Discografias Comentadas: Ian Gillan Band

Discografias Comentadas: Ian Gillan Band

Por Mairon Machado

Depois de sair do Deep Purple em 1973, o vocalista Ian Gillan ficou aproximadamente dez anos vivendo longe dos olhos dos fãs do grande grupo britânico, até surpreendentemente retornar aos holofotes como vocalista do Black Sabbath, o que culminou no registro do ótimo Born Again (1983), e no ano seguinte, com o retorno da Mark II do Deep Purple, no qual ao lado de Ritchie Blackmore (guitarras), Jon Lord (teclados), Roger Glover (baixo) e Ian Paice (bateria), Gillan recolocou a locomotiva sonora dos britânicos em movimento com o aclamado Perfect Strangers.

Porém, apesar de praticamente desconhecido, o período entre 1974 e 1983 foi de muito trabalho para Gillan. Um dos diversos projetos em que ele participou foi sua própria banda, a Ian Gillan Band. Entre 1975 e 1978, o grupo fez inúmeros shows, e registrou três fantásticos álbuns que, apesar de não ter o peso do Deep Purple, emprega com eficiência a talentosa voz de prata de Gillan em um casamento inesperado com o jazz fusion.


 

 Child in Time [1976]

A estreia foi batizada com um título que ainda mantém resquícios do passado Purpleano de Gillan. Child in Time trouxe ao mundo uma banda formada por Gillan, Ray Fenwick (guitarras, slide guitar e vocais), John Gustafson (baixo e vocais), Mark Nauseef (bateria e percussão) e Mike Moran (teclados), e é uma nuvem de curiosidades para fãs de Deep Purple não colocar defeito. Apesar de conter pouco da grandeza fusion que os outros dois álbuns trazem, as quais aparecem timidamente na linha de baixo de “Lay Me Down” ou no swing Motowniano de “My Babe Loves Me”, Child in Time contém muito da sonoridade hard que consagrou a Mark II, como atestam “Shame”, trazendo um interessante trabalho no slide, e certamente, para os apaixonados por essa fase do Deep Purple, é o álbum que mais agrada. Para esses, a revisão da canção que dá nome ao álbum (originalmente gravada pelo Deep Purple em In Rock, de 1970) pode não cair tão bem, já que a faixa transformou-se em uma balada recheada de efeitos sonoros, mas ainda com os gritos insanos do original, e por que não, tão linda quanto, apesar da gritante diferença entre os solos de Fenwick e Blackmore. “You Make Me Feel So Good” é uma faixa embalada que poderia estar presente em Fireball ou Machine Head, e ainda há espaço para duas baladas, o soul de “Down the Road”, na qual Gillan rasga a voz mostrando por que é um dos maiores da história, e a viajante “Let It Slide”, com Fenwick dando show no slide guitar e vocalizações que nos remetem aos primeiros álbuns do Styx. Um álbum interessante, que desvinculava Gillan de seu passado, e projetava novos horizontes para sua carreira. Porém, a baixa vendagem fez com que a Polydor não mantivesse o contrato.

Mesmo o single de “You Make Me Feel So Good”, com “Shame” no lado B, não pegou, e o grupo teve que procurar uma nova casa. O jeito foi assinar com a Island, e assim, com uma mudança nas teclas, tendo a entrada de Colin Towns no lugar de Mike Moran, saí em 1977 o segundo e melhor disco do quinteto, Clear Air Turbulance.


Clear Air turbulence [1977]

Esse álbum apaga com os resquícios hard que existem em Child in Time, e pisa com força no jazz fusion, inclusive adicionando um naipe de metais, formado por Phil Kersie (saxofone tenor), Martin Firth (baritone saxophone), John Huckridge (trompete), Derek Healey (trompete) e Malcolm Griffiths (trombone), além de Colin trazer sua flauta para complementar o som dos teclados e dos metais. No geral, temos um crescimento notável dos músicos, e as canções estão muito mais trabalhadas – até por que a maioria ultrapassa os sete minutos de duração – com mudanças impactantes dentro delas mesmas, o que só faz aumentar o conceito e o gosto dentro dos ouvidos. As novidades são diversas, como as percussões Santanianas de “Goodhand Liza”, com Gustafson dando um show a parte, ou logo na abertura, com Gustafson dando seu espetáculo na faixa-título, tendo a presença marcante do naipe de metais e um andamento extremamente dançante feito por guitarra e bateria, além de passagens intrincadas nas quais os músicos da Ian Gillan Band fazem misérias. Gustafson, o grande nome do álbum, também esbalda-se durante os delírios de “Over the Hill”, essa com a performance destacada de Colin, seja no piano, seja nos sintetizadores, seja no moog, uma matadora parte vocal, uma avassaladora cozinha, e um encerramento magistral, além de Gillan mandando ver em seus gritos e tornando fácil a melhor canção da Ian Gillan Band. O naipe de metais destaca-se na contagiante “Money Lender”, um dos grandes clássicos da Ian Gillan Band, enquanto Gillan canta em falsete na balada “Five Moons”, outra que traz novamente vocalizações que lembram Styx. “Angel Machenio” encerra esse perfeito disco com uma balada sensualíssima, carregada nas percussões e apresentando uma longa introdução com Fenwick no violão flamenco e no slide guitar. 

Em 1997, Clear Air Turbulence foi relançado com um novo título, The Rockfield Mixes, trazendo uma mixagem mais limpa (que era a versão da qual Gillan gostaria que tivesse sido lançada originalmente) e com a inédita “This is the Way”. Do álbum não saíram singles. O grupo partiu para uma série de shows, com destaque para apresentações no Japão, em Hiroshima e no cultuado Budokan. No retorno, ainda pela Island, lançam o derradeiro álbum, Scarabus.


Scarabus [1978]
Mantendo a formação de Clear Air Turbulence, e que acaba sendo uma perfeita sequência para o mesmo, com canções dançantes e mais trabalhadas dentro do fusion. Destas, o swing de “Mad Elaine”, forte candidata a melhor canção do álbum, com um grandioso solo de Colin, e “Pre-Release”, bem como o embalo da dupla “Twin Exhausted” e “Poor Boy Hero” são as que mais destacam-se. Outras canções embaladas, mas sem a potência dançante das já citadas, são “Country Lights”, recheada de vocalizações, e “Slags to Bitches”. As linhas vocais da faixa-título foram utilizadas anos depois por Gillan para os vocais de “Disturbing the Priest”, gravado no citado Born Again, do Black Sabbath. Um destaque especial vai para a assombrosa performance de Gustafsson na excelente “Fool’s Mate”, tocando como mestres do fusion como Jaco Pastorius e Patrick O’Hearn, em uma linha similar ao que já havia apresentado em “Clear Air Turbulance”, e com Gillan soltando a voz como sempre. Por incrível que pareça, “Apathy” e “Mercury High” poderiam tranquilamente aparecer em Stormbringer, disco já com a Mark III do Deep Purple (lançado em 1974, e sem Gillan nos vocais), tamanha a similaridade das linhas melódicas dessas canções com algumas daquela álbum. 
Do álbum saíram os singles “Twin Exhausted” / “Five Moons”, “Country Lights” / “Poor Boy Hero” e “Illusion” / “Untitled”, lançados apenas no Japão, e que não chegaram a fazer sucesso. De qualquer forma, Scarabus é um digno encerramento dessa fase de Gillan, que foi relançado em 1989, trazendo como bônus uma versão ao vivo para “My Babe Loves Me”, registrada no Japão em 22 de setembro de 1977.
O grupo em 1978

Os citados show no Japão já havia sido lançado em 1978, no excelente álbum duplo Live at Budokan (1978), o qual saiu somente em terras nipônicas em duas versões (Volume I, em 1977, e Volume II, em 1978), mas deixando algumas canções de fora. Esse álbum foi lançado já após o fim da Ian Gillan Band, e pouco antes de surgir um novo grupo liderado por Ian Gillan, batizado apenas de Gillan, que entre 1978 e 1982 lançou seis álbuns, revelando ao mundo os guitarristas Bernie Tormé (Atomic Rooster) e Janick Gers (Iron Maiden), bem como o baterista Mick Underwood (Episode Six, Quatermass). Depois, veio a passagem pelo Black Sabbath e o retorno ao Deep Purple. No final dos anos 80, Gillan retornou brevemente para sua carreira solo, e a partir de 1992, continuou como vocalista principal do Deep Purple, posto que mantém até os dias de hoje, sem nunca mais retornar aos belíssimos tempos em que o fusion predominou nas suas melodias vocais e instrumentais.

5 comentários sobre “Discografias Comentadas: Ian Gillan Band

  1. Gosto mais da Gillan do que da IGB, mas tenho que tirar o chapéu para esses três primeiros discos de Ian Gillan fora do Purple; Clear Air Turbulence é uma das melhores coisas feitas por um ex-Purple nos anos 70! Minha edição do Scarabus tem como capa a foto que abre essa matéria. Colin Towns é um tecladista excelente, pena que depois do fim da Gillan ele se concentrou em trilhas sonoras e deixou o rock de lado. E John Gustafsson foi descrito por Ian como um de seus cantores favoritos – que honra, não?

    1. conheço pouco da Gillan, tenho alguns compactos inclusive, mas não me adaptei, e já coloquei o material a venda. Esse Gustafsson era um monstro

      1. Mr. Universe e Glory Road são ótimos discos da Gillan que, na minha opinião, ranqueiam com o que de melhor os ex-Purple fizeram. O primeiro tem dois “mini-épicos”, a faixa-título e “Fighting Man” (este com um solo memorável de Steve Byrd, que foi substituído por Bernie Tormé) e o segundo tem o soberbo blues “If You Believe Me” e a rapidíssima “Unchain Your Brain” como destaques absolutos. O som é bem menos criativo e experimental do que a IGB, mas acho bem interessante. Pensei que a discografia da Gillan já tinha sido colocada aqui na Consultoria – se não foi, eu me candidato!

  2. Se me permite a franqueza: não consigo gostar de nenhum destes discos, embora respeite a tentativa de uma sonoridade diferente do Purple e os ótimos músicos que participam dos LPs. Ah, ainda fizeram a proeza de destruir Child in Time….
    Espero algum dia ler uma matéria sobre a Gillan.

    1. Tranquilo Lazarus, gosto é gosto. Eu curto a versão de “Child in Time”, principalmente no Budokan. Abraços

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.