Discos Que Parece Que Só Eu Gosto: Genesis – … Calling All Stations … [1997]
Por Adriano “Groucho” KCarão
“It is real! It is Ray!”
Embora tenha conseguido o 2º posto nos charts ingleses quando de seu lançamento, o último álbum do Genesis teve um péssimo recebimento por parte da crítica musical e não faltam detratores pro disco. Com a saída de Phil Collins do grupo, em 96, o microfone da banda passou pras mãos de Ray Wilson, ex-vocalista do grupo escocês Stiltskin, enquanto Nick D’Virgilio (Spock’s Beard) e Nir Zidkyahu dividiram o trabalho na bateria.
Talvez um dos maiores inimigos da boa audição de uma obra sejam as expectativas que se tem com relação à mesma. Talvez não. Fato é que eu mal conhecia a “fase Phil Collins” do Genesis, quando comprei o CD Calling All Stations, então, se eu esperava algo dele, era no “padrão Peter Gabriel”. E não me decepcionei. Achei, sim, a sonoridade bem distinta da que eu conhecia, mas isso não costuma ser muito problema pra mim – adoro bandas que se reinventam. Com exceção de uma ou outra baladinha mais insossa, o álbum mantém um nível bem elevado do começo ao fim e pôde, assim, se tornar um dos meus cinco discos favoritos da carreira da banda! Vejamos o porquê.
Logo de início, na faixa-título, recebemos como um golpe o riff grave da guitarra de Rutherford, com uma bateria simples e bem marcada, gerando um clima semiclaustrofóbico que o contrastante teclado “ensolarado” apenas reforça. Ao entrar a voz, o fã tradicional da banda talvez tenha a primeira grande decepção, uma vez que Phil Collins e Peter Gabriel não tinham vozes lá muito diferentes, mas a voz de Ray Wilson sequer lembra a de qualquer um dos dois. E agradeço à Mãe Terra por não ser um fã tradicional de Genesis, porque esse rapaz canta bastante conforme a música, de maneira comovente e com variações melódicas a cada repetição de temas. Belíssimo trabalho vocal! Na seção intermediária da canção, o belíssimo solo de guitarra é precedido por uma espécie de solo percussivo de sintetizador, deixando claro que não temos aqui nem o tradicional Genesis progressivo nem o famoso Genesis pop, mas um novo Genesis, com um novo e belíssimo mundo a construir. E, no final dessa primeira música, com a emocionada interpretação de Wilson em fade out, certamente Deus viu que era bom.
Uma sonoridade “tribal” estereotipada introduz a belíssima “Congo”, faixa menos obscura que a primeira, com um apelo bem pop (tanto que seu single foi o único a atingir o Top 40 no Reino Unido), mas de forma alguma ruim. Destaco, em especial, o solo de sintetizador, igualmente pop, mas que traz uma maior tensão à música e é seguido de um novo tema vocal belíssimo, que se une ao “Congo the Congo” da introdução.
Após a bonitinha “Shipwrecked”, temos mais uma pancada no nível da primeira faixa, senão a melhor do disco: “Alien Afternoon”. Brincando com o duplo significado da palavra “alien” (estrangeiro/alienígena), a banda lança uma extraordinária peça ao mesmo tempo espacial e comovente. As estrofes, em que o rapaz conta o tédio e a ausência de sentido da correria do dia-a-dia, possuem um clima descontraído, sendo seguidas sempre de um bridge etéreo que introduz o belíssimo refrão. Isso dura até que um clima ainda mais sombrio nos apresenta a nostalgia da personagem pra com seu local de origem, seção esta coroada com a repetição longa e tensa (mas jamais desnecessária!) de vozes “alienígenas” que dizem “we are home, we are your home”, enquanto o triste estrangeiro chora de saudades pela sua pátria natal, em mais uma interpretação emocionante de Wilson. Com certeza, uma das melhores músicas da carreira da banda.
O disco dá uma grande quebrada com duas baladas fraquinhas: “Not About Us” (composta por Banks, Rutherford e Wilson), a pior faixa, e “If That’s What You Need”, não muito melhor. Acredito que um dos motivos pra muitas pessoas não gostarem desse álbum seja seu andamento arrastado, o que eu particularmente não considero um defeito – eu não seria fã de Pink Floyd, se fosse assim. Mas é fato que todas as faixas são grandes, o que é tranquilo no caso de faixas boas – no caso de “Alien Afternoon” é o paraíso! –, mas torna a existência de faixas como essas duas uma verdadeira estadia no inferno!
A banda, no entanto, se redime logo em seguida, justamente com uma das maiores faixas do disco, “The Dividing Line”, que conta com pequenas exibições – no mínimo bem feitas – do batera Nir Zidkyahu, que, a meu ver, faz um trabalho melhor que o de Nick D’Virgilio, no disco. Além da forte presença da bateria, essa música apresenta bons riffs de sintetizador e uma empolgante melodia vocal, cujo refrão é mais tenso e arrastado e traz mais lindas interpretações de Wilson. Mais um belo espécime a ser salvo na arca de Noé.
“Uncertain Weather” e “Small Talk”, que vêm na sequência, são, respectivamente, uma belíssima balada e um pop maravilhoso – a segunda, também composta por Banks, Rutherford e Wilson, sendo o principal motivo pra eu chamar Calling All Stations de “fase Backstreet Boys” do Genesis – e provam, com seus lindos refrões, que a banda podia ser tão competente na música estritamente comercial como haviam sido nos seus momentos prog mais pretensiosos.
Wilson se une mais uma vez na composição com os mestres Banks e Rutherford, e os três nos presenteiam com a linda “There Must Be Some Other Way”, que conta com um estranho riff percussivo. Mas esta faixa é apenas um aperitivo pra mais um clássico, o último da carreira dessa grande banda: “One Man’s Fool”. Iniciando com uma sonoridade techno oitentista (e um lindíssimo trabalho de Zidkyahu nas baquetas), a faixa vai alternando dois temas, um mais etéreo e um mais incisivo, lembrando bastante trabalhos solo de Peter Gabriel. Isso, até que uma quebra também bastante oitentista introduz aos poucos um novo motivo, mais luminoso e com um ar levemente épico que vai crescendo até acelerar a música, como o jogador que marcou um gol de placa e corre pro abraço. Interessante como a faixa lembra o clima das faixas mais majestosas de Bruce Springsteen, mas, se este representou, à sua revelia ou não, uma espécie de sonho americano, a letra de “One Man’s Fool” fala do pesadelo por trás desse sonho, fazendo uma incisiva e comovente crítica à guerra e ao duvidoso “progresso” em geral. “There are only dreams like any other”. Um encerramento de fazer chorar!
E, assim como “o santo de um homem é o tolo de outro homem”, Calling All Stations, um fiasco pra muitíssima gente, é, pra mim, o melhor disco que a banda lançou desde The Lamb Lies Down on Broadway e um dos melhores de toda sua existência. Se Deus é justo, essa maravilha da criação não deve jamais sucumbir ao Dilúvio.
Tracklist:
1. Calling All Stations
2. Congo
3. Shipwrecked
4. Alien Afternoon
5. Not About Us
6. If That’s What You Need
7. The Dividing Line
8. Uncertain Weather
9. Small Talk
10. There Must Be Some Other Way
11. One Man’s Fool
Lembro bem quando esse texto do Adriano saiu aqui no site. Tinha ouvido uma ou duas vezes esse disco e realmente não tinha chamado atenção. Tomando o texto como guia eu aproveitei bem mais e hoje acho ele divertido. Não costumo ouvir tanto como os outros discos do Genesis, mas vale a pena…