Shows Inesquecíveis: Humberto Gessinger (Porto Alegre, 03 de outubro de 2013)

Shows Inesquecíveis: Humberto Gessinger (Porto Alegre, 03 de outubro de 2013)

Por Micael Machado

O cantor e multi-instrumentista Humberto Gessinger sempre foi a alma e a voz dos Engenheiros do Hawaii, sem dúvidas o grupo gaúcho de rock que mais reconhecimento recebeu até hoje. Depois de quase trinta anos de carreira, e de participar de projetos como o Humberto Gessinger Trio ou o Pouca Vogal, o também escritor resolveu se lançar em carreira solo, com a gravação do disco Insular, que teve show de lançamento exatamente dez anos atrás, em um auditório Araújo Vianna praticamente lotado na cidade de Porto Alegre. Passado tanto tempo, gostaria de relembrar com vocês esta noite tão marcante para a carreira do músico e de seus fãs (como eu).

Sem banda de abertura, às 21:05h (apenas cinco minutos depois da hora marcada), e durante a execução de uma música andina a título de “intro”, Humberto entrou no palco do Araújo acompanhado de Rafael Bisogno (bateria e percussão) e Rodrigo “Esteban” Tavares (guitarras e vocais, ele que já foi baixista da banda Fresno, e hoje também toca no projeto Esteban). Iniciando os trabalhos com “Tudo Está Parado”, principal single do novo álbum (e que, curiosamente, já havia recebido uma versão anterior pelo Jota Quest), o trio logo emendou uma versão diferente (mas não tão desconhecida) de “Toda a Forma de Poder”, mostrando que, apesar de assinar o show com seu próprio nome, a principal criação musical do dono da noite não seria deixada de lado. Após anunciar seus colegas de palco e a si mesmo, Humberto iniciou uma sequência sem interrupções que iniciou com as “quase clássicas” “A Montanha” e “Até o Fim” (a primeira a agitar a plateia, que cantou junto quase toda a letra), para encerrar com o “lado B” “Armas Químicas & Poemas”. Quinze minutos que empolgaram a todos, e mostravam que a noite prometia!

O melhor de ter assistido a uma apresentação solo de Humberto (que, ao longo do espetáculo, se dividiu entre baixo, teclados, harmônica, acordeão e guitarra, esta em um lindo instrumento de dois braços cujo outro era um baixo fretless) e não a um show dos EngHaw foi a possibilidade de conferir canções que, normalmente, não constariam em um set list normal do cantor. Destas, a maior surpresa foi, sem dúvidas, “A Violência Travestida Faz Seu Trottoir”, registrada no lado B do disco O Papa é Pop, e que, para mim, foi o ponto alto da noite, além de, surpreendentemente, ter sido reconhecida por boa parte dos presentes, mostrando que poucos estavam ali apenas pelo “evento”, e que a maioria do pessoal era composto por aqueles que acompanham de perto a obra do músico, que às vezes é tratado com um certo deboche por seus detratores, devido a suas letras de tons “messiânicos”, que agradam tantos quantos aqueles que as detestam. Como estou no time dos que apreciam o trabalho de Gessinger, não tive problema algum em ouvir faixas como “Surfando Karmas & DNA”, “A Revolta dos Dândis I” (que teve citações à letra da segunda parte), “3×4″, “O Exército de Um Homem Só I” (emendada à parte 2) ou “De Fé”, que até poderiam ser conhecidas pelos fãs presentes ao auditório, mas soaram como “novidades” em meio a tantas outras composições consagradas que (felizmente, me atrevo a dizer) foram preteridas na noite, como “Infinita Highway”, “O Papa é Pop” ou “Era Um Garoto…”.

O trio no palco, em foto retirada dá página oficial de Humberto Gessinger no facebook

Não que tenham faltado hits. Pouco a pouco, HG e seus comparsas iam soltando “Somos Quem Podemos Ser”, “Vida Real” ou “Prá Ser Sincero”, para alegria daqueles que não faziam parte do séquito de seguidores do porto-alegrense, os quais, durante boa parte das canções menos conhecidas, preferiam conversar e tirar fotos (ou até mesmo gargalhar em alto e bom tom) a curtir o espetáculo, em uma atitude ridícula mas, infelizmente, bastante comum em espetáculos como este, que atrai um público que normalmente não está acostumado a frequentar este tipo de apresentação. Uma das muitas alterações de improviso que o cantor normalmente faz em suas letras durante os shows (pequenas trocas que transformam versos consagrados em novidades únicas), feita no meio da citada “…Exército…”, me pareceu, aqui, dedicada especialmente a este tipo de gente: “Não importa se só ouvem a primeira frase da canção, a gente escreve o resto sem muita pressa”. Outras alterações viriam em “Eu Que Não Amo Você”, que ganhou um “Porto Alegre é meu lugar”, “Terra de Gigantes” (“tem uns gaúchos cantando comigo”, “Porto Alegre é uma ilha”), “Piano Bar” (onde quem “deu razão” ao vocalista no “táxi que me trouxe até aqui” foi Renato Russo, em citação que, particularmente, me agradou muito) ou “De Fé”, onde Esteban cantou “só tenho vocês”, se dirigindo ao público, ao invés de à musa inspiradora da canção.

Esteban, aliás, foi a grande revelação da noite. Apesar de originalmente baixista, o músico mandou muito bem na guitarra, especialmente nas músicas mais antigas dos Engenheiros, onde conseguiu a dificílima proeza de não nos fazer sentir falta de Augusto Licks, interpretando suas frases com talento e dedicação. Além disso, ainda demonstrou competência nos backing vocals, e chegou a assumir o microfone em faixas como “Tchau Radar, A Canção“, a citada “De Fé” ou outra canção inesperada, uma versão para “O Sonho é Popular”, mais uma que dificilmente seria escolhida para aparecer em um show da banda que a registrou. Rafael também foi bastante competente, tanto na bateria quanto no bumbo leguero (instrumento tradicional da música latino-americana), e, por estranho que pareça, não chegou a parecer deslocado o fato de tocar pilchado durante a noite inteira (com direito a calçar botas de cano longo e usar um reluzente lenço vermelho no pescoço). Em turnês posteriores, Esteban acabou sendo substituído por outros músicos, enquanto Rafael permaneceu firme e forte ao lado de Humberto. Mas, pelo menos enquanto permaneceu junta, esta formação se mostrou mais do que satisfatória para tocar as músicas compostas por Gessinger.

Já que era o lançamento de Insular, como não poderia deixar de ser, o álbum teve várias faixas interpretadas ao longo do espetáculo. As mais “importantes” foram as que contaram com os convidados especiais (assim como as respectivas versões de estúdio) Luiz Carlos Borges (músico tradicionalista do RS, e que participou com seu acordeão e sua voz de “Recarga“), Nico Nicolaiewsky (mais conhecido pela sua participação na dupla Tangos e Tragédias, e que também colocou acordeão e voz em “Segura a Onda DG“, sendo que o músico viria a falecer pouco tempo depois deste show, que, acredito, foi uma de suas últimas aparições no palco) e Bebeto Alves (lenda do rock gaúcho que nesta noite cantou com Humberto “A Ponte Para o Dia“ e que hoje, também, já é falecido, assim como o citado Luiz Carlos Borges), mas não posso deixar de mencionar as execuções da faixa título, “Sua Graça”, “Essas Vidas da Gente” ou “Tchau Radar, A Canção”, sobre a qual já comentei antes, todas recebidas com respeito por boa parte do público presente (exceto aqueles poucos aos quais me referi alguns parágrafos atrás).

Após encerrar a parte regular com a dobradinha “Exército I e II”, o trio voltou para um rápido bis com “Dom Quixote” e “Refrão de Bolero” (onde, no refrão, HG voltou a pronunciar o nome da inspiradora da canção, ausente da letra há anos durante os shows do EngHaw), e se retirou do palco ao som de outra faixa com sonoridades andinas ressoando no sistema de som. Mas o público não arrastou pé do auditório, fazendo com que Humberto retornasse ao palco sozinho, para interpretar ao acordeão a linda “Parabólica”. Com Esteban e Rafael de volta, tocaram a citada “De Fé” (com uma escolha de instrumentos bastante curiosa para um show de rock: violão, acordeão e bumbo leguero), para HG então anunciar “Ando Só”, ao que parece, atendendo ao pedido de um fã, a qual finalmente encerrou a noite após quase duas horas de uma apresentação que ficará marcada na memória de muitos que ali estiveram.

Vista geral do auditório, em foto retirada dá página oficial de Humberto Gessinger no facebook

Para encerrar, alguns registros fora do espectro musical. O primeiro é um elogio à equipe da loja virtual Stereophonica, que montou uma “lojinha” de souvenirs no local abarrotada de itens interessantíssimos para os fãs (apesar dos salgados preços), como camisetas que remetiam a várias fases da carreira de Humberto, livros de autoria do músico, canecas com estampas relacionadas aos grupos por onde ele passou, chaveiros e até um calendário personalizado, os quais atraíram muitos dos presentes ao auditório nesta noite. Um outro aspecto, e me perdoem se estou sendo chato ou repetitivo, diz respeito ao mau comportamento de boa parcela do público. Além das conversas paralelas e das gargalhadas que citei antes, pegou muito mal o excessivo uso de celulares e filmadoras durante o show (alguns respeitavam o limite entre registrar o espetáculo e incomodar quem estava logo atrás, mas a maioria parecia nem ligar), o “vai e vem” de pessoas pelos corredores do auditório no meio do show (atrapalhando não só quem estava na fileira por onde o caminhante passava, mas aqueles que estavam atrás, mesmo que distantes) e alguns sem noção que falavam ao celular durante as canções! Não consigo entender este tipo de gente que paga um caro ingresso para uma apresentação musical e simplesmente a ignora, não fazendo jus ao que pagou e não deixando quem quer se divertir aproveitar o momento. Acho isto um fato lamentável assim como alguns mais eufóricos que passaram a noite pedindo “Infinita Highway”, “Era um Garoto…” ou “Anoiteceu em Porto Alegre” (este último sujeito, especialmente, particularmente irritante), dentre outras. Foi para estes que Humberto se dirigiu, a certa altura e de forma bastante irônica, com a frase “tocaremos todas estas e sairemos daqui na semana que vem”, o que causou uma explosão de contentamento por parte do pessoal, que, obviamente, não entendeu a crítica feita pelo cantor. É este tipo de público que consegue estragar o prazer de assistir uma apresentação impecável como a desta noite, e que torna o ato de frequentar um show cada vez mais decepcionante! Infelizmente, ao invés de ficar em casa assistindo um DVD, eles são a maioria dos frequentadores de apresentações de artistas mais “populares” (como é o caso de Gessinger), e parece que não irão se conscientizar tão cedo!

Este que vos escreve, aproveitando os produtos da “lojinha” da Stereophonica

Mas, como diria a canção, “eu não vim até aqui para desistir agora”, por isso, ainda os enfrentarei muitas vezes, mesmo que eu tenha de ser um “exército de um homem só”! Por espetáculos como o desta noite, e de outros da carreira solo de Humberto que vim a assistir posteriormente, certamente, vale a pena!

Set List:

1. Tudo Está Parado

2. Toda Forma de Poder

3. A Montanha

4. Até o Fim

5. Armas Químicas & Poemas

6. Recarga

7. Surfando Karmas & DNA

8. Eu Que Não Amo Você

9. Sua Graça

10. A Revolta dos Dândis I

11. Segura a Onda DG

12. Somos Quem Podemos Ser

13. Insular

14. Terra de Gigantes

15. A Ponte Para o Dia

16. A Violência Travestida Faz Seu Trottoir

17. Piano Bar

18. 3×4

19. Tchau Radar, A Canção

20. Vida Real

21. Prá Ser Sincero

22. Essas Vidas da Gente

23. O Exército de Um Homem Só I/O Exército de Um Homem Só II

Bis:

24. Dom Quixote

25. Refrão de Bolero

Segundo Bis:

26. Parabólica

27. De Fé

28. O Sonho é Popular

29. Ando Só

3 comentários sobre “Shows Inesquecíveis: Humberto Gessinger (Porto Alegre, 03 de outubro de 2013)

  1. Ter assistido presencialmente “A Violência Travestida Faz Seu Trottoir” deve ter sido O momento. Tomara que um dia o Gessinger coloque “Anoiteceu em Porto Alegre” no seu set list, e quiçá, um dia, GLM voltem a tocar juntos

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.