadas, além da sobreposição de distorções, e assim, retornam ao riff central, agora com mais pegada na bateria, para Ingle repetir a letra da canção, que narra apenas o prazer de um homem em estar com a mulher amada, pedindo para levá-lo ao paraíso.
A suíte encerra-se com a repetição do riff central por quatro vezes, trazendo a introdução do órgão novamente, e concluindo com a repetição, mais uma vez, do riff central, dando a ideia de uma composição cíclica (o início e o fim ligados pelo mesmo riff). Uma ideia fantástica, empregada também pela primeira vez através dos sulcos vinílicos do segundo álbum do Iron Butterfly.
Nos Estados Unidos, “In-A-Gadda-Da-Vida” saiu em dois singles diferentes, o primeiro com “Iron Butterfly Theme” no lado B (ambas em versões editadas), e o segundo com “Soul Experience” no lado B. Houve ainda um lançamento mundial em EP, com “Flowers and Beads” complementando o lado A, e “My Mirage” no lado B. Outro single extraído mundialmente foi “Termination”, com “Most Anything You Want” no lado B. A canção foi eleita a vigésima quarta mais importante de todos os tempos pelo Canal de TV a cabo VH1, em 2009. O single americano alcançou a trigésima posição na Billboard, sendo nono na Alemanha. Para se ter ideia do sucesso da canção, ela foi regravada por quase uma dezena de bandas, sendo as versões mais interessantes a da Incredible Bongo Band e a do Slayer.
Outra versão bem legal aparece no episódio Bart Vende Sua Alma, na Sétima Temporada do seriado Os Simpsons. Fora Os Simpsons, seriados como O Fantástico Mundo de Bobby, Criminal Minds, Supernatural, entre outros, apresentam a canção em determinados episódios, sempre simbolizando um momento de alucinação do personagem ou da ação que se passa. “In-A-Gadda-Da-Vida” portanto, virou sinônimo para representar a segunda metade da geração psicodélica californiana (assim como “The End” do The Doors, e “White Rabbit”, do Jefferson Airplane, foram para a primeira).
O disco chegou na terceira posição na Billboard, vendendo mundialmente mais de três milhões de cópias em apenas um ano de lançamento, e recebendo disco de ouro em dezembro de 1968, sendo o disco mais vendido da história da Atlantic até o lançamento do quarto álbum do Led Zeppelin, em 1970.
Em 1976, foi o primeiro disco da história a receber disco de platina (mais de um milhão de discos vendidos) nos Estados Unidos, e hoje, possue platina quádrupla. Ao redor do mundo, o álbum vendeu mais de trinta milhões de cópias, e hoje, ocupa a posição número 27 entre os mais vendidos da história da música *.
O sucesso do grupo levou-os a ser convidados para serem headliner em Woodstock. O grupo tocaria durante o fim da tarde de domingo, mas houve um erro de comunicação entre empresários e a banda. Segundo Bushy, houve um atraso no avião que levou o grupo de Los Angeles para Nova Iorque, o que os impediu de chegar no horário combinado. Porém, um helicóptero teria sido alugado para levá-los diretamente para Woodstock, saindo de Port Authority. Os integrantes dirigiram-se três vezes até o local, esperando pelo aeroporto, mas nunca o mesmo chegou ao local. O Iron Butterfly perdia a oportunidade de fazer mais sucesso do que já havia feito.
E continuou fazendo, pois Ball, o terceiro LP, chegou na terceira posição nos Estados Unidos. e teve sua turnê registrada em Live (1970), Top 20 nos Estados Unidos. Mas, quando tudo parecia dar certo, mais uma (de tantas) mudanças na formação afetou diretamente o som do grupo. Brann saiu, sendo substituído pela dupla Mike Pinera e Larry “Rhino” reinhardt, que também assumiram a posição de vocais. O agora novamente quinteto gravou o seminal Metamorphosis (1970), Top 16 na Billboard americana e talvez seu melhor disco, apesar da profunda mudança na sonoridade, já que com o crescimento de nomes como Led Zeppelin e Deep Purple no Reino Unido, o Iron Butterfly consolidava-se como um grupo pesado, virando um símbolo do hard americano.
Porém, apesar de todo o sucesso, Ingle decidiu sair do grupo, que ainda lançou o raro single “Silly Sally“, única gravação do Iron Buttterfly que não contém o som de um órgão, contando com um maravilhoso swingue e um incrível arranjo de metais. O single foi um fracasso, levando ao fim precoce do grupo, em 23 de maio de 1971. Dorman e Reinhardt formaram o incrível Captain Beyond, juntamente de Rod Evans (vocais) e Bobby Caldwell (bateria), expandindo as opções hardianas no sensacional álbum de estreia, já em 1972.
Várias foram as reformulações posteriormente. Em 1974, o grupo voltou com Erik Brann e Ron Bushy acompanhados por Philip Kramer (baixo) e Howard Reitzes (órgão), com Brann assumindo os vocais. Essa formação lançou os dois últimos discos de estúdio do Iron Butterfly: Scorching Beauty (1975) e Sun and Steel (1975), o último já com Bill DeMartines no lugar de Reitzes.
A partir de então, o grupo virou um cover de si mesmo, fazendo turnês e sofrendo diversas formações, sem nunca mais gravar nada em estúdio, e principalmente, carregando (ainda hoje) o legado de ter gravado In-A-Gadda-Da-Vida há cinquenta e cinco anos.
Para concluir Keith Ellis (1978), Kurtis Teal (1985), Darry DeLoach (2002), Erik Brann (2003), Rhino (2012) e Lee Dorman (2012) foram tocar lá onde o principal sucesso do grupo tinha seu nome, nos Jardins do Éden!
Adendo por Marco Gaspari: Ron Bushy afirmou em uma entrevista que um belo dia encontrou Ingle que estava às voltas com uma nova canção. Diz ele que o Ingle estava muito bêbado de vinho tinto e que tentava cantar os versos dessa canção, “In The Garden of Eden”, mas soava como “In A Gadda da Vida”. Ron então escreveu foneticamente o que entendeu em um pedaço de papel e, no dia seguinte, ao lerem o papel resolveram manter a frase fonética. Na época do Heavy, o Butterfly foi convidado a abrir os shows do Airplane numa excursão de dois meses e meio pelos EUA. Uma noite o Marty Balin entra no camarim do Iron e se aproxima do Erik Brannn, que estava praticando em sua guitarra: “Sabia que a Gracie Slick está afim de você”, diz Marty para Erik, que responde: “Sério? Putz, não sei o que fazer a esse respeito”. Marty arregalou os olhos, perplexo, e perguntou: “Quantos anos você tem?”. “17” respondeu Erik. Sabendo que Gracie tinha 27 nessa época, Marty voltou ao camarim dos Airplane e tudo o que Erik pôde ouvir foi uma sonora gargalhada do pessoal do Airplane. Erik afirma que, depois disso, Gracie sempre se manteve afastada dele. Por fim, no dia da abertura do Festival de Woodstock, o caminhão com o equipamento do Iron Butterfly ficou preso no tráfego há 40 quilômetros do local do show. A banda ficou em um hotel em Manhattan, aguardando um telefonema do empresário para saber como chegariam a Woodstock e, uma vez lá, com qual equipamento iriam tocar. Foi dito a eles então que o The Who emprestaria os amplificadores e a bateria e que o Sly Stone emprestaria o Hammond. Lee Dorman diz que o empresário ligou e que eles deveriam pegar um helicóptero em um prédio próximo em uma hora combinada. Quando chegaram lá, nada do helicóptero. E eles passaram o fim de semana inteiro indo e vindo desse heliporto para o hotel até que no final do domingo o empresário ligou e disse: “Podem ir para casa. Está tudo acabado”. E foi assim que o Butterfly perdeu a chance de tocar em Woodstock.
Track list
1. Most Anything You Want
2. Flowers and Beads
3. My Mirage
4. Termination
5. Are You Happy?
6. In-A-Gadda-Da-Vida
* esse dado aparece confuso em diversos sites, que colocam o álbum ora em vigésimo, ora em quinquagésimo. A informação passada é uma estimativa levando em consideração a comparação entre o número de álbuns vendidos por In-A-Gadda-Da-Vida e outros álbuns com a mesma quantidade.
Discaço, uma das obras-primas do final dos anos 60. Tinha o LP – mas, curiosamente, nunca me inspirei a comprar o CD – reeditado nos anos 80 pela série “Discoteca Básica” da WEA, que representava o selo Atco nessa época, e ouvi até quase não aguentar mais. As teorias para explicar o título “In-A-Gadda-Da-Vida” eram as mais disparatadas, tinha gente que jurava que “Gadda” e “Da-Vida” eram dois tipos de LSD e outros que diziam que um dos integrantes da banda tinha vindo ao Brasil e adorara a frase “Na Gandaia da Vida” (essa era a minha favorita, achava muito engraçado…). O “Iron Butterfly Live” trazia uma versão matadora para “Are You Happy”, além de outra para “In-A-Gadda…”, que para mim é até melhor do que a de estúdio. Agora, a dúvida: qual é o disco ao vivo do Frank Zappa que o baixista toca o riff de “In-A-Gadda…” entre as músicas???