David Gilmour e sua carreira
Por André Kaminski
O septuagenário David Gilmour é o assunto do dia aqui na Consultoria do Rock. Dessa vez, quis fazer algo diferente e comentar um pouco mais sobre a carreira, o que fez de certo, o que errou e o que poderia ter feito um dos guitarristas mais amados do rock.
Era ainda um adolescente quando gravou com a banda Jokers Wild. Com seu LP não dando em nada, vivia um mix de estudante de faculdade com aquele estilo de vida meio hippie quando conheceu Syd Barrett e Roger Waters que também estudavam em Hills Road. Estando no lugar certo e na hora certa, com Syd já sofrendo mentalmente, ele foi convidado a se unir ao Pink Floyd um pouco antes da gravação de seu segundo disco A Saucerful of Secrets. Para o Pink Floyd foi fundamental para seu sucesso e sua continuidade, por mais que Syd tenha feito muita falta em relação à sonoridade e ideias para composições deles.
Gilmour foi parte fundamental como compositor nos próximos 7 discos ao que entrou no Pink Floyd, antes de deixar Waters assumir as rédeas quanto às composições e direcionamento da banda. Aqui cabe uma questão que iria caracterizá-lo por toda a sua carreira: como o próprio já disse em entrevistas e eu mesmo já citei algumas vezes aqui mesmo na Consultoria do Rock, ele sempre foi preguiçoso para compor e sempre preferiu tocar e cantar à criar. Então, ter Waters lidando com isso meio que foi uma mão na roda para ele se focar em cantar e gravar os instrumentos (muitas vezes incluindo os próprios baixos que seriam de Waters).
Nesse ponto, não há muito o que discutir: o britânico teve um desempenho soberbo nesse período em que o Pink Floyd estourou.
As coisas começaram a mudar de figura ao final dos anos 70: seu primeiro disco solo, David Gilmour [1978], embora conseguisse um disco de ouro e algumas boas posições em charts, não era nem um décimo do que o Floyd conseguia com cada disco.
Nessa mesma época, veio um dos maiores erros de Gilmour em sua carreira: não ter “tankado” Wright quando Waters queria despedi-lo. Ele até disse que o defenderia, mas meio que acabou cedendo fácil para Waters. Wright, sem muito apoio, acabou aceitando sua saída e com a pior situação de todas que foi assinar um contrato ao qual jamais poderia retornar ao Pink Floyd como um membro efetivo, apenas como contratado.
Sobre seu segundo disco solo About Face [1984], ele se une novamente ao máximo de famosos que conseguiu para seu segundo trabalho, porém, novamente o disco recebe um ouro e algumas boas posições em charts, mas nada além disso. Mesmo o Pink Floyd já não ia tão bem após o mal fadado The Final Cut [1983] com Waters abandonando tudo e com o nome Pink Floyd caindo de mão beijada no colo de Gilmour que, convenhamos, aproveitou mal.
Aí que está o negócio: Gilmour com sua lenta composição e com uma gravadora exigindo mais discos sob o nome Pink Floyd (inclusive este sendo uma das razões de Waters ser pressionado a sair), tenta fazer o que dá e sai A Momentary Lapse of Reason [1987] em meio às disputas legais pelo nome da banda. O disco consegue vendas melhores que The Final Cut, mas a banda não consegue arrebanhar tanto a crítica quanto os ouvintes ainda encantados com os discos da década anterior.
Com as muitas tours ao vivo e participando em gravações de vários artistas, Gilmour aproveita os louros de uma boa vitória após o aguardadíssimo The Division Bell [1994] onde o sucesso, shows lotados e boas vendas retornaram. Mas aparentemente cansado das guerras nos tribunais com Waters, Gilmour põe um ponto final (por muitos anos antes de vir The Endless River), e passa a viver de seus royalties com o Pink Floyd, shows e os poucos discos solo que veio a produzir: o ótimo On an Island [2006] e o mediano Rattle That Lock [2015].
Quando penso em sua guitarra e sua voz, logo penso o quão pouco temos dele em termos de material inédito, mesmo considerando o Pink Floyd. Mesmo tendo declarado ser ativo em causas sociais e ambientais, Gilmour nunca foi lá um artista de muita badalação e de se fazer relevante ao mainstream. De certa forma ele já o é, e então somente se faz participar de discos e canções de seus amigos e lá, quando der vontade, soltar algumas composições próprias quando a vida já está ganha e seus oito filhos criados.
Fica este texto como minha homenagem a um de meus músicos favoritos enquanto está vivo e do qual torço consiga ainda algum tempinho de, quem sabe, lançar mais algum disco.
E você? O que acha que Gilmour poderia ter feito de diferente na carreira?
Ótimo texto. Permita-me uma correção? Que eu saiba as músicas gravadas pelo Jokers Wild nunca foram lançadas oficialmente. Apenas foram pensadas poucas cópias para distribuição entre familiares e amigos dos integrantes da banda. Os outros integrantes dessa banda eram o baixista Rick Wills, que tocaria depois com o Bad Company, Foreigner, Roxy Music entre outros e o baterista Willie Wilson. Aliás esses dois participam do primeiro LP solo dele.
Interessante mesmo, não sabia deste detalhe Leonardo. Um ótimo adendo!
Texto interessante e complemento melhor feito pelo Leonardo (eu ia adicionar algo similar aqui, mas Leonardo fez com primazia).
Penso que você define Gilmour muito bem ao dizer “preguiçoso”. O que encanta em Gilmour é exatamente essa “preguiça”, essa leveza que ele exala nos seus solos, nas suas composições, na sua forma de cantar e até falar em suas raras entrevistas.
Um contraste com o ímpeto sempre tempestivo e afrontador de Waters, que viu a amizade com Gilmour ruir muito por conta disso, de Gilmour se acomodar no sucesso de Dark Side of the Moon, como relatei aqui (https://www.consultoriadorock.com/2023/04/13/maravilhas-do-mundo-prog-pink-floyd-shine-on-you-crazy-diamond-1975/). Tanto que os discos solos dele trazem boas composições, mas nada tão marcante quanto na época Floyd. E mesmo o Floyd com Division Bell só se torna O Division Bell por conta do retorno de Wright.
Vale lembrar que Delicate Sound of Thunder registrou a grande turnê do Floyd entre 1987 e 1989, com o aclamado show em Veneza, e que Gilmour também soube explorar muito bem os $ que entraram nesse período.
Felizmente vi Gilmour ao vivo em um show espetacular musicalmente. O cara ainda é o cara, mas penso que se fosse para ter feito algo diferente em toda sua carreira, que não tivesse feito a guerra pelo nome Floyd em 1983 e seguisse apenas como Gilmour. Talvez hoje a gente poderia ver os dois no mesmo palco novamente
Eu entendo e concordo que A Momentary Lapse of Reason não seja tão bom quantos os discos clássicos da banda. Porém cabe aqui o mesmo comentários que faço para várias situações, desde a música até o futebol: “para uma coisa ser considerada muito boa a outra não precisa ser necessariamente ruim”. Isto é, A Momentary Lapse of Reason é melhor que o Dark Side? Claro que não!!! Só um maluco para falar isso!!! Mas ele não é necessariamente ruim. Um disco que tem One Slip, On the Turning Away, Learning to Fly, Sorrow….Putz!!! Como isso pode ser ruim? Considerar esse disco como um bom disco não diminui em nada a importância das obras primas que a banda já gravou, pelo contrário, se o “disco ruim” da banda ainda é um bom disco, mostra o quanto os outros são sensacionais. Pior que parece que essa opinião já está cimentada na ideia de vários fãs. Fazer o que? Ahhhh….. Também sou um fã de carteirinha do The Final Cut… sorry!!!
Eu acho o A Momentary lapse of Reason um disco interessante, porém, conhecendo Gilmour, penso que ele poderia (e tinha) condições de fazer algo melhor. Mas perto do disco solo de 1984 é um disco incrível. Eram outros tempos
“A Momentary…”, à época que foi lançado – e isso eu lembro bem, porque foi meu primeiro disco do Pink Floyd comprado quando do lançamento – foi bem recebido; o passar do tempo foi cruel com ele, mas quanto a isso, foi cruel com a maioria dos discos novos da segunda metade dos anos 80. Para mim o problema principal reside nas letras, que não são tão instigantes quanto as de Roger Waters, mas confesso tratar-se de um álbum que ouço pouco atualmente, e quando o faço é no contexto de ouvir as “obras completas” do Pink Floyd. A carreira solo do Gilmour, no meu ponto de vista, padece do mesmo problema da do Waters – um precisa do outro, mas nenhum deles quer dar o braço a torcer: enquanto Gilmour é um intérprete e músico muito superior, Waters ganha no quesito composição. De todo modo, gosto dos discos-solo do guitarrista bem mais do que dos do baixista…
Para mim, “A Momentary…” e “Division Bell” são como os recentes discos do Yes (falo dos dois lançados após a morte de Chris Squire): Gilmour percebeu, como Steve Howe, que o nome da banda garante mais vendas e mais shows.