Datas Especiais: 50 Anos de Tales From Topographic Oceans
Por Mairon Machado
“No princípio, Deus criou os céus e a terra. Era a terra sem forma e vazia; trevas cobriam a face do abismo, e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas ...”.
Assim começa o Gênesis, primeiro livro da bíblia, o famoso texto religioso, sagrado para o cristianismo, e que recebe diversas teorias e interpretações com o passar dos dias por seguidores e detratores do mesmo.
Há 50 anos, os britânicos do Yes lançaram a Bíblia do rock progressivo, Tales from Topographic Oceans, que assim como o texto religioso, possui seguidores e detratores em todo o mundo. Várias são as críticas positivas e negativas a respeito do sexto álbum do grupo, e eu particularmente, me encaixo nos apóstolos que pregam a palavra das quatro longas suítes do LP duplo ao mundo, considerando-o o melhor disco de rock progressivo já lançado.
A história do LP surge um ano antes, durante os shows da turnê de Close to the Edge, quando Jon Anderson (vocais, flautas, violões, percussão), Steve Howe (guitarras, steel guitar, danelectro guitar, violões, vocais), Chris Squire (baixo, vocais, harmônica, percussão), Rick Wakeman (teclados) e Alan White (bateria, percussão) levavam seus aclamados e concorridos shows pelo Japão.
Na terra do sol nascente, Anderson foi apresentado ao livro Autobiografia de um Iogue, do mestre hindu Paramhansa Yogananda, através do percussionista Jamie Muir (King Crimson), e simplesmente delirou com os ensinamentos ali contidos. O livro narra a jornada espiritual de Paramhansa, desde sua infância até tornar-se um monge budista, e foi um dos principais livros a mostrar o hinduísmo ao povo ocidental.
Anderson já havia começado a entrar na sua fase religiosa durante as gravações de Close to the Edge, mas ficou ainda mais adepto ao hinduísmo ao ler as linhas de Paramhansa. Aficcionado pela leitura, Anderson começou a fazer a cabeça de seus companheiros de banda, e por mais incrível que pareça na data de hoje, quem defendeu os ideais propostos por Anderson foi Howe.
A fusão de forças entre Anderson e Howe acabou gerando uma pequena dissidência, já que os dois membros remanescentes do Yes de Close to the Edge, Wakeman e Squire, não estavam dispostos a adotar um estilo vegetariano e religioso, com diversas regulamentações e obrigações diárias para serem cumpridas. O novato White ficou em cima do muro, e no fim, prevaleceu a opinião de Howe e Anderson.
A explicação para a gravação de Tales from Topographic Oceans é dada por Anderson na capa interna do LP: “Estávamos em turnê por Tóquio, e eu me retirei por alguns minutos para meu quarto no hotel antes de um concerto noturno. Folheando algumas páginas do livro Autobiography of a Yogi, de Paramhansa Yoganada, eu fiquei preso a uma nota de rodapé na página 83. Ela descreve as quatro partes das escrituras shástricas que cobrem todos os aspectos de religião e vida social, bem como campos como medicina e música, arte e arquitetura. Eu procurei durante muito tempo por um tema para uma composição longa, e os shastras eram tão positivos que eu pude visualizar eles em todo o lugar. Quatro peças intercaladas de música sendo estruturadas ao redor delas. Era fevereiro de 1973, e oito meses depois, o conceito foi lançado nessa gravação“.
Em poucas semanas as letras e melodias estavam prontas, e com o término da turnê de Close to the Edge as gravações começaram no estúdio Morgan, em Londres. A ideia básica de Tales From Topographic Oceans era narrar as shastras (regras hindus) em um ponto de vista espiritual, transformando-as em música.
Anderson e Howe concentraram-se nas quatro suítes que tratavam dos temas específicos enunciados por Paramhansa, que por sua vez ocupavam cada um dos lados do vinil duplo, sendo o lado A composto por “The Revealing Science of God” (falando sobre a verdade sobre Deus), o lado B com “The Remembering” (e o conhecimento), o lado C com “The Ancient” (e a cultura) e o lado D com “Ritual” (com a liberdade), todas elas intercalando-se entre si e formando uma única peça com mais de 80 minutos de duração.
Anderson continua: “Ainda durante a turnê, primeiro na Austrália, e depois nos Estados Unidos, contei a ideia para Steve. Ele gostou disto, e nós dois começamos a montar as sessões a luz de velas em nossos quartos de hotel. Nós estávamos passando por Savannah, Georgia, quando as coisas começaram a surgir muito claramente. Então, durante uma sessão de seis horas, que durou até as 7 da manhã, nós trabalhamos na parte vocal, lírica e instrumental para os quatro movimentos. Isto foi uma experiência mágica, que deixou-nos exilados por dias. Chris, Rick e Alan fizeram importantes contribuições, com seus próprios trabalhos evoluindo pelos próximos cinco meses, arranjando, ensaiando e gravando“.
Cada lado teve participação especial de um integrante. O lado A deixava claro todo o trabalho vocal de Anderson, enquanto no B quem se sobressai é Wakeman. Howe demole o lado C com guitarras e violões, enquanto que em “Ritual” White e Squire são os responsáveis pelo cataclisma de encerramento da peça. Mas, claro, toda a banda participava ao mesmo tempo em todas as suítes.
“Eu tinha lido em algum lugar que o Yes iria musicar a Bíblia, então pensei: ‘Certo, eu vou provar que isso pode ser feito“, afirmou Anderson em 1991, em uma entrevista durante a Union Tour.
Steve Howe falou aos fãs em uma entrevista na revista guitar world: “Estávamos fazendo Tales from Topographic Oceans, e fomos para um estúdio chamado Morgon. Este foi o primeiro estúdio de 24 pistas em Londres, e ficamos lá por quatro meses. Cada vez que íamos ao estúdio, sendo pós-hippies, precisávamos fazer um pouco de amizade. … Eu e Jon estávamos muito próximos naquela época. Os demais membros da banda precisavam esforçar-se bastante para esta gravação, por que eles não estavam certos se o que nós estávamos fazendo era uma boa ideia, mas como estávamos muito empolgados com aquilo, não foi difícil convencer os demais“.
Squire é um pouco mais indeciso em sua opinião sobre o álbum. Para o jornalista Jon Kirkman, autor do livro Time and a Word: The Yes Interviews, lançado ano passado, ele declarou: “Nós não tínhamos ideia do status que havíamos alcançado. Apesar do sucesso de Close to the Edge, ainda éramos jovens, e aceitamos a ideia de Anderson … Ficamos com quatro longas peças de vinte e cinco minutos, com ótimos momentos, mas as vezes, eu percebia algumas pessoas cochilando durante a terceira parte de Tales from Topographic Oceans“.
Wakeman acabou sendo o principal opositor do álbum, e ainda hoje, ele larga suas farpas para o mesmo. Em uma entrevista de 2008 para o jornal Daily Mail, afirmou: “Este foi um álbum muito difícil de trabalhar. Como tecladista, poucos foram os momentos em que eu não tinha nada para fazer … Há melodias marcantes, mas muita enrolação, que se prolonga muito. Vários temas foram repetidos, e isto ficou chato até para os fãs … Este não é o meu álbum favorito do Yes, e eu disse isso quando de seu lançamento. Depois, renome-ei ele para Tales from Toby’s Graphic Go-Kart“.
Outro que não gostou do resultado final foi o produtor Eddie Offord: “Este é um álbum horrível, que quase me matou. Existia um efeito psicológico na época, do tipo ‘Nossa, estamos fazendo um álbum duplo, podemos fazer as coisas duplamente longas’, só que tudo parece duplamente chato” (do livro Yesstories, de 1996).
“The Revealing Science of God (Dance of the the Dawn)” abre o disco, e é descrita por Anderson na capa do LP da seguinte forma: “Primeiro Movimento: Shrutis (tradução: Textos Sagrados) A Ciência reveladora de Deus pode ser vista como uma flor permanentemente aberta, da qual emergem as verdades simples, registrando as complexidades e a magia do passado, e fazendo-nos ver que não deveríamos esquecer nunca a canção que nos foi dada escutar. O conhecimento de Deus é uma indagação objetiva e constante“.
É uma das melhores peças musicais do Yes e do progressivo, e em breve irei trazer detalhes desta faixa através do nosso Maravilhas do Mundo Prog, mas não posso deixar de destacar as passagens instrumentais de Wakeman e Howe, além da interpretação fantástica de Anderson.
Os demais três lados do LP também são incríveis Maravilhas sonoras. “The Remembering (High the Memory)” é o momento de Wakeman, e recebeu a seguinte descrição por Anderson: “Segundo Movimento: SURITIS (tradução: Memórias de epopeias inspiradas). Todos os nossos pensamentos, impressões, conhecimentos e temores têm se desenvolvido no transcurso de milhões de anos. Podemos, através de nós mesmos, referirmo-nos somente sobre nosso próprio passado, vida e história. Aqui é o teclado de Rick que projeta vívidos fluxos e refluxos de olho de nossas mentes: o oceano topográfico. Por sorte, notamos que certos aspectos ocorridos ao longo do tempo não são tão significativos como a natureza do que está impresso em nossa mente, e o modo como isso está registrado e é usado“.
Falando sobre viagem no tempo, através da regressão da memória, é um belo tema sobre a busca espiritual nas luzes do passado, navegando pelo oceano da sabedoria antiga, influenciado pelos Vedas, as escrituras sagradas dos hindus. Um tema extremamente complexo, que equivale por exemplo a tentar explicar o Candomblé para os povos nórdicos, e que acabou influenciando no descaso e oposição ao disco pelos mais “leigos”.
Musicalmente, esse é o momento no qual Wakeman ganha espaço. A longa introdução levada pelo tema da guitarra e as vocalizações do trio Anderson, Howe e Squire, são penetradas sedutoramente por passagens soberanas de moog, mellotron e órgão, com toda a habilidade que o músico sempre apresentou em suas canções.
Além de Wakeman, o poderio vocal e os momentos em que Howe executa pequenos temas durante toda a canção, seja na guitarra ou no violão, são dignos de nota, e até mesmo o duelo de moog e guitarra, próximo ao final da canção, mostra as qualidades de White e Squire, com uma cozinha forte e envolvente.
“The Ancient (Giants Under the Sun)” é o espetacular momento aonde Steve Howe brilha, recebendo a seguinte descrição de Anderson: “Terceiro Movimento: PURANAS (tradução: Lendas ou narrações de tempos antigos). “A antiguidade indaga ainda mais profundamente no passado, mais além do ponto de recordação. Aqui a guitarra de Steve é o centro para a aguda reflexão sobre as belezas e os tesouros das civilizações perdidas: Índia, China, América Central e Atlântida. Estes e outros povos deixaram um imenso tesouro de conhecimentos“.
Essa é a parte mais densa das quatro peças. Misturando elementos percussionistas e acústicos, Anderson tenta relacionar os povos antigos com o poder da Mãe Terra, começando a citar a devoção que devemos ter com o Sol. Para muitos, é onde há maior enrolação (Wakeman cita isso, por exemplo), mas na verdade não é bem por aí.
A introdução mostra dois pontos muito interessantes, que são as intrincadas passagens de teclados acompanhando o ritmo insano dos instrumentos percussivos, e a guitarra chorosa de Howe, deslizando seu slide pelo instrumento criando temas estranhos, malucos, simbolizando o retorno e a viagem espiritual em busca desse contato com o Deus Sol.
Os solos de Howe, preenchedores de boa parte de “The Ancient”, não são dos mais inesquecíveis, mas por outro lado, é inegável que dificilmente outro guitarrista conseguiria criar solos tão complexos, misturando velocidade com ritmos mais lentos, e ao mesmo tempo vitais para a dramatização da história. Há ainda a presença constante de uma marcação que apareceu timidamente em “The Remembering”, feita por baixo e bateria, e que se tornará um dos ápices do lado D do LP.
O último trecho de “The Ancient” leva as lágrimas até surdos, já que o que Steve Howe constrói ao violão é inexplicável. Uma melodia simples, misturando folk com música clássica, marca registrada do músico, mas que ganhou conotações emocionais altíssimas, tamanha a beleza da mesma, e, combinada com a voz melodiosa de Anderson, faz os ouvidos suspirarem de prazer.
O álbum encerra com “Ritual (Nous Sommes Du Soleil)”, que faz a excelência musical do quinteto colocada à prova, descrita assim por Anderson: “Quarto Movimento: TANTRAS (tradução: “Regras”) Os sete pontos da sabedoria para aprender e conhecer o ritual da existência. A vida é uma luta entre as forças perniciosas e o amor puro. Alan e Chris apresentam e transmitem a luta da qual sai vencedora a causa positiva. Nous sommes du soleil. Nós somos do sol. Todos nós podemos ver“.
Depois de sair dos oceanos, o viajante espiritual emerge cheio de luz, vitalizado pelo sol do amor e pela sabedoria adquirida com seus antepassados. Ele uniu-se ao Deus Sol, livrando-se das trevas e vivendo através da alegria e do amor.
Musicalmente, temos um verdadeiro petardo progressivo em mãos. Squire aparece com mais destaque na canção, assim como White, mas os cinco estão em uma performance soberba. Não é a toa que “Ritual” acabou sendo a única a permanecer no set list do grupo durante a turnê do álbum seguinte, Relayer.
A peça é dividida em quatro momentos distintos. A primeira, apresentando o lindo solo de Howe, repete a marcação de baixo e bateria citada anteriormente, além de um forte ritmo percussivo e o mellotron sendo um espetáculo a parte. O clima é de tensão e perspectiva com a longa sessão instrumental inicial, gerando uma expectativa de o que irá ocorrer a partir das vocalizações de Anderson, e o Yes confirma a beleza apresentada a partir do inicio da letra, após um breve solo de baixo.
Esta é a segunda parte, lenta e arrastada, totalmente diferente da veloz introdução, com um clima espacial, Howe no Danelectro Sitar e Anderson gravando nos anais da música a frase “Nous sommes du soleil”, inspirando Sergio Dias e seus Mutantes para registrar o Maravilhoso Tudo Foi Feito Pelo Sol em 1974.
O terceiro e principal momento de “Ritual” vai para o solo de Squire e White. Squire surge entre os barulhos percussivos, lentamente, para debulhar-se em dedos com uma escala veloz, e depois, ainda faz vocalizações imitando as notas das escalas, a la Slam Stewart, e dê-lhe percussão por debaixo da massa sonora criada pelo baixo.
Essa percussão explode no assustador solo de White, que acompanhado por Anderson e Squire em seus respectivos instrumentos percussivos, trava uma batalha demoníaca com Wakeman, soltando agudos e criando barulhos infernais em seus teclados. A perfeição sonora dessa batalha acaba com um magistral tema de Howe, que retorna ao início da canção, e nos leva ao último momento de “Ritual” e de Tales from Topographic Oceans, com Anderson cantando frases lindas e emocionantes como “Lay upon me, hold me around lasting hours, we love when we play … We drift the shadows and course our way on home“.
Sobre “Ritual”, Alan White comentou ao site musicradar.com: “Passamos muito tempo fazendo este álbum, mais de nove meses. Musicalmente, isto foi uma aventura, completamente diferente de qualquer coisa que eu já tinha feito antes. São ritmos diversos: um pouco étnico em determinado ponto, então volta ao rock ‘n’ roll, seções de jazz e influênciais orquestrais. A ideia em ‘Ritual’ era fazer uma melodia única, e tocá-la somente com bateria até o fim. Então Squire tocou tímpano, Anderson um conjunto de percussão e eu um kit regular de bateria, ensinando eles como tocar uma melodia na percussão. O resultado foi um som muito tribal”.
Já Wakeman novamente detona ao Daily Mail: “Existe uma sessão percussiva maluca, onde cada um bate em coisas diversas. Isto durava cerca de dez minutos, e para mim, parecia que eu ficava tocando durante um ano e meio – e provavelmente, até quando eu ouço também parece isso”.
Depois de mais um breve solo de Howe, o álbum encerra-se, e só resta ao ouvinte enxugar as lágrimas e colocar o mesmo para ouvir, ou então, jogar o álbum no lixo e soltar o verbo contra o que ouviu. Steve Howe, no documentário Yesyears (1991) afirmou: “Tales from Topographic Oceans não foi só um álbum, foi uma experiência … É um álbum que simbolizava um estilo de vida“.
O principal resumo foi dado pelo criador, Jon Anderson, há um repórter da BBC: “Tales from Topographic Oceans é uma viagem espiritual sintetizada assim: surge a luz da aurora em nosso coração, a luz de Deus. Relembramos nossa essência espiritual no oceano do tempo, somos eternos. Aprendemos com os sábios antigos a arte espiritual da união com a terra e a reverência ao sol, a arte da expansão da consciência. Voltamos ao presente cheios de esperança e amor para lutarmos pelos nossos sonhos e seguirmos em frente, pois nós somos da Luz“. Anos depois, ele comentou no mesmo Yesyears citado acima: “Acho que Tales from Topographic Oceans foi o encontro de grandes ideias, mas de baixas energias … alguns não se esforçaram para tornar o álbum o que ele deveria ser, mas eu entendo o por que“, em uma clara citação à Wakeman.
A capa, elaborada por Roger Dean, é considerada uma das mais bonitas que o autor já fez, e ao lado de Dark Side of the Moon (Pink Floyd) e The Lamb Lies Down on Broadway (Genesis), é uma das capas mais famosas do estilo. Até hoje, é o LP do Yes que teve o maior número de vendas quando de seu lançamento, e o que mais vendeu do grupo em todos os tempos.
A revista Time elegeu Tales From Topographic Oceans o melhor disco de 1973, enquanto a revista brasileira Showbizz colocou o disco entre os 20 piores de todos os tempos. O livro The Worst Rock ’n’ Roll Records of All Time, lançado em 1991, colocou o álbum na décima colocação como pior álbum de todos os tempos, em uma mesma citação para Aqualung (Jethro Tull), Days of Future Passed (Moody Blues) e Tarkus (Emerson, Lake & Palmer), isso só para citar alguns.
Vale a pena comentar sobre a turnê de divulgação, a última com Rick Wakeman nos teclados. Os ensaios foram bastante complicados, e Anderson começou a criar figuras ilustrativas em cima do tema. Com a ajuda de Roger Dean, concebeu efeitos de luz que atiçavam a visão da plateia para os viajantes temas do LP, bem como monstros gigantes infláveis ou em fibra de vidro que eram responsáveis por “guiar” a banda até a entrada do palco – a famosa baleia Skull -, a qual era um conjunto de tubulações de órgãos totalmente retorcidas, formando o esqueleto de uma baleia. Diversos cogumelos foram espalhados na frente do palco, além de peças especiais que surgiam durante determinadas partes do show, como bustos de Bach e Beethoven, os quais circundavam os teclados de Rick Wakeman.
No dia 01 de novembro de 1973, Tales From Topographic Oceans foi apresentado pela primeira vez na rádio BBC, e no dia 16 daquele mês, começou a Tales From Topographic Oceans Tour, em Bournemouth, Inglaterra, estendendo-se até 26 de abril de 1974. Após uma sequência de shows, que tinham sempre críticas altamente positivas ou extremamente negativas, o álbum foi lançado no dia 14 de dezembro na Inglaterra e no dia 09 de janeiro de 1974 nos Estados Unidos.
O que mais chamava a atenção da turnê era que o Yes realmente estava inovando, não somente por tocar um álbum duplo na íntegra, mas por tocar dois diferentes álbuns na íntegra! O show começava com o encerramento da clássica peça “Firebird”, de Igor Stravinsky, com um gigantesco pano branco tapando o palco. Enquanto “Firebird” era executada pelas torres de som o pano se abria, mostrando uma gigantesca cabeça de cobra sobre a bateria de White, com a banda acompanhando os acordes da peça e emendando em “Siberian Khatru”, do álbum Close to the Edge. Na sequência, as outras duas faixas do LP eram tocadas – “And You and I” e “Close to the Edge” – e assim todo o álbum Close to the Edge era apresentado ao público em pouco mais de 45 minutos.
Terminada a apresentação de Close to the Edge, era a vez de Anderson começar a narrar o que estava para acontecer. Primeiramente, ele comentava que iriam apresentar uma faixa do novo álbum, começando com “The Revealing Science of God”. A partir de então, os oitenta minutos do álbum eram apresentados na íntegra, sendo que ao término de cada uma das suítes, Anderson explicava um pouco sobre o que vinha a seguir e qual ensinamento ou assunto estava sendo tratado.
A dificuldade na interpretação de Tales From Topographic Oceans tornava o show ainda mais interessante de se ver, pois Squire e Howe acabavam se transformando em verdadeiros malabaristas, empunhando por mais de uma vez dois baixos (no caso de Squire) e duas guitarras ao mesmo tempo. Anderson também era outro multi-instrumentista, com um canto especial para ele, onde estavam à disposição flauta, harpa e diversos instrumentos percussivos. Wakeman, sempre trajando sua tradicional capa de brilhantes, vinha cercado de moogs, mellotron e piano, enquanto White desaparecia sob a cabeça da cobra, que soltava fumaça e labaredas de fogo.
O clímax e tensão eram intensos durante toda a apresentação de Tales From Topographic Oceans. Como se sabe, o Yes se tornou mundialmente reconhecido por executar nota por nota de suas canções, e isso se deve principalmente a essa turnê, pois imaginem fazer isso com uma única música durante mais de 80 minutos, sem partitura e sem metrônomos, só com a canção na cabeça.
Durante a apresentação a cabeça da cobra abria-se, revelando por vezes asas de borboletas ou então outras formas, como cogumelos e flores. Nos cantos do palco, vez por outra surgiam bonecos e animais empanados, e o que chamava a atenção era o show de luzes e fumaça, que tinha como o auge “Ritual”, aonde os fãs saiam da apresentação com a sensação de que tudo o que haviam aprendido sobre shows era enganação, já que o espetáculo visual fornecido pelo Yes era fora do comum.
Após a apresentação de Tales From Topographic Oceans o Yes deixava o palco por alguns minutos, retornando para o bis com “Roundabout” e, dependendo da energia do público (e dos músicos), “Starship Trooper”, encerrando então o espetáculo de quase três horas de duração. Vale ressaltar que alguns shows contaram com “Heart of Sunrise” ou “Yours is No Disgrace” ao invés de “Starship Trooper”.
A turnê teve vinte e cinco shows na Inglaterra, quarenta e três na América do Norte e mais dez shows pela Europa, passando por Alemanha, Holanda, Suíça e França, encerrando em 23 de abril de 1974 em Roma. Todas as apresentações tiveram seus ingressos esgotados, sendo que em algumas cidades o Yes teve que fazer mais de um show (as vezes no mesmo dia, como ocorreu na Filadélfia).
Por fim, algumas raridades relacionadas ao álbum. A primeira delas é uma raríssima versão lançada unicamente para ser tocada nas rádios inglesas – creditada como “radio vinyl”. Como as faixas eram longas, elas foram divididas em temas de quatro ou cinco segmentos, com intervalos entre quatro e cinco minutos, o que possibilitava a execução das mesmas, e isso era criteriosamente creditado tanto na capa quanto no próprio rótulo e sulco do vinil. Outra rara versão do LP traz o triângulo em alto-relevo na capa, em uma edição super-limitada em mil cópias.
Para quem quer curtir a turnê em si, existem diversos bootlegs no mercado, sendo os melhores (em termos de qualidade de áudio) Tales From the Edge, gravado em Ludnigshateen (Alemanha) no dia 14 de abril de 1974, e Ocean Tales, gravado em Detroit (EUA) em 28 de fevereiro de 1974. Em termos visuais, existe um raríssimo video em 8mm da tour, que mostra grande parte de um show filmado em local desconhecido. Particularmente nunca vi este show, mas pesquisando na internet vi vários comentários a respeito do mesmo.
O Yes consolidava-se como a principal banda do progressivo britânico, passando à frente de baluartes como Pink Floyd, principalmente por Tales From Topographic Oceans alcançar o posto número 1 de vendas no Reino Unido, antes mesmo de seu lançamento, e um local aonde Dark Side of the Moon alcançou no máximo a segunda posição. Também foi sexto na Billboard americana, mostrando que em ambos os lados do atlântico, o Yes estava entre os mais vendidos.
Parte da imprensa elevou o Yes ao patamar de deuses, chegando a citar que: “O Yes ultrapassou os limites da criatividade e da capacidade humana de criar música, mergulhando em profundos oceanos topográficos que somente gênios sabem nadar” (Revista Pop!, Reino Unido, 1974), enquanto outros afirmaram: “Tales from Topographic Oceans é a prova definitiva da auto-indulgência que esses rapazes ingleses estão passando ao seu público, bancando pose de inteligentes com uma música insuportável, pretensiosa e sem nenhuma significância sentimental” (Rolling Stone, 1974).
Gostos a parte, o fato é que Tales from Topographic Oceans obrigatoriamente tem que ser ouvido pelo menos uma vez por alguém que queira conhecer rock progressivo. É a partir daqui que o Yes se tornou O Yes. Mesmo com Close to the Edge sendo uma obra-prima, foi com Tales from Topographic Oceans que o Yes saiu dos teatros e pubs para lotar estádios pela Europa, Estados Unidos e Japão, fazendo o progressivo crescer ainda mais e levando para as grandes arenas bandas como Pink Floyd e Emerson Lake & Palmer.
É impressionante como apenas cinco pessoas acabaram construindo uma obra tão rica e valiosa para o mundo, mesmo com as divisões de pensamentos sempre drásticas sobre ele. É fato, ou você irá amar ou irá detestar, principalmente por ser uma obra tão complexa, o que faz do LP, após cinquanta anos, ainda conquistar seguidores e detratores, como a velha bíblia do início do texto.
Eu comprei “Tales…” em vinil lá pelos idos de 1986, e por um bom tempo foi meu disco favorito do Yes, e até hoje está no meu top 3 da banda. Minha versão era a reedição brasileira da metade dos anos 80, com a parte interna da capa impressa em preto e branco, o que dificultava ver as fotos. Não tenho muita coisa a acrescentar sobre o que foi escrito aqui, a não ser duas coisas: em primeiro lugar, a parte 2 da suíte é a mais fraca, na minha opinião; em segundo, como seria bom se o Yes tivesse condensado a suíte completa e tocado em mais shows…
De todo modo, ainda tenho o sonho de ver “Tales…” em gravação ao vivo de boa qualidade lançada oficialmente. A única versão ao vivo completa que ouvi estava num pirata italiano que um amigo me emprestou, e tinha tanto barulho da plateia que você tinha que tinha que adivinhar o que a banda estava tocando.
Ah, como eu amo esse álbum, patrão… Até hoje é o meu favorito do Yes, independente das opiniões de terceiros. Na minha opinião, o quinteto atingiu seu verdadeiro ápice criativo neste ousadíssimo LP duplo de apenas 4 longas canções, uma em cada lado do disco (é mole ou quer mais?) e nunca mais atingiria outro patamar de criatividade como esse nos álbuns seguintes. Jon Anderson compôs e cantou como nunca em TFTO, Steve Howe e Chris Squire (RIP) também fizeram bonito nos backings vocais e em seus respectivos instrumentos, Alan White (RIP) fez sua grande estreia nas baquetas e com o tempo não se mostrava tão “contraditório” quanto o antecessor Bill Bruford. Tudo muito bem conduzido pelo grande produtor Eddy Offord. E quanto á Rick Wakeman, bem, deixa pra lá… Os fãs já sabem da história. Ah, e tem também a capa do Roger Dean embalando o pacote… Gente, que arte linda que ele criou para o TFTO, daquelas de deixar até os grandes mestres da pintura (como Picasso, Michelangelo e Da Vinci) mortos de inveja! Enfim, Tales from Topopgraphic Oceans pode ser hoje resumido através da passagem bíblica que diz: “A pedra rejeitada pelos obreiros agora tornou-se a pedra angular” (Salmo 118), e que merece sim ser ouvido do começo ao fim sem nenhum sinal de preconceito, como é o meu caso.