Maravilhas do Mundo Prog: Emerson Lake & Palmer – Tarkus [1971]
Por Mairon Machado
A Maravilhas do Mundo Prog continua apresentando as Maravilhas feitas pelos principais nomes do rock progressivo britânico (Pink Floyd, Emerson Lake & Palmer, King Crimson, Yes e Genesis). Depois de passearmos por quatro canções criadas pelo Pink Floyd, vamos agora conhecer o que o trio Keith Emerson (teclados, órgão, minimoog, sintetizadores), Greg Lake (baixo, guitarra, vocais) e Carl Palmer (bateria, percussão) construiu em sua fantástica carreira.
Fazendo um retrospecto na história do grupo, esse é um dos raros exemplos no qual uma banda que surge como um Supergrupo consegue dar certo. Já apresentamos as Maravilha Prog criadas pelo grupo, “The Endless Enigma” e “Tocatta“, mas não foi apenas essas peças musicais que fazem desse trio um dos principais nomes na história do rock progressivo. Em seus dez anos de duração (até a primeira separação oficial), foram oito álbuns de estúdio e três álbuns ao vivo, todos essenciais para a compreensão do que significa o rock progressivo.
Quando de sua formação, muito se especulou sobre o que viria a sair da cabeça desse trio. Afinal, a exclusividade da banda estava na figura de Keith Emerson. Saído do fabuloso The Nice, com quem lançou quatro discos de estúdio e um ao vivo, nesta banda ele já havia apresentado um protótipo do que veio a ser o Emerson Lake & Palmer, principalmente nos álbuns Nice (1969) e Five Bridges (1970), ao lado de Lee Jackson (baixo) e David O’List (bateria). Fazendo estripulias nos teclados, Emerson virou uma referência para o instrumento, principalmente por trazer ao palco um gigantesco moog valvulado (raro por sinal).
Porém, o The Nice acabou após uma série de divergências até hoje nebulosas, mas Emerson não queria sair do picadeiro. Aproveitando-se da separação do King Crimson, Emerson conversou com o recém-amigo Greg Lake, que fazia parte da banda de Robert Fripp. O King Crimson fez alguns shows com o The Nice, e claro, nos bastidores, Emerson e Lake começaram a criar uma sonoridade envolvendo apenas piano, baixo e voz, o que atiçou e muito a imaginação da dupla.
Planejando uma sequência para o The Nice, Emerson sugeriu a formação de um trio apenas com baixo, teclados e bateria, o que foi prontamente aceito por Lake. O primeiro baterista da lista foi Mitch Mitchell. Como a Band of Gypsies de Jimi Hendrix também estava com os dias contados (banda da qual Mitchell fazia parte), seria o casamento perfeito. Inclusive, foi dessa situação que surgiu o boato no qual um novo grupo poderia ter surgido, o HELP, com Hendrix tocando guitarra junto de Emerson, Lake e Palmer, boato esse que só foi desmentido mais de quarenta anos depois, mais precisamente em 2012, quando Lake assumiu que nunca se quer houve a hipótese de colocar um guitarrista na banda.
Mitchell recusou a oferta, e então eis que surge o nome de Palmer. Ex-baterista da The Crazy World of Arthur Brown, Palmer em 1970 estava começando uma carreira de respeito no Atomic Rooster. O primeiro trabalho do grupo havia acabado de ser lançado, e entrado entre os cincoenta mais vendidos no Reino Unido, o que fez com que o baterista recusasse a oferta inicialmente.
Porém, depois de uma conversa e uma jam, o clima rolou, e então, o casamento aconteceu. Emerson, Lake & Palmer surge desbancando a importância de Keith Emerson. Todos eram iguais, todos eram a banda, e todos iriam se destacar. Unindo forças individuais, o grupo subiu ao palco pela primeira vez em 20 de agosto de 1970, e seis dias depois, tocou para mais de 600 mil pessoas durante o festival da Ilha de Wight, sendo este apenas o segundo show do grupo.
Iremos falar mais desse show quando da próxima Maravilha referente ao ELP (como ficou conhecido o grupo) e portanto, não entrarei em detalhes aqui, mas podemos antecipar que a apresentação incendiária do trio rapidamente fez com que a gravadora Island assinasse com a banda, e no primeiro dia do ano de 1971, veio ao mundo o primeiro álbum do grupo.
Emerson, Lake & Palmer é um apanhando de canções que mais parecem a junção de solos individuais com mesclas de partes em grupo. Sem dúvidas, o maior destaque vai para Emerson, que comanda joias como “The Barbarian”, “Knife-Edge” e “The Three Fates”. Palmer é o homem principal em “Tank”, e Lake acabou gerando as canções mais conhecidas do álbum: “Take a Pebble” e “Lucky Man”, essa última, a primeira a contar com o registro de um sintetizador moog como instrumento principal. O álbum fez um estrondoso sucesso, conquistando a quarta posição no Reino Unido, e claro, a exigência por mais não tardou.
Porém, mesmo com pouco tempo de formação, o amadurecimento do trio foi muito rápido. Ainda em janeiro de 1971, em apenas seis dias, eles entraram nos estúdios da Advision, em Londres, registrando lá o segundo álbum. Tarkus chegou às lojas em junho do mesmo ano, e mostrou que sim, era possível o ELP sobreviver como um grupo, e não com trabalhos individuais. A maior prova disso se encontra logo na suíte de abertura do LP, que carrega o nome do mesmo em mais de vinte minutos de duração, ocupando todo o Lado A.
O nome “Tarkus” refere-se ao gigantesco Tatu-Tanque que aparece na capa do LP. Criada por William Neal, ele deu o nome de Tarkus para o animal, fazendo uma mistura entre as palavras “Tartarus” (lugar de punição mencionando em Pedro 2:4) e “Carcass” (os ossos que aparecem escrevendo o nome do álbum), fazendo uma crítica a futilidade da guerra. A ideia de Emerson foi contar a história do Tatu, desde seu nascimento em uma erupção vulcânia, as batalhas com seu principal inimigo, um Manticore (figura mitológica com cabeça de homem, corpo de leão e cauda de escorpião), sua derrota para o Manticore e sua transformação para uma versão aquática, batizada “Aquatarkus”. Além disso, Tarkus significa sapiência em Estoniano. A história de “Tarkus” é contada em desenhos (também criados por Neal) que estão internamente na capa dupla do vinil original.
A suíte é dividida em sete partes, quatro delas compostas por Emerson, duas pela dupla Emerson/Lake e uma apenas por Lake. Apesar de não ter a mão de Palmer na composição, sua importância para essa Maravilhosa suíte é enorme, começando pela introdução de “Eruption”, trecho que abre a suíte com longos acordes de sintetizadores e batidas violentas nos pratos, simbolizando uma erupção vulcânica que ocasiona o nascimento de “Tarkus”. Uma marcação complicadíssima de baixo, teclados e bateria surge trazendo um solo de órgão, enquanto a bateria solta o peso, marcando a canção para o moog fazer sua participação. Uma batida no gongo nos apresenta a segunda parte do solo de órgão, sempre com a complicada marcação ao fundo, a qual permanece em um pique alucinante, e então, após uma série de viradas e marcações incríveis, chegamos em “Stones of Years”.
Essa balada prog apresenta os vocais suaves de Lake, contando sobre as sensações que Tarkus está tendo, e como um tatu que é, apesar de sentir o que ocorre a sua volta não consegue ouvir nada. A voz é acompanhada por órgão, escalas de baixo e uma marcação recheada de rufadas da bateria. Após duas estrofes, o piano surge forte, trazendo o solo de Emerson com o órgão, enquanto ao fundo Lake executa uma escala menor e Palmer continua a marcação, colocando várias viradas na mesma. O solo de Emerson não exibe o virtuosismo que o consagrou, mas apenas uma série de notas e acordes que vão aumentando de velocidade, chegando então nas duas últimas estrofes de “Stones of Years”, e com efeitos na voz de Lake, Tarkus começa a viajar pelo mundo, e enfrenta uma série de inimigos, começando pelo pássaro “Iconoclast”.
Temos uma maluca sessão instrumental que resgata a marcação de “Eruption”, com mais pegada na bateria. Nela, Emerson abusa do órgão, arrancando longas notas do mesmo, simbolizando a derrota de Iconoclast através de uma guitarra, principal arma do segundo inimigo de Tarkus, “Mass”, um ser parte lagarto, parte lagosta e parte lançador de foguetes. Essa sessão surge após uma complicada série de marcações entre baixo, bateria e órgão, e é a parte mais agitada de “Tarkus”, com a marcação vibrante do baixo e do sintetizador. Lake canta rasgando a voz, fazendo diversas referências religiosas, com fortes críticas à Igreja, demonstrando também uma despreocupação da sociedade com os fatos relacionados aos bispos, padres e outros personagens religiosos. O moog valvulado marca a presença. Durante o solo de órgão, as marcações entre baixo e bateria são quebradas, e novamente, Emerson procura fugir do virtuosismo. Porém, o solo sofre uma mudança na segunda metade, com Palmer puxando o ritmo em uma rufada veloz e diversas viradas, e com Lake trazendo a guitarra para divertir-se entre as viajantes notas do moog.
O encerramento da letra de “Mass” nos leva aos delirantes minutos de “Manticore”, o último inimigo de Tarkus, que surge com uma violenta marcação de baixo, órgão e bateria, todos executando as mesmas batidas ao mesmo tempo, e com breve intervenções do órgão, responsável por fazer o encerramento desse trecho com um curto solo. A violenta marcação aparece novamente, e uma incrível sequência de batidas na bateria nos leva para o trecho mais belo de “Tarkus”, batizado de “Battlefield”.
O andamento cadenciado do órgão e as viradas de Palmer trazem a voz de Lake. A marcação é simples, mas cativante, e o estilo de cantar de Lake é único. Palmer também destaca-se fazendo diversas viradas sem perder o ritmo. Concluindo esse majestoso trecho, somos agraciados por um belo solo de guitarra feito por Lake, que apesar de exalar algumas notas da guitarra, extrai das mesmas uma melodia muito doce, digna de um dos melhores solos de sua carreira como guitarrista. Tarkus é derrotado e a letra é retomada, agora com intervenções da guitarra ao fundo, e então, o órgão nos leva ao encerramento de nossa maravilha com “Aquatarkus”.
Aqui, o moog sintetizado toma conta. Tendo ao fundo a marcação continua de bumbo, chimbal e caixa, bem como as mudanças de notas do baixo, o moog executa um tema de guerra, que repete-se por diversas vezes, e sobre este tema, passa a realizar o solo de encerramento final. Um ritmo marcial surge aos poucos na caixa de Palmer, enquanto o volume do solo do moog vai diminuindo, e então, apenas o ritmo marcial segue ecoando nas caixas de som, para um gongo retornar ao início de “Eruption”, simbolizando uma nova erupção, da qual surge o animal Aquatarkus, e passando a informação de que apesar de Tarkus ter sido enterrado, ele ainda estava vivo, e concluindo “Tarkus” com batidas violentas no órgão, pratos e nas cordas do baixo, além de um longo acorde de órgão e o moog duelando com a bateria.
A suíte passou a frequentar o set list dos shows do grupo, e uma de suas melhores versões ao vivo está registrada no essencial álbum triplo Welcome Back My Friends to the Show that Never Ends … Ladies and Gentlemen, Emerson, Lake & Palmer (1973), com mais de vinte e sete estonteantes minutos de duração. O tecladista do Dream Theater, Jordan Rudess, fez uma magnífica versão para “Tarkus” em seu álbum The Road Home (2007), contando com os vocais de Kip Winger e a guitarra de Bumblefoot. Nossa Maravilha ainda foi trilha de um filme russo em 1975 (filme este batizado de “Begstvo Mistera Mak-Kinli”)
Vale a pena ressaltar que o grupo quase acabou antes das gravações de Tarkus. Enquanto Palmer mostrou-se muito bem receptivo por poder extrapolar seus limites e experimentar novas formas de tocar, principalmente com a suíte-título, Lake ficou desgostoso por não ser tão participativo na canção. Brigas ocorreram e, segundo diversas fontes, Emerson chegou a dizer para Lake: “Faça isso, ou então, deixe a banda“. Lake decidiu sair, mas foi convencido por amigos e empresários a continuar, e o resultado, apareceu.
Tarkus fez tanto sucesso quanto seu antecessor, e mais, levou o trio ao topo das paradas britânicas, desbancando medalhões como Simon & Garfunkel, Rolling Stones e Paul McCartney. Lá, ele permaneceu entre os dez mais por mais de dezessete semanas. Seu lado B apresenta sete curtas canções, destacando “Jeremy Bender” e “A Time and a Place”. Ainda em 1971, o grupo gravou mais uma Maravilha, mas isso é assunto para o mês que vem.
“Tarkus”, a música, é simplesmente uma obra-prima. Não há outra coisa a dizer. O LP, por sua vez, tem o lado B tão diferente do A que nem parece ser obra dos mesmos músicos – ainda assim, eu gosto. Minha edição do disco é a primeira em CD lançada no Brasil, do começo dos anos 90, e até hoje eu me lembro da decepção que foi abrir o encarte e ver que ele tinha sido impresso em preto e branco…
Tive essa mesma sensação quando vi a versão nacional do Tales from Topographic Oceans e do Yessongs. Capa interna totalmente em preto e branco. Porém era a única que conhecia. Quando vi a versão original, colorida, foi outra perspectiva das artes do Roger Dean. Brasil tem muitas falhas nos lançamentos (economizavam o que podiam)
Não me esqueço de uma reportagem da extinta revista Somtrês, em meados dos anos 80, com dez mandamentos para as gravadoras nacionais; um deles era “não imprimirás em preto e branco uma contracapa colorida”. Meu “Tales…” em vinil também só tinha parte interna em preto e branco, só fui saber que era colorida quando comprei o CD. Mas o pior mesmo foi o LP “Close to the Edge” que eu tinha: capa normal, sem a arte interna, e sem o encarte…
Bah, daí é pracaba. O close eu tenho o nacional gatefold, que é preto e branco, mas é uma lindeza. Consegui uma versão americana com encarte futuramente, mas não era gatefold. Esse mandamento é ótimo hahaha
Bacana, a história pra quem é afins é manjada mas, poderia ser escrita de forma mais direta sem tantos floreios. As vezes o texto chega a ficar chato e quase perde o sentido. Foi escrito com algum gerador de texto de i.a.
Bem Bacana, a história pra quem é afins é manjada mas, poderia ser escrita de forma mais direta sem tantos floreios. As vezes o texto chega a ficar chato e quase perde o sentido. Foi escrito com algum gerador de texto de i.a.
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk agora virei I. A. tá bom
O que eu mais gosto nessas bandas tipo ELP, Yes e Genesis é que elas foram as responsáveis pelo surgimento do som que eu mais gosto no mundo: o punk. Se não fossem os exageros e essa megalomania, não haveria necessidade de simplificação. Gosto do som em si, embora não seja um profundo conhecedor da obra dessas bandas de rock progressivo dos anos 70 (conheço aquelas que todo mundo conhece, mas não sou do tipo que pesquisa a ponto de conhecer bandas de rock progressivo do Suriname dos anos 70 ou coisas assim). Mas, se não existissem essas bandas cheias de pompa, não seria necessário resgatar a simplicidade do rock. O legal do rock é isso. Tem espaço para quem gosta de solos de guitarra, baixo, bateria, caixa de fósforo e lata de leite, mas tem espaço também para quem gosta de assistir a um show com 35 músicas em uma hora e meia.
Massa tua fala Silvio. É o que eu digo, o Rock é o gênero mais amplamente democrático que tem. Dificilmente vemos brigas em shows ou festivais de rock, e tão pouco há problemas em amantes do punk conversar com amantes de prog. Abraços